Mara Timon: "De todos os lugares que podia escolher para o meu livro Lisboa era o melhor"
Cidade de Espiões é a mais recente narrativa de espionagem que tem Lisboa como cenário. A autora, Mara Timon, nasceu nos EUA mas vive em Londres há duas décadas, desconhecia a História dos anos 1940 portuguesa e o que se passou no país nessa época de guerra mundial, no entanto ao descobrir imediatamente identificou a capital como o melhor cenário para o seu romance de estreia. A grande diferença que surge de imediato em relação a outras narrativas que usam Lisboa é o facto de a protagonista ser uma mulher, uma espia francesa perseguida pela Gestapo e que sob um disfarce se infiltra numa célula de espiões alemães que opera em Portugal.
O subtítulo do livro é claro: "Na Lisboa de 1943, ninguém é o que parece. E ninguém é quem diz ser." Um terreno próprio para captar o ambiente de uma alegada neutralidade nacional perante os países que participam no conflito, em que Salazar se torna uma quase personagem e Lisboa uma personagem total, retratando a cidade com detalhes como os que já inspiraram várias obras, Afirma Pereira de Antonio Tabucchi, O Último Comboio para Lisboa de Pascal Mercier ou Estoril - Um Romance de Guerra de Dejan Tiago-Stankovich, e serviram de referência a autores como Ian Fleming e Graham Greene, entre muitos exemplos.
Mara Timon criou uma agente que pertence ao famoso Executivo de Operações Especiais (Special Operations Executive), a organização que Winston Churchill tornou lendária devido ao combate ao avanço nazi e cujas fileiras integraram várias dezenas de mulheres. A reação a Cidade de Espiões tem sido boa e entre as razões está o quase desconhecimento dessa particularidade dos elementos femininos na contraespionagem. Nas suas palavras, o sucesso do livro deve-se também "em muito ao papel que Portugal teve na II Guerra Mundial e que deixou os leitores intrigados". Acrescenta: "Se muitos leitores portugueses conheciam a história, para os da Inglaterra e dos Estados Unidos esta era mais desconhecida e ficaram surpreendidos com o que se passava em Lisboa nessa altura."
A explicação para o nascimento desta aventura literária faz parte do acaso: "Tudo começou com um amigo que me sugeriu a investigação sobre o envolvimento português e a minha reação foi "o que terá acontecido lá?" Então, fui investigar e ficando cada vez mais entusiasmada com as histórias que lia e imaginava logo no enredo do livro." A tradução portuguesa já chegou às livrarias e Mara Timon acredita que não passará despercebida.
O seu livro Cidade de Espiões foi considerado um dos cinco melhores livros sobre o Executivo de