"Vejo-me num lugar similar ao de Rui Costa e gostava que fosse no Sporting"

Entrevista ao antigo futebolista Marco Caneira
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Marco Caneira, antigo futebolista do Sporting e do Benfica com passagens por Espanha, França e Inglaterra, fala do que foi a sua carreira e explica ao DN os seus objetivos para o futuro, que gostava que fosse ligado ao futebol e ao Sporting. De passagem avalia Bruno de Carvalho, de quem foi apoiante nas últimas eleições.

Deixou de uma forma discreta o futebol ao mais alto nível após quatro anos na Hungria. O que faz agora?

Acabei, e muito bem, onde fui acolhido nos últimos quatro anos, no Videoton, onde conheci pessoas fantásticas. Terminei de forma discreta, mas já estava previsto e voltei para casa. Estou muito ligado aos leitões com o meu restaurante, o Tia Alice, e enveredei por outros negócios que têm a ver com a energia, a parte dos combustíveis, onde tenho empresas de distribuição e de imobiliário, em que adquiro postos de combustíveis. E vou-me dedicando à família.

E ainda dá uma perninha no Negrais?

Vou jogando no clube da minha terra, nos distritais. Tem um impacto diferente porque estamos a construir infraestruturas. Vou ter uma academia de futebol com um grande enfoque na parte social em que eu e a minha esposa estamos empenhados. Iremos fazer um acordo com a Cercitop para podermos ter o desporto adaptado. Será uma escola diferente de todas as que já existem.

Como é que colegas e adversários encaram ter ao lado um ex-internacional português?

Encaram bem, eu também sou um felizardo. Há um carinho grande e é sempre importante e saudável com a experiência que tenho, profissional e social, porque tenho colegas com 19, 20 anos. Tento ajudá-los no futebol e na disciplina que devem ter nas suas vidas. Sou uma espécie de professor.

Os adversários pedem-lhe selfies?

[risos] Sim, muitas.

Passou por Inter de Milão, Valência, Bordéus, além de Sporting e Benfica. Que balanço faz?

Não podia pedir melhor, desde o começo da minha carreira no Sporting, onde fui formado. Tenho orgulho em dizer que o Sporting não forma só atletas profissionais das quatro linhas, mas também pessoas com capacidade para aquilo que é a sua vida para lá do desporto. Fui um privilegiado, não podia pedir melhor. Sempre fui um profissional com noção das minhas capacidades, sempre trabalhei para estar acima das minhas capacidades e a carreira fez-se muito por aí... pelo suor, pela dedicação, não tendo aquela qualidade técnica necessária para superar outros objetivos. Mas o coração e a cabeça sempre foram os meus pontos mais fortes.

Faltaram-lhe títulos de campeão.

Só fui campeão na Hungria. Há talvez essa lacuna, mas vai ao encontro do que disse. Se calhar estive a um nível muito alto mas não o suficiente para conquistar todos esses títulos que estão em falta. Mas orgulho-me muito do meu percurso, representei Portugal 27 vezes e estive em dois Mundiais.

Consegue identificar o momento mais alto e o momento mais baixo?

O mais alto foi aquele golo ao Inter de Milão pelo Sporting [triunfo por 1-0 para Liga dos Campeões, 2006-07], sem esquecer os Mundiais. Houve um momento negativo, com o falecimento de uma filha, e houve ali uma quebra mental que se refletiu nos anos que se seguiram.

Arrepende-se de alguma opção, como por exemplo quando deixou, em litígio, o Sporting no início de carreira?

Não. Hoje o futebol e o mercado são muito mais exigentes e têm surgido essas situações. Nessa altura não havia rescisões faltando um ano de contrato. Mas não me arrependo, o comboio normalmente só passa uma vez.

Representou o Benfica numa época. Quando o Inter o emprestou, o Sporting não mostrou interesse?

Tinha assinado por quatro anos com o Inter de Milão. No primeiro ano estive emprestado à Reggina e depois houve a possibilidade do Benfica e acabei por assinar no último dia de mercado. Fui o único atleta do Benfica convocado para o Mundial 2002 e as pessoas ainda hoje recordam isso. Depois não houve seguimento porque apanhei um Benfica em fase de transição e não chegámos a um entendimento.

É verdade que não continuou no Benfica porque se recusou a deixar o seu empresário, Paulo Barbosa?

Posso dizer em primeira mão que isso é verdade. Estivemos num hotel em Lisboa em que me apresentei sozinho e onde estava o presidente Manuel Vilarinho e alguém que hoje é comentador e que na altura estava ligado ao empresário José Veiga, que me disse que eu ficava no Benfica se assinasse por José Veiga. Eu, com a minha postura digna pela relação que tinha e mantenho com o Dr. Paulo Barbosa, acabei por sair.

