Maria casou por conveniência, mas farta das ameaças denunciou rede criminosa

Polícia Judiciária deteve mulher que veio a Portugal ameaçar a jovem e também o "marido" e um segundo homem. PJ está atenta ao fenómeno que introduz ilegalmente imigrantes no país e já identificou cerca de 20 "noivas"
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Há cerca de três anos, Maria (nome fictício), uma jovem portuguesa, casou-se com um homem indostânico [do Indostão, região do subcontinente indiano que inclui parte da Índia e do Paquistão] num país europeu. Um casamento por conveniência pelo qual terá recebido dinheiro para que o imigrante pudesse legalizar-se no nosso país - cinco mil euros é em regra a quantia paga pelas redes criminosas, mas nem sempre é recebido na totalidade. Passado este tempo, Maria refez a sua vida: fartou-se de sofrer ameaças e ser coagida - fez queixa às autoridades.

Na passada quinta-feira, uma outra mulher - também portuguesa, mas de origem angolana - veio a Portugal com o intuito de pôr Maria "na ordem" e de a obrigar a manter os procedimentos que permitiriam ao "marido" viver em Portugal e prosseguir o processo para obter a nacionalidade.

Mas correu mal e foi detida pela Polícia Judiciária, através da Unidade Nacional de Contra-Terrorismo (UNCT). A PJ deteve-a antes que ela tivesse tempo de se encontrar com Maria.

Além dessa mulher, foram também detidos dois homens de origem indostânica - o "marido" de Maria e outro. Todos eles suspeitos de ligação a "uma estrutura criminosa internacional, especializada em recrutar mulheres para casamentos de conveniência", mantidas sob coação até à legalização definitiva dos imigrantes.

Os detidos, com idades compreendidas entre os 28 e 30 anos, são suspeitos da prática de crimes de associação criminosa, auxílio à imigração ilegal, de casamentos por conveniência, falsificação de documentos, ameaças e coação, sequestro e extorsão - atividades que lhes permitem obter elevados lucros financeiros.

Os três suspeitos ficaram em prisão preventiva, no âmbito do inquérito que decorre no DIAP de Sintra.

Como funciona o esquema

Esta rede internacional recruta mulheres em Portugal que leva para casarem com imigrantes em países da Europa, como a Bélgica e a Irlanda. São sobretudo indivíduos da Índia, do Paquistão e do Bangladesh. As jovens abordadas estão vulneráveis economicamente e, "como só lhes prometem facilidades", embarcam no esquema. O pior é quando começam a ser vítimas de violência, sequestros e ameaças.

O esquema é simples: depois de recrutadas, as mulheres, na casa dos 30 anos, são levadas ao país onde o casamento se irá realizar. Pagam-lhes as passagens e prometem-lhes o pagamento de cerca de cinco mil euros, embora, conforme fonte da PJ diz ao DN, nem sempre a quantia seja paga na totalidade. "Não lhes pagando tudo, é uma forma de as manter reféns."

Estes casamentos não são consumados, mas são transcritos para as conservatórias e passam a ser legais. Depois de casados, cada um faz a sua vida. Mas as noivas são obrigadas a fazer prova de que vivem com aqueles homens, tendo que obter nomeadamente declarações "de cama e mesa" nas juntas de freguesia para que os "maridos" obtenham a autorização de residência atribuída pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF). E isso acontece até que passem cinco anos para eles iniciarem o processo de obtenção de nacionalidade portuguesa.

Mas o que acontece é que muitas destas mulheres refazem a sua vida, passam a viver com outras pessoas, têm filhos. E sobretudo cansam-se das ameaças que sofrem das redes, ameaças dirigidas a elas e às suas famílias. Muitas vezes, chegam mesmo a ser sequestradas.

A Polícia Judiciária está atenta a este fenómeno, que "está a difundir-se cada vez mais", e já identificou cerca de 20 mulheres que embarcaram nos casamentos de conveniência.

Muitas tomam consciência do ato que praticaram, mas ainda assim terão que responder pelo crime. "Estas mulheres são sobretudo vítimas e vítimas também de crimes contra a sua integridade física", refere fonte da PJ.

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