Seria pouco preciso resumir o que aconteceu na noite de domingo no Coliseu dos Recreios, em Lisboa, com a simples definição de concerto. O que Marisa Monte apresentou nesse palco foi um espetáculo que em muito ultrapassou as fronteiras do mero concerto. Espetáculo a que deu o certeiro nome de Verdade, Uma Ilusão (que é também o título de uma das canções do seu último álbum), nele a cantora propõe uma verdadeira experiência multissensorial, onde o poder da imagem associada a cada canção tem também um papel protagonista..Este foi um espetáculo de um extremo cuidado cénico, onde projeções e vídeos criados por mais de uma dezena de artistas plásticos contemporâneos brasileiros extravasaram os limites do palco e tomaram conta da plateia, envolvendo o público na verdade (ilusória) a que Marisa Monte foi dando voz nas suas canções. .Além do muito inventivo trabalho de luzes e do cenário de palco onde grandes espelhos móveis iam criando novos efeitos visuais, no final de todo este aparato existe Marisa Monte, também ela com uma presença de palco quase teatral (e não menos verdadeira) e com uma doçura na voz envolvente, mas com canções de um realismo palpável (ou então é mesmo tudo uma ilusão)..O tema que dá título a este espetáculo proporcionou também um dos momentos visuais mais criativos de toda a noite. Porque durante essa canção o próprio corpo (e vestido) de Marisa Monte se tornaram numa espécie de tela, que ganhava uma dimensão maior através da sombra que víamos na verdadeira tela que se encontrava atrás da banda..Apesar de ter interpretado várias canções do seu último álbum, O Que Você Quer Saber de Verdade (2011), Marisa Monte não deixou de olhar para o passado. Recuperou essa canção maior que é Infinito Particular, lembrou as primeiras colaborações com Arnaldo Antunes (com De Mais Ninguém e Beija Eu) e prestou uma sentida homenagem a Cássia Eller quando cantou ECT, composição que ficou célebre na voz de Cássia, mas que foi assinada pela própria Marisa Monte com Nando Reis e Carlinhos Brown. Esta foi uma das canções em que a palavra foi também utilizada como elemento estético na projeção a que lhe foi associada, alastrando-se as palavras pela plateia, criando um efeito visual (e simbólico) fortíssimo..Contou histórias sobre essa diva da música italina que é Mina e dela cantou Sono Come Tu Mi Vuoui. Mostrou alguma timidez com os constantes elogios que ia ouvindo e chegou a alterar a letra de uma ou outra canção para elogiar Lisboa (com o célebre Amor, I Love You)..Esta canção, interpretada no encore, deu origem a um momento (quase) cómico neste espetáculo. Sozinha no palco, Marisa Monte acabou por desafiar alguém do publico a recitar a parte da canção em que, na versão original, Arnaldo Antunes lê um excerto de O Primo Bazílio, de Eça de Queirós. O primeiro admirador, Henrique, tentou, mas os nervos não o deixaram concluir com sucesso, tarefa conseguida na plenitude por um segundo admirador, de nome António. .A recta final do concerto serviu para recuperar alguns dos temas mais célebres da carreira de Marisa Monte e, além do já referido Amor I Love You, a cantora lembrou ainda (para grande entusiasmo do público que esgotava o coliseu) Velha Infância e Já Sei Namorar, duas das canções que fizeram do projeto Tribalistas um grande sucesso na época. .Com Verdade, Uma Ilusão Marisa Monte reafirmou que se mantém uma das vozes brasileiras mais inventivas da atualidade, sabendo como fazer de um concerto, ou melhor, de um espetáculo, uma experiência singular em todas as suas vertentes, não só pelo cuidado trabalho visual e cénico, mas pela força que dá às canções.