Marrocos: novo Governo (negociações)

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Antes demais assinalar o facto de as três maiores e mais conhecidas cidades marroquinas, Casablanca, Rabat e Marraquexe terem eleito mulheres enquanto presidentes de câmara. Tratam-se, respectivamente de, Nabila Rmili (RNI), Asmaa Rhlalou (RNI) e Fatima-Zahra Mansouri (PAM). Trata-se da primeira vez que isto acontece, fruto de um acordo tripartido entre RNI, PAM e ISTIQLAL, não havendo aqui nenhum romance da menina pobre que a pulso foi subindo na hierarquia social do reino e finalmente atingiu o topo por mera meritocracia. Fatima-Zahra Mansouri é aliás neta do Pachá de Marraquexe, o famoso El-Glaoui, o "colabô" que esteve na origem do envio para o exílio, pelos franceses, do Sultão Youssuf Mohammed para Madagáscar em 1953.

Quando o Sultão regressa em 1956 para ser entronizado enquanto Rei Mohammed V, do novo Marrocos independente, El-Glaoui não teve opção em pedir autorização ao monarca para se deslocar ao palácio e lhe pedir desculpa. Assim aconteceu, tendo este episódio ficado cristalizado numa fotografia icónica, onde Glaoui de joelhos, beija as babuchas amarelas do avô de Mohamed VI.

Mohamed VI (MVI) seguiu a Constituição à risca e convidou o líder do partido vencedor, Aziz Akhannouch (RNI), para aceitar o cargo de Primeiro-Ministro (PM). Muito provavelmente este preferiria não ter sido convidado para tal, já que dispersará a sua atenção entre as dores da coordenação governamental e a gestão do seu conglomerado empresarial. Em 2020, a Forbes avaliou o próximo PM marroquino, enquanto o 12º africano mais rico. Mas, como ninguém diz não ao monarca, assumo também que Akhannouch será mais um fusível nas mãos de MVI, a queimar quando melhor lhe aprouver. Porquê? Porque ter um milionário enquanto PM é dar argumentos aos islamistas do PJD para acusarem o governo, o reino, o sistema de caminhar no sentido da plutocracia, obrigatoriamente pautada por políticas liberais que fortalecerão os ricos em prejuízo dos pobres. Passado um ano ou dois de desgaste, este PM milionário será descartado e MVI, "o rei dos pobres", como logo foi "cognomado" em 1999, sairá uma vez mais reforçado entre estes, enquanto último reduto dos mais frágeis.

Akhannouch abordou esta semana o PJD, no sentido de com este trabalharem em conjunto a formação da próxima coligação governamental, mas obteve uma espectável nega destes, mais preocupados aliás com a realização do próximo Conselho Nacional, onde cabeças rolarão e espingardas serão contadas, para se aferir quem está com quem e quem poderá suceder ao ainda Secretário-Geral Othmani.

O próximo governo terá na sua base o vencedor RNI e o terceiro classificado, o histórico ISTIQLAL. Naturalmente que a inclusão do PAM, segundo classificado nas legislativas e que tão bem funcionou no triunvirato das municipais, facilitaria a obtenção de uma maioria parlamentar mais rapidamente. Acontece que a particularidade da gestão dos equilíbrios no sistema marroquino, obriga a que este seja o sacrificado. Porquê? Porque não é conveniente deixar os islamistas do PJD sozinhos a mobilizarem a oposição. Assim, o PAM, alinhado com o novo governo, assumirá o protagonismo na oposição, como forma de controlar e anular as iniciativas do PJD. Fazendo um bom trabalho, passado um ano ou dois, poderá sempre vir a ser premiado pelo sistema e dar o salto de um lado para o outro. Afinal, faz parte do trio vencedor!

Politólogo/arabista
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Escreve de acordo com a antiga ortografia

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