Marcelo só fala da PGR no final do mandato

Presidente quis, em nota oficial publicada no site da Presidência, lembrar que esta também tem sido "sempre a posição do governo".
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Um dia após a polémica entrevista da ministra da Justiça, Francisca Van Dunem à TSF, em que defendeu que o mandato único da procuradora-geral da República, Marcelo Rebelo de Sousa marcou a sua posição no site oficial da Presidência sobre o timing que considera apropriado falar sobre o assunto.

"Relativamente a poderes constitucionais de designação de titulares de órgãos do Estado, que, na sua quase totalidade, depende de prévia proposta do Governo, o Presidente da República apenas se debruça sobre a matéria no momento em que deve ocorrer tal designação" , refere o Presidente da República. Marcelo Rebelo de Sousa acrescenta que a sua posição "tem sido, aliás, sempre a do governo".

O Presidente da República sublinha, por isso, que só se pronuncia sobre a nomeação de titulares de órgãos do Estado sob proposta do Governo, como é o caso da Procuradoria-Geral da República, no momento da designação.

Esta nota surge num momento de debate sobre a recondução ou não da atual procuradora-geral da República, Joana Marques Vidal, e a leitura do texto da Constituição quanto à admissão ou não de uma renovação do seu mandato.

A Constituição da República Portuguesa estabelece "que o mandato do procurador-geral da República tem a duração de seis anos" e que compete ao Presidente da República "nomear e exonerar, sob proposta do Governo", o titular deste cargo.

Francisca Van Dunem disse sobre o mandato da PGR: "Na perspetiva de análise jurídica que faço, há um mandato longo e um mandato único". E o primeiro-ministro, António Costa, questionado pelo PSD no debate quinzenal sobre esta resposta da ministra, ficou à defesa: é ao Presidente que compete "nomear e exonerar, sob proposta do Governo, o presidente do Tribunal de Contas e o procurador-geral da República".

Costa acrescentou ainda: "O calendário impõe que essa decisão tenha de ser tomada em outubro e, como é próprio da Constituição, decorre de um diálogo entre Governo e Presidente da República. Nunca direi nada em público sobre o futuro do Ministério Público, sobre o futuro da atual procuradora-geral da República, sem que fale primeiro com o Presidente da República", atirou o primeiro-ministro.

Contactada ainda ontem pelo DN, fonte de Belém afirmava apenas que o PR não comentava entrevistas de governantes.

Como se previa, o PSD não se deu por satisfeito com as respostas do primeiro-ministro no debate quinzenal: Hugo Soares recuperou o acordo entre sociais-democratas e socialistas para a revisão constitucional de 1997. António Costa era o líder parlamentar do PS, recordou o atual líder da bancada do PSD, e os dois partidos acertaram que o mandato do PGR seria de seis anos "sem limitação de renovações", como leu Hugo Soares. Já os mandatos dos juízes do Tribunal Constitucional estão definidos como sendo de "nove anos", "não renováveis". "Não há limitação de mandatos para nenhum órgão que não esteja expressamente previsto na lei", argumentou.

Hugo Soares defendeu que a ministra não tem direito a opiniões pessoais no exercício de funções e que vê todo o caso como uma tentativa do Governo de "condicionar" a chefe do Ministério Público (MP).

Entretanto, vários constitucionalistas vieram contrariar a visão da ministra da Justiça, nomeadamente o "pai" da Constituição portuguesa: "Constitucionalmente não há nenhum impedimento à renovação do mandato do procurador-geral da República (PGR). Trata-se apenas de uma decisão política", disse ao DN constitucionalista Jorge Miranda, professor catedrático jubilado da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa.

De acordo com o artigo 220.º da Constituição da República Portuguesa, "o mandato do procurador-geral da República tem a duração se seis anos, sem prejuízo da alínea m) do artigo 133.º". Esta alínea diz apenas que "compete ao Presidente da República nomear e exonerar, sob proposta do governo, o presidente do Tribunal de Contas e o procurador-geral da República". A limitação do tempo de mandato foi inscrita em 1997.

Jorge Miranda salienta que "os casos em que é proibida a renovação dos mandatos são claramente expressos, como acontece em relação ao 3.º mandato do Presidente da República ou dos juízes do Tribunal Constitucional (duração "não renovável" de nove anos)".

CDS desafia Governo a assumir que não quer reconduzir PGR

A presidente do CDS-PP, Assunção Cristas, defendeu hoje uma renovação do mandato da procuradora-geral da República, desafiando o Governo a assumir politicamente a intenção de não reconduzir Joana Marques Vidal sem se escudar numa "justificação jurídica".

"Se não é essa a intenção do Governo, está no seu direito e tem legitimidade para o fazer. Não me parece é que faça bem procurar aqui uma qualquer justificação jurídica que não existe. Se o Governo não quer reconduzir que diga que, politicamente, que não tem essa intenção por razões que há de certamente vir a explicar", afirmou Assunção Cristas aos jornalistas. A líder centrista enalteceu o mandato de Joana Marques Vidal, defendendo a sua continuação à frente da Procuradoria-Geral da República e considerando "muito claro" que tal é possível juridicamente.

Caso não seja "intenção do Governo" a recondução de Joana Marques Vidal, deverá ser escolhido alguém com o mesmo perfil de isenção, acrescentou.

"Obviamente que a dez meses do final do mandato vir, de uma forma desastrosa, pouco cuidada, ligeira, tratar de um assunto tão deliciado, mais uma vez mostra a inabilidade do Governo em tratar com rigor, com seriedade, com cautela, as questões de soberania", defendeu.

Bloco diz que é "não assunto!

A coordenadora do BE recusou hoje comentar as declarações da ministra da Justiça sobre a renovação do mandato da procuradora-geral da República, por considerar o tema "um não assunto" trazido a debate porque o PSD está em campanha interna.

"Compreendo que os partidos levem para o debate o que querem e compreendo que o PSD, que está em campanha interna, eventualmente tenha dificuldades em falar do país e tenha decidido criar um caso", afirmou Catarina Martins aos jornalistas, no final de uma sessão em que falou sobre igualdade de género a alunos do 12.º ano da Escola Secundária Augusto César da Silva Ferreira, em Rio Maior (distrito de Santarém).

"Este é um não assunto em que se têm encontrado várias variações para não falar do mesmo não assunto", afirmou, sublinhando que não cabe ao Bloco de Esquerda "comentar os casos que a direita quer criar".

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