Maria de Sousa, uma das mais importantes cientistas portuguesas, morreu vítima de covid-19
Considerada uma mulher de Ciência e, acima de tudo, uma mulher com "coragem de questionar", a presença de Maria de Sousa vai muito para além das descobertas científicas, tendo desempenhado um papel fundamental no desenvolvimento do sistema científico nacional e na criação de toda uma nova geração de cientistas portugueses.
Professora Emérita da Universidade do Porto, investigadora emérita do Instituto i3S e professora Catedrática Jubilada do Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar (ICBAS), Maria de Sousa foi uma das primeiras portuguesas a serem reconhecidas internacionalmente pelas suas descobertas científicas na área do sistema imunitário.
Morreu esta terça-feira, aos 81 anos, vítima de covid-19, depois de uma semana de internamento no hospital de São José, em Lisboa, segundo nota divulgada pelo Instituto i3S, onde era investigadora honorária.
"A Prof Maria de Sousa era uma grande mulher, uma grande cientista, que nos deixa um enorme legado de rigor e excelência numa carreira cheia de sucessos", afirma Claudio Sunkel, diretor do i3S. "Para mim, a Maria foi sempre uma fonte de inspiração e amizade ao longo de toda a minha carreira em Portugal. Conheci a Maria quando cheguei a Portugal e sempre me impressionou a sua inteligência, a sua frontalidade, sua lealdade e sentido de missão" adianta Sunkel.
Maria de Sousa distinguiu-se internacionalmente enquanto autora de vários artigos científicos fundamentais para a definição da estrutura funcional dos órgãos que constituem o sistema imunológico, entre os quais o que consagrou a descoberta da área timo-dependente (1966), hoje conhecida universalmente por área T.
Nascida em Lisboa em 1939 e licenciada pela Faculdade de Medicina de Lisboa em 1963, Maria de Sousa cedo deixou o país para prosseguir a sua carreira académica e científica. passando por Inglaterra, Escócia e Estados Unidos, antes de regressar mais tarde a Portugal.
Entre 1964 e 1966, esteve nos Laboratórios de Biologia Experimental em Mill Hill, em Londres, como bolseira da Fundação Calouste Gulbenkian, e aí fez a sua grande descoberta para a história da imunologia: a área T.
Foi Professora Assistente na Universidade de Glasgow (Escócia), onde fez o doutoramento em Imunologia, Professora Associada na Escola de Estudos Pós-graduados do Cornell Medical College (Nova Iorque) e, simultaneamente, Membro Associado e Diretora do Laboratório de Ecologia Celular no Instituto Sloan Kettering de Investigação em Cancro (SKI), em Nova Iorque (EUA).
Em 1985 regressou ao Portugal, ao ICBAS, no Porto, para fundar o Mestrado em Imunologia. Enquanto docente e investigadora da Universidade do Porto foi igualmente responsável pela constituição de uma equipa de investigação nova no campo da hemocromatose, repartida pelo ICBAS, pelo Hospital Geral de Santo António e pelo então novo Instituto de Biologia Celular e Molecular (IBMC).
Condecorada pelo Presidente da República em novembro de 2016 com a Grã-Cruz da Ordem Militar de San"tiago de Espada, um dos mais altos graus desta insígnia destinada a distinguir o mérito literário, científico e artístico, Maria de Sousa recebeu inúmeras outras distinções nacionais e internacionais.
Entre as mais importantes incluem-se o "Bial Merit Award in Medical Sciences" (1994), o prémio "Estímulo à Excelência", atribuído pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (2004), o Prémio Universidade de Coimbra (2011), o Prémio Universidade de Lisboa (2017) e o prémio Mina Bissell (2018).
Em outubro de 2009, assinalou a sua jubilação com uma Última Aula no Salão Nobre da Reitoria da U.Porto, o mesmo local onde, um ano mais tarde, lhe seria confiado o título de Professora Emérita da Universidade do Porto.
"Ficamos todos mais pobres com a sua partida, mas será sempre recordada como uma das pessoas mais influentes no desenvolvimento da ciência em Portugal", refere Claudio Sunkel.
Embora tendo partido, Maria de Sousa tem sido, ao longo do dia de hoje, reconhecida e relembrada pelas diversas figuras portuguesas.
Marcelo Rebelo de Sousa relembra Maria como "uma mulher inconformada e persistente, procurando sempre transmitir um sentido de exigência a todos que, tal como o Presidente da República, tiveram o privilégio de com ela privar. Era também alguém que tinha uma visão ampla do mundo, que não se confinava à academia, mas que abraçava com entusiasmo a relação entre conhecimento e sociedade, ciência e arte."
Rui Moreira, Presidente da Câmara do Porto, anunciou também a proposta de nomear uma artéria no Porto com o nome de Maria de Sousa, pelo seu " inestimável contributo prestado à ciência", reconhecendo o seu enorme contributo "à inclusão da cidade do Porto entre os circuitos internacionais de investigação mais prestigiados e conceituados do mundo".
Rui Rio também homenageou a cientista num tweet
A Cientista é também reconhecida pelo Instituto de Medicina Molecular, que nas palavras de Maria do Carmo Fonseca, presidente do IMM, a recorda como "Acutilante e sensível, quanto mais a ia conhecendo, maior a minha admiração e respeito pelo seu legado ao país e à humanidade!"
Henrique Cyrne Carvalho, diretor do ICBAS , descreve a partida de Maria de Sousa como "uma das piores notícias que poderíamos ter nestes dias tão conturbados pela epidemia. O ICBAS perde uma das suas melhores, um dos padrões de excelência científica e humanista que caracterizaram a nossa história".
Sendo seu médico, bem como amigo pessoal, Cyrne de Carvalho recorda "Falámos por telefone diariamente desde o seu internamento até à sua transferência para a UCI. Apesar da sua óbvia apreensão, mantinha a postura de guerreira destemida, a mesma com que viveu toda a sua vida", realça o diretor do ICBAS. Também por isso, "a vida da Professora Maria de Sousa não terminou! Prolonga-se para o presente e projeta-se para o futuro através de todos os seus discípulos e de todo o seu conhecimento".