Marvila, o bairro castiço onde os Santos Populares têm um toque moderno

Na zona Oriental de Lisboa, a sardinha come-se em brioche e a música popular dá lugar ao <em>funk</em>, ao <em>afrobeat </em>e ao funaná num fim de semana prolongado com muita festa.
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A tradição já não é o que era, diriam alguns ao consultar a programação prevista para este fim de semana prolongado de Santos Populares em Marvila, na zona Oriental de Lisboa. O bairro que tem ganho dinamismo ao longo dos últimos anos, em grande medida pela iniciativa das cervejeiras artesanais que ali se instalaram, prepara as grelhas, monta arraiais e afina os últimos detalhes para o regresso, em força, das celebrações de Santo António. Desde sardinhas em pão brioche a bailaricos com funk e funaná, há muito para experimentar nesta reinterpretação das festas da cidade.

Os ensaios para a época alta da sardinha e da cerveja começaram nas últimas semanas, mas é a partir desta quinta-feira que a programação arranca em força. Ao DN, a Fábrica Musa confirma o retorno do seu "Santo Antónimo" com petiscos para todos os gostos, mas "sempre com um twist". "Chamamos-lhe Santo Antónimo porque há música de bailarico, mas não é pimba", diz aquela que é hoje uma das principais marcas portuguesas de cerveja artesanal. No cartaz haverá, até domingo, reggaeton, forró, funk, afrobeat, cambias e funaná. E porque nesta quadra festiva não podem faltar os grelhados, o cardápio vai incluir sardinhas e pimentos em brioche, bifanas, pastéis de vento de chouriço e pastéis de caldo verde.

Algumas ruas mais à frente, a Dois Corvos vai abrir as portas do seu tap room para receber todos aqueles que nos últimos dois anos não conseguiram celebrar os Santos Populares. "São três noites de música dedicadas a todos aqueles que queiram celebrar este fim de semana longe da azáfama que se vai fazer sentir um pouco por todo o lado", garante a cervejeira. Desengane-se, porém, quem achar que fugir da confusão dos bairros típicos de Lisboa é sinónimo de sossego. "Temos arraiais pouco normais que desafiarão quem nos visitar a fazer-se à pista de dança", acrescentam em resposta ao DN. Abanar a anca ao som da música eletrónica do DJ Rodrigo Bento ou à boleia de "beats tropicais e ritmos de outras dimensões", assegurados pela dupla Krystin Potter e SomStellaR, são algumas das sugestões para os próximos dias.

Mas não é apenas de cerveja artesanal que vive a modernização da tradição alfacinha. A Fábrica Braço de Prata, outrora um estabelecimento militar do Estado português, é, desde 2007, um centro cultural com uma biblioteca e salas de exposições, cinema, teatro e concertos. A sua história, contudo, está intimamente ligada às celebrações tradicionais da cidade. "Não tínhamos dinheiro para reformar o edifício e, por isso, abrimos ao público unicamente com uma licença de arraial", conta Nuno Nabais, responsável de comunicação do espaço. De lá para cá, pouco mudou. "Ainda é a única licença que temos. É como se vivêssemos ao longo de 15 anos numa eterna festa de Santos Populares", comenta.

Desta feita, e aproveitando o 15º aniversário de abertura ao público, há "um programa muito intenso" com a cultura a ser a grande protagonista. Além de uma exposição de fotografia inaugurada esta quinta-feira, haverá espaço para ouvir o pianista Júlio Resende e vários músicos de jazz, assim como o fado da artista residente Ana Margarida ou o concerto da Banda Não Simão, entre outros. As maiores surpresas, diz Nuno Nabais, estão reservadas para o soprar das 15 velas da Fábrica Braço de Prata, no próximo dia 17.

Marvila tem sofrido alterações profundas ao longo das décadas, perdendo o dinamismo que caracterizava esta área da cidade no século XX, quando albergava fábricas e grandes entrepostos comerciais que serviam a capital e o país. À medida que Portugal se foi desindustrializando, muitos dos edifícios foram condenados ao abandono e à degradação. Já na viragem do século, com a transformação provocada pela Expo 98 e a construção do Parque das Nações, a vida começou a voltar à zona Oriental, mas foi com a chegada de projetos inovadores que ali viram o local ideal para se desenvolverem que Marvila começou a tornar-se atrativa.

"A Fábrica Braço de Prata foi pioneira neste renascimento a golpes de concertos, exposições e livros", reclama o espaço que chegou a estar nas páginas do New York Times pelo sucesso alcançado. Seguiram-se as fábricas e bares de cerveja artesanal, como a Musa, Dois Corvos, Lince ou Oitava Colina, que formaram o Lisbon Beer Department para promover, em conjunto, iniciativas culturais. Os visitantes multiplicaram-se ao longo dos anos, tanto que hoje a especulação imobiliária ameaça a continuidade de muitos destes projetos neste local. "Se a especulação não parar, vai ser impossível ficarmos aqui por muitos mais anos", lamenta a Musa, que recentemente mudou o bar para a rua Vale Formoso precisamente pela pressão dos preços. Para já, porém, a prioridade é festejar o Santo António com a irreverência a que o bairro já nos habituou e esperar que continue a afirmar-se como "a meca da cerveja artesanal".

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