Mário Cláudio: "O passaroco na Feira do Livro de Lisboa"
Era uma vez um escritor abundante em anos, e razoavelmente conhecido, que alguém convocara para uma sessão de autógrafos numa feira do livro. Na mesa à sua direita sentava-se, mobilizado para igual efeito, um oficial do mesmo ofício, muito mais jovem, que começara pouco antes a aparecer nos escaparates, mas que o outro lera já. Ao ver chegar o sénior, o júnior desviou sobranceiramente o olhar, ergueu o bico de passaroco mudo, e congelou na pose "busto-de-Nero".
Terminada a função, o velho acenou ao novo, tentando exprimir assim, e com um grãozinho de temor reverencial, a sincera estima que dedicava ao seu trabalho. O gesto não mereceria porém o menor indício de acolhimento por parte do destinatário, o qual, persistindo na sua imobilidade de peça de museu, meditaria porventura no impreciso significado do sic transit gloria mundi.
E é de historietas como esta, anódinas e exemplares, que se sustenta a escrita dos que nela andam.