Marcelo nega influência em tratamento milionário no Santa Maria

Neuropediatras enviaram carta à administração do hospital em funções em 2020 e o processo vai seguir os trâmites internos para apurar base da suspeita.
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O Presidente da República negou ste sábado ter tido qualquer tipo de influência ou interferido no caso de duas gémeas luso-brasileiras que receberam um tratamento de quatro milhões de euros no Hospital de Santa Maria, em Lisboa, tal como foi apontado, na passada sexta-feira, no programa Exclusivo, no Jornal Nacional da TVI.

"O que está ali em causa é: o Presidente da República interferiu ou não? Eu ontem disse que não tinha feito isso. Se tivesse feito, eu tinha dito. Não, não fiz. Não falei ao primeiro-ministro, não falei à ministra, não falei ao secretário de Estado, não falei ao diretor-geral, não falei ao presidente do hospital nem ao conselho de administração, não falei", garantiu Marcelo Rebelo de Sousa em declarações aos jornalistas.

A reportagem da TVI adiantou que o Hospital de Santa Maria iniciou uma auditoria para que ficasse esclarecido como é que duas gémeas que moram no Brasil receberam, em junho de 2020, um tratamento para atrofia muscular espinal - a condição das duas crianças - no valor total de quatro milhões de euros. O medicamento, que é tomado numa única dose, chama-se Zolgensma e tem um custo, em cada toma, de dois milhões de euros.

Para terem acesso ao medicamento, além de ter implicado uma viagem do Brasil para Portugal, terá havido, de acordo com as declarações da mãe das gémeas durante a reportagem da TVI, Daniela Martins, recurso a "contactos" que terão passado pela "nora do Presidente" Marcelo Rebelo de Sousa, que vive em São Paulo, e que ainda implicou o "ministro da Saúde" da altura e um e-mail enviado para o hospital que vinha com "ordens superiores". Na altura, a titular da pasta da Saúde era Marta Temido, que na reportagem da TVI negou qualquer conhecimento do caso, além de uma referência breve às gémeas, julgando até que "não tinham chegado a fazer o medicamento". Ao DN, a ex-governante confirmou que pensa ter sabido do caso de crianças que necessitavam do tratamento, "mas nada muito específico". "Como havia vários bebés em tratamento, poderia não ser este caso específico", disse Marta Temido. "Depois da reportagem, nós fazemos um esforço maior de memória do que fazemos numa conversa telefónica, e eu fiz esse esforço e não sei se não tinha a ver com a questão da campanha da angariação de fundos que estava a ser promovida, porque houve também na altura várias referências a essas campanhas", acrescentou a ex-ministra da Saúde.

Na reportagem, também a atual presidente do Centro Hospitalar Lisboa Norte, Ana Paula Martins, referiu que "se fala nisso", recuperando a ideia de que houve uma interferência superior para que as gémeas recebessem o medicamento milionário, ainda que não houvesse provas documentais. Ao DN, fonte do Centro Hospitalar Lisboa Norte confirmou que, na sexta-feira, "os neuropediatras dizem ter enviado uma carta ao conselho de administração anterior, que, como a presidente atual explicou, não está no arquivo do conselho de administração". Portanto, "o caso vai seguir os seus trâmites internos", concluiu a fonte.

Apesar de garantir que não vai processar os jornalistas que fizeram a reportagem, Marcelo admitiu recorrer à justiça se "aparecer alguém" a insistir que "o Presidente falou" com alguém do hospital para que o tratamento avançasse. "Aí, não terei outro remédio, não contra a comunicação social, que não é responsável por isso, senão eventualmente ir a tribunal para comparar a minha verdade com a verdade dessa pessoa. Se isso acontecer. Por uma razão muito simples. É a defesa da honra do Presidente da República, não pode estar sujeita a uma suspeição", concluiu.

"O que é interessante sobre esse ponto de vista, é que parece que a política de casos e casinhos começa a atingir o Presidente da República", disse ao DN o professor de Ciência Política no ISCTE - Instituto Universitário de Lisboa António Costa Pinto. "Ou seja, as dimensões clássicas que atingem a elite política, com denúncias da imprensa, eventualmente de favorecimento, de conflito de interesses, que muitas vezes atingem ministros, independentemente de isso coincidir com a realidade ou não, aparentemente começam a atingir agora o Presidente da República", acrescenta o politólogo.

Sem mais informações sobre este caso em concreto, o Presidente da República tem estado sob escrutínio mediático em vários momentos. "Marcelo Rebelo de Sousa sempre teve uma relação muito liberal e aberta com os órgãos de comunicação social", analisa o politólogo, acrescentando que "poderá eventualmente sentir o reverso da medalha com este caso, por exemplo".

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