Maria de Belém Roseira. "As mulheres estavam sempre a ser mais escrutinadas no governo"

A antiga ministra da Saúde e da Igualdade diz que ainda há um modelo masculino na política, mas acredita que Costa irá reforçar a presença de mulheres no executivo. E lembra a agenda da Igualdade da UE.
Publicado a
Atualizado a

Foi pioneira na Lei das Quotas, que importância teve para equilibrar a presença de homens e mulheres na política?

O PS já tinha apresentado uma proposta de lei, pela mão do então secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, hoje primeiro-ministro, António Costa, para 25% de representação de mulheres nas listas. Mas considerou-se que isso não alteraria, em termos conceptuais, a situação e que era pelo menos indispensável a presença de um terço de mulheres para que houvesse alguma mudança. Quando ocupei a pasta da Igualdade trabalhei com a professora Manuela Silva no sentido de apresentar uma proposta de lei que precisamente previa a existência de um terço das mulheres em todas as listas para garantir uma representação que significasse uma alteração real, uma participação com impacto transformador. Essa proposta acabou por não ser aprovada e, mais tarde, eu voltei a apresentá-la já como deputada, em 2006. Nessa altura foi primeira vetada pelo então Presidente da República, Cavaco Silva, e depois de corrigida e confirmada pelos deputados em votação maioritária e acabou por entrar em vigor.

Essa lei permitiu essa mudança transformadora?

Foi importante porque permitiu que começassem a entrar mais mulheres nas listas, mas teve também um papel importante porque sabemos que durante muito tempo as mulheres foram excluídas da participação na agenda pública e mudar isso implicava adaptação das próprias exigências dessa própria agenda. E ao entrarem mais mulheres para a política levou a que tenhamos hoje muitas mais bem preparadas. Além das competências nas suas áreas de especialização ficaram muito competentes para a tomada de decisão na política.

Sentiu enquanto membro do governo preconceito por ser mulher ou pela escolha de mulheres para cargos ministeriais?

As mulheres estavam sempre a ser mais escrutinadas no governo. E se havia qualquer falha, e há sempre em qualquer atividade humana, já sabemos que de uma maneira, direta ou subliminarmente, há sempre aquele estigma que as mulheres são menos capazes. É evidente que isso a mim não me incomodou nada. Tinha trabalhado naquelas áreas durante dezenas de anos e, portanto, ia muito mais preparada que alguns homens que tinham ocupado aquelas pastas.

Mas vê uma evolução grande no acesso das mulheres a mais cargos políticos?

Sim, até por causa da nossa integração na União Europeia. A agenda da Igualdade é muito forte, politicamente muito relevante. Se estamos na esfera pública e da política a tomar decisões que afetam o conjunto da população sabemos que nesse conjunto de população as mulheres são maioritárias. Atender às suas preocupações especificas, à definição de políticas que tenham em atenção a sua especificidade e o que permitam o abandono do modelo masculino em tudo é um aperfeiçoamento democrático. Isso é hoje uma exigência da União Europeia, aliás verifica-se que os países nórdicos são os mais desenvolvidos e são aqueles que já culturalmente têm com toda a naturalidade uma agenda da igualdade. Lá o problema não é se há mais mulheres, o problema é se não há mulheres. Aqui o paradigma masculino ainda existe em tudo, mas vai-se alterando. Por exemplo, no horário das escolas, as mulheres hoje em dia trabalham e se esses horários não forem compatíveis com o horário laboral é evidente que as famílias ficam prejudicadas e se alguém dentro da família tem de se sacrificar, quem é? Por muita partilha de tarefas e de responsabilidades, normalmente são as mulheres. Se eu tenho ainda hoje desigualdade salarial ela assenta não tanto na normalidade de prestação de trabalho mas sobretudo na capacidade de fazer horas extraordinárias.

António Costa devia ainda dar um sinal de reforço das mulheres no novo Executivo?

Acho que sim, estou absolutamente convencida que tentará fazê-lo, só se não conseguir. É frequente as mulheres dizerem que não quando são convidadas para determinadas tarefas.

Dizem que não pelos constrangimentos da vida pessoal?

Exatamente e porque as mulheres estão sob escrutínio, porque se houver alguma falha a incompetência aparece, se for um homem é uma conjugação de circunstâncias, coitados foram vítimas (riso). Culturalmente esse estigma vai demorar muito temo a passar.

paulasa@dn.pt

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt