Marta Mateus e João Pedro Rodrigues: Os heróis Curtas 2017
Não deixa de ser curioso, depois de ter participado como atriz em Odete, estar agora a partilhar o palmarés do Curtas com João Pedro Rodrigues....
Marta Mateus - Nunca quis ser atriz nem nunca fiz peças de Natal nem nada disso. Interessava-me, isso sim, ir para os plateaux para me aproximar do cinema. Queria estar ao pé das pessoas que faziam cinema e ver de perto. Queria aprender... Em certas experiências ficava com pena, pois via pouco. Às vezes, os atores ficam num canto.
João Pedro Rodrigues - Claro que me lembro da Marta. Foi uma filmagem de um só dia e tu fazias de empregada numa loja de roupa de bebés enquanto a protagonista estava a roubar. Foi apropriado teres levado para a rodagem o teu filho de 3 meses.
Depois desse trabalho de espionagem nos plateaux como se chega àquele momento em que se parte para a realização de um projeto?
MM - Esse momento já lá estava há muito! O problema é como se começa a fazer cinema... Houve um momento da minha vida em que fui mãe e tive de me dedicar a outras coisas, mas a partir de uma certa altura comecei a candidatar-me, enfim comecei nessa peregrinação dos subsídios ao ICA e fui chumbada muitas vezes. Concorri durante cinco anos com diversos projetos. Para um jovem realizador é muito difícil fazer um primeiro filme.
No discurso de agradecimento, o João Pedro Rodrigues salientava o facto de esta curta ser o primeiro filme da sua nova Filmes Fantasma. Em que medida isso é simbólico?
JPR - Tinha vindo de uma série de produções complexas e infelizes. Senti que tinha de mudar a maneira como faço os filmes e este é um filme sobre mim. Na verdade, é sobre o trajeto de sair de mim. Mas a minha maneira de fazer filmes não vai mudar absolutamente nada. O que vai mudar é que eu vou ter maior controlo sobre os filmes...Ao mesmo tempo, não quero ser produtor.
Mas vai ser...
MM - Vais ser porque tem de ser!
JPR - Pois, é isso!
A Marta, por sua vez, no discurso também agradeceu às pessoas que acabaram por não a ajudar a fazer o filme...
MM - O cinema é mesmo um trabalho coletivo. É feito por uma equipa, tem de o ser. Há muitas maneiras de colaborar e de ajudar o realizador a chegar a um sítio, embora também surjam maneiras de boicotar o caminho que o realizador gostaria de fazer. Tive muitas dificuldades em Farpões, Baldios que se tornaram forças! Os filmes são a maneira como são produzidos. E a produção, para mim, tem que ver com todos os que estão atrás da câmara. Este filme foi difícil porque filmei durante um mês. Tinha de ser assim, eu tinha de respeitar os seres humanos que filmei - são pessoas que nunca tinham visto uma câmara de cinema.
JPR - O teu filme fez-me lembrar a minha infância no Alentejo. Os meus avós são alentejanos e eu ia comer com os pastores. Fizeste um filme solar que me fez lembrar o rebanho de ovelhas do meu avô. Isso tem a ver com a forma como os filmes vivem dentro de cada um.
MM - Eu tive imensa dificuldade, pois era o meu primeiro filme e fartavam-se de dizer que não podia fazer daquela forma. A dada altura pensei que o melhor era fazer um responso a Santa Luzia, a santa que cura os olhos. A visão é o cinema! O cinema é uma visão. Esse responso foi a forma de perceber como é que eu via aquilo. O que me interessa é aquilo que está no filme - não me interessa o meu ponto de vista. O que interessa é o que lá está.
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PERFIS:
Marta Mateus
- 33 anos
- Trabalhou como fotógrafa.
- Um rosto que conhecíamos de pequenos papéis em cinema como Filme do Desassossego (2010) e A Zona (2008).
- Terá sido o rosto mais cinematográfico no belo Setembro, de Leonor Noivo, que esteve no Curtas há um ano, mas não quer ser atriz. Farpões Baldios é a sua passagem para a realização. Nasce uma cineasta: primeiro na seleção para Cannes e, agora, com o prémio máximo no Curtas.
João Pedro Rodrigues
- Nasceu em Lisboa, em 1966.
- O ano passado estreou em todo o mundo O Ornitólogo, um dos sucessos de vendas internacionais do cinema português.
- O filme premiado no Curtas é uma encomenda do Centro Pompidou, em Paris.
- Neste momento, está numa residência artística em Berlim e a preparar uma nova longa, feita a meias com João Rui Guerra da Mata.