Consegue explicar como é que jogadores formados no Sporting, como Simão, João Moutinho e Ricardo Quaresma, hoje dizem-se adeptos dos rivais?

Isso tem a ver com a própria pessoa. As crianças quando são crianças são livres de escolher o clube de coração. Posso falar por mim e não por eles. A formação do Sporting é uma das melhores do mundo. O Benfica tem crescido bastante, o FC Porto não tanto, mas o reflexo daquilo que é o Benfica hoje na formação tem muito a ver com know-how do Sporting - foi aprendendo com as coisas boas que se foram fazendo em Alvalade.

Que treinador mais o marcou?

Com todos aprendi bastante. Se calhar os mais importantes até foram os da formação porque foram aqueles que me fizeram crescer, como o senhor Osvaldo Silva. Posso dizer que foi o que me marcou porque foi o primeiro a ajudar-me a fazer um percurso magnífico.

E entre jogadores? Teve como colegas Aimar, Pauleta, Simão, Juan Mata, Kluivert, David Villa, além daqueles com quem privou na seleção...

Não me vou restringir a colegas. Em Itália defrontei grandes nomes que nunca tinha pensado enfrentar, como Roberto Baggio, Batistuta ou Maldini.

E o avançado em Itália que lhe deu mais trabalho?

Totti, Inzaghi... nessa altura Itália acolhia todos os avançados de renome europeu.

Durante a carreira qual foi a proposta mais aliciante que recusou?

Uma de Inglaterra quando estava em Espanha. O futebol inglês na altura não me despertou [risos].

Encontrar um futebolista que recuse o futebol inglês é difícil...

Quando fui para Espanha aquele era o melhor campeonato do mundo. Inglaterra tem capacidade para ter os melhores atletas do mundo, mas em Espanha o futebol tem mais qualidade.

O que alegou para rejeitar?

Disse que não estava interessado. Era até um clube com alguma capacidade. Não lutava por títulos, mas tinha história.

Qual era o clube?

Prefiro não dizer.

Esteve em dois Mundiais. Jogou na geração errada, tendo em conta que hoje somos campeões europeus?

Joguei na geração certa. Fiz o meu percurso nas seleções jovens, fui campeão europeu sub-16 e orgulho-me de ser o jogador com mais internacionalizações até aos sub-21. Foram 102. A seleção é o filtro dos melhores atletas e eu orgulhome de ter estado com grandes jogadores.

Portugal esteve perto da glória...

Muito perto nas meias-finais contra a França em Munique (2006).

Pensavam ser campeões mundiais?

Pensávamos, mas tínhamos a noção de que a França seria difícil. Nos 90 minutos percebemos que não era tão difícil como esperávamos, mas o golo do Henry deitou o nosso sonho por terra.

Jogou muitos anos a central. Não acha que a seleção principal está com um problema grave nessa posição?

Esse problema somos nós, de base na formação, que temos de resolver. Penso que os responsáveis da formação nos clubes e na federação estarão a antecipar os problemas dos próximos anos em certas e determinadas posições.

Vê Portugal a ganhar a Taça das Confederações?

Vejo. Portugal é um sério candidato até ao Mundial 2018. Fernando Santos colocou a fasquia alta com uma humildade que o caracteriza, mas também com responsabilidade. Já somos a melhor da seleção da Europa e temos condições para ser campeões mundiais.

Foi internacional, representou dois grandes, jogou em Espanha, Itália e França. Não sente que o futebol podia estar a aproveitá-lo melhor?

Isso tem a ver também com os meus ideais. Tenho amigos nos países e nos clubes onde joguei e mês a mês estou em Bordéus e em Valência. Treinador foi algo que nunca senti. Mas tudo tem a ver com o que está para lá das quatro linhas, com o know-how que assimilei dos clubes onde passei. Penso que sim... mas as coisas acabam por chegar. Há pouco falámos daquela situação que impediu que eu ficasse no Benfica e as coisas acabam por se saber. Se tiverem de acontecer, acontecem. Esse momento vai acabar por chegar.

Está a ver-se como diretor desportivo? Administrador? Empresário?

Empresário nem tanto, a parte administrativa é algo de que gosto bastante, inclusivamente fiz um MBA em Desporto e Liderança.

Tendo em conta a sua experiência, vê-se a ser o Rui Costa do Sporting?

O Rui Costa é uma pessoa com quem tive o privilégio de estar ao lado. É alguém que tem transmitido experiência, dizem-no os atletas do Benfica. É importante ter alguém como Rui Costa num balneário. Alguém que sabe o que é o futebol português e com a experiência que teve lá fora. Vejo-me num lugar similar ao do RuiCosta.

