Marta Temido. Uma vítima da política de Saúde do governo
Não, a política de Saúde do governo não era definida por Marta Temido, mas sim pelo eixo entre o gabinete do primeiro-ministro e o ministério das Finanças.
Marta Temido ia gerindo o melhor que podia e sabia os assuntos da Saúde, mas sem os investimentos que o setor permanentemente requisitava. Temido foi estrela na gestão da pandemia, porque António Costa e as Finanças abriram os cordões à bolsa no combate ao covid-19. É fácil fazer-se boa figura quando se tem dinheiro. Lembram-se quando o governo foi a correr comprar ventiladores à China, adiantando com dinheiro em cima da mesa, mesmo sem a garantia de que os aparelhos chegavam e quando chegavam. Gastou-se o que foi preciso. O dinheiro caiu do céu e da Europa. Para máscaras e para o que foi preciso. Um almirante, bem-sucedido, trouxe ao sistema um eficaz exercício de organização e logística. Não faltaram meios e Marta Temido foi premiada com o cartão do PS e figura central no congresso socialista.
Passada a pandemia, tudo voltou ao mesmo. Ao mesmo não é bem assim, porque as fragilidades e deficiências da Saúde vieram ao de cima. A maré baixou e viu-se quem estava nu!
CitaçãocitacaoMinistra foi vítima da política restritiva de meios que o governo pratica na Saúde, ainda que afirme o contrário.esquerda
No Parlamento o primeiro-ministro iniciou um discurso permanente de investimentos na Saúde que não batia certo com o que o país constatava, diariamente, no setor. Centenas de milhões de euros para a Saúde, repetia o primeiro-ministro nas suas idas ao Parlamento. Centenas de novas contratações. Mais não sei quantos enfermeiros. Mais centenas de auxiliares. E muitos, muitos técnicos de diagnóstico. Quanto mais investimento o primeiro-ministro anunciava, mais problemas surgiam nos serviços de Saúde. A bota não batia com a perdigota.
As Urgências davam sinais de falência. Faltavam médicos nos diferentes Serviços de Urgência. Os Serviços de Obstetrícia e Neonatologia colapsavam perante o espanto nacional. Balanço? A morte de dois bebés e de uma mãe que faleceu na transferência de Santa Maria para São Francisco Xavier tornaram o assunto politicamente inadiável.
Durante o verão, Marta Temido desapareceu das televisões e dos holofotes públicos. Reapareceu agora para uma súbita demissão. Fez bem! Assim pode ser que ainda se lhe cole ao corpo algum do sucesso que obteve no combate à pandemia. Não tinha alternativa à demissão. Marta Temido sabia que daqui para a frente seria uma vítima das cativações do Ministério das Finanças e da política de austeridade do governo na área da Saúde.
Se há assim tanta facilidade e tantos milhões no investimento na Saúde, como afirma o primeiro-ministro, porque não contrataram novos médicos especialistas de Obstetrícia? Porque não colmataram as falhas que se iam verificando nos vários serviços especializados de Obstetrícia? Porque não apareceu dinheiro para isso, como surgiu para a pandemia? Porque insistiram em esgotar os médicos com um número absurdo de horas extraordinárias? Porque não mexeram nas carreiras médicas, melhorando-as? Marta Temido percebeu que o seu percurso futuro não ia ser fácil. O governo e o Ministério das Finanças não iam dar-lhe mais meios financeiros, nem logísticos, para colmatar as falhas verificadas no sistema. O governo optou por ter dinheiro para TAP ou para os bancos, mas quanto à Saúde governem-se com o que têm. Paulatinamente a Saúde vai-se transferindo para a lógica privada. Cada vez mais e mais seguros de saúde, deixando para o SNS apenas os casos clínicos de manifesta gravidade.
Este governo optou pela apresentação de contas certinhas perante a Europa. Optou por um excedente orçamental confortável. E o SNS tornou-se num dos principais instrumentos de poupança orçamental deste governo. Na Saúde, como em tudo na vida, sem ovos não se fazem omeletes!
Marta Temido acabou por ser uma vítima da política restritiva de meios que o governo pratica na área da Saúde, ainda que, sistematicamente, afirme o contrário.
Jornalista