Maria Teresa Lobo. Há 50 anos uma mulher chegou pela primeira vez ao governo
A nomeação era tão estranha ao tempo que nem a linguagem se adaptou: Maria Teresa Lobo assumiu o alto cargo de "subsecretário da Saúde e Assistência", assim mesmo, sem declinação no feminino. Há 50 anos, a 21 de agosto de 1970, Maria Teresa Lobo, então com 41 anos, assumia a pasta no primeiro executivo de Marcello Caetano, a estreia absoluta de uma mulher num cargo governativo em Portugal.
Foram três anos, apenas um passo na vida de uma mulher que teve um trajeto incomum, que atravessa quatro continentes, que vai de professora em Macau a consultora em Moçambique, de subsecretária de Estado em Portugal a juíza federal no Rio de Janeiro. Uma intransigente "servidora dos interesses do Estado" independentemente do chão que pisava - é assim que a lembra o sobrinho, João Lobo-Ferreira.
Maria Teresa de Almeida Rosa Cárcomo Lobo nasceu em Malanje, Angola, a 18 de fevereiro de 1929. O pai, de ascendência goesa, era juiz, a mãe professora de Francês no liceu. A questão dos direitos das mulheres, no seio da família, não era sequer assunto - com a mesma naturalidade com que os dois filhos se formaram, as três filhas fizeram o mesmo, duas advogadas, uma engenheira agrónoma. Ao tempo, uma mulher que quisesse sair do país tinha de ter autorização do marido e as mulheres da família não escapavam à lei: "Mas isso era uma questão institucional. Dentro da família essa questão nunca existiu", conta ao DN João Lobo-Ferreira.
Maria Teresa forma-se em Direito na Faculdade de Direito de Lisboa com uma bolsa do Instituto de Assistência Social de Angola, terminando o curso (durante o qual foi aluna de Marcello Caetano) com 16 valores. Depois, foi notária e professora de liceu em Macau. Foi chefe do Gabinete de Estudos Económicos e Financeiros do Banco Nacional Ultramarino em Moçambique, cargo que deixou para assumir funções executivas no governo de Marcello Caetano. O sobrinho conta que foi Baltazar Rebelo de Sousa - o pai do atual Presidente da República - que "a trouxe para a política", e que era, aliás, o titular do ministério em causa. Maria Teresa Lobo passou três anos como subsecretária de Estado, até julho de 1973. Depois foi deputada à Assembleia Nacional na XI legislatura (1973-74) pelo círculo do Estado da Índia Portuguesa.
Após o 25 de Abril de 1974 muda-se para o Brasil com os três filhos. Não foi por zanga, garante o sobrinho, nem por desconforto com o regime democrático. Mas o lema de Maria Teresa era que o caminho se fazia sempre para a frente e não a discutir o passado. No Brasil torna-se gestora de empresas, dirige a Federação das Associações Portuguesas e Luso-Brasileiras, e começa a exercer como advogada. Aos 58 anos chega a juíza federal do estado do Rio de Janeiro. "A defesa dos direitos das mulheres e a defesa dos interesses do Estado faziam parte do seu desígnio de vida", diz João Lobo-Ferreira. Aposentada em 1999, continuou o trabalho académico, com destaque para a área do direito comunitário.
Maria Teresa Lobo faleceu em dezembro de 2018. "Era uma pessoa absolutamente jovial, ria, cantava, contava anedotas", lembra o sobrinho: "É como se fosse uma árvore sólida numa dessas praças tão portuguesas que há pelo mundo, que estende as suas raízes para espalhar o que temos de melhor. É assim que eu a vejo."
Seria já o Portugal democrático a ver mulheres sentarem-se novamente numa cadeira governamental - duas secretárias de Estado no primeiro governo provisório e, pela primeira vez, uma ministra no executivo seguinte (Maria de Lourdes Pintasilgo, que assumiu a pasta dos Assuntos Sociais). Pintasilgo chegaria a primeira-ministra, por nomeação presidencial, no final da década de 1970, chefiando então o V Governo Constitucional, uma situação que não se repetiu até hoje.
Muito embora já fossem ocupando secretarias de Estado, foi preciso chegar a 1985 para que uma mulher assumisse novamente o cargo de ministra - Leonor Beleza chefia a pasta da Saúde no primeiro governo de Cavaco Silva, cargo que repetirá em 1987. Nas legislativas seguintes, Manuela Ferreira Leite lidera a pasta da Educação e Teresa Gouveia a do Ambiente. Mas há bastiões que tardam em cair: em 2003, no executivo liderado por Durão Barroso, duas mulheres assumem pela primeira vez pastas nucleares do executivo: Manuela Ferreira Leite nas Finanças, Teresa Gouveia nos Negócios Estrangeiros, na sequência de uma remodelação.
Embora a paridade em cargos políticos venha aumentando, um crescimento que se tornou bastante mais visível após a aprovação da Lei da Paridade, em 2006, o poder executivo não está sujeito a quotas. E até hoje, 50 anos passados sobre a estreia de uma mulher num governo, há duas cadeiras ministeriais que, nos 46 anos e 22 governos que leva o período democrático, só tiveram homens como titulares: a Defesa e a Economia.