E gostava que fosse no Sporting?

Gostava que fosse no Sporting, mas o futebol é universal e como tenho amigos em toda a parte do mundo, não lhe sei dizer se será no Sporting.

Aceitava o convite para um cargo com essas características por um clube português que não o Sporting?

Em Portugal há grandes instituições. Sou e serei sempre sportinguista, mas salvaguardo a questão profissional. Teria outra satisfação se juntasse a parte profissional ao clube pelo qual tenho carinho.

O seu nome constou da comissão de honra de Bruno de Carvalho. Como avalia o trabalho do presidente do Sporting?

Iniciou funções de uma forma positiva, porque o Sporting precisava de alguém com o seu perfil. As indicações que tenho, também por experiência própria, é que houve questões financeiras do passado que ele reduziu e resolveu, situações importantes. Entrou muito bem... mas todos os presidentes - seja Bruno de Carvalho, Luís Filipe Vieira ou Pinto da Costa - têm de perceber que quando a bola não entra é muito complicado.

Então concorda com a ideia do presidente de ponderar a continuidade se não for campeão na próxima época?

Apoiei tudo aquilo que ele já conseguiu, como a redução do passivo, as boas vendas que fez e a gestão dos ativos, mas um presidente tem de ganhar.

Qual é a sua opinião?

É que ele terá de repensar.

Também acha que a próxima época é de tolerância zero para treinador e presidente? Ou seja, é ganhar ou ganhar?

Num clube como o Sporting é sempre ganhar ou ganhar. Os sportinguistas depois é que têm de tirar ilações do desempenho do clube, dos atletas, do presidente e do treinador.

Põe a hipótese de um dia ser candidato à presidência do Sporting?

[silêncio] Está a falar-me de uma questão com algum peso institucional. O que eu posso dizer é que estou atento ao dia-a-dia do Sporting. Gosto do clube, mas quero sempre mais. Vou aos jogos, estou na bancada e como sócio quero sempre mais. Essa é uma pergunta que neste momento não posso responder.

Mas não afasta liminarmente?

Não afasto a possibilidade de poder pertencer a um projeto, para mais no meu clube, onde me formei, para pôr à disposição a experiência que adquiri.

Tem havido muitas polémicas no Sporting. Podíamos falar da demissão de Vicente Moura e de outras coisas que têm perturbado o dia-a-dia do Sporting...

São os sportinguistas que têm de avaliar. Para mim é mais uma. O Sporting não tem necessidade destas polémicas.

Há demasiadas no Sporting?

Acho que são demasiadas. Não devemos fragilizar a instituição Sporting. As coisas podem nem ser o que realmente se passa. Mas os media dão relevo, ainda mais em clubes como o Sporting, em que as coisas não estão bem. Temos de antecipar. Os dirigentes do Sporting deviam antecipar estas situações. Quando falo em antecipação é recatarem-se.

Foi jogador de Luís Filipe Vieira no Alverca e apoiou Bruno de Carvalho. Que diferenças vê entre os dois?

A diferença tem a ver com a experiência e os anos acumulados na liderança de uma grande instituição. E depois há aquela enorme diferença e que passa por a bola entrar... ou não. No ano passado, eu disse que Bruno de Carvalho fez mais num ano do que Luís Filipe Vieira em três. Fez mais naquilo que foi a limpeza que o Sporting precisava. Luís Filipe Vieira demorou um bocadinho, mas acabou por rodear-se de pessoas com capacidade. E depois o clube começou a ganhar e essa é a principal diferença no futebol.

Falta a Bruno de Carvalho rodear-se de pessoas com capacidade? É isso?

Ele tem pessoas com capacidade a seu lado, mas o Sporting, ou melhor, Bruno de Carvalho tem de fazer uma avaliação de tudo o que se passou até agora e tentar melhorar a estrutura. Não digo que a estrutura do Sporting seja frágil, mas tem de ser composta, cada vez mais, por pessoas com experiência daquilo que é o dia-a-dia.

Parece caber nesse perfil...

Quem sabe, quem sabe...

Já o desafiaram a juntar à mesma mesa Bruno de Carvalho e Luís Filipe Vieira.

[silêncio] Não.

E gostava de apadrinhar essa trégua?

É inconcebível que no século XXI, com Portugal campeão da Europa, não consigamos juntar os presidentes dos três grandes para uma conversa normal sobre o negócio.

Está disposto a dar esse passo?

Era abusivo da minha parte, não tenho legitimidade para dar esse passo.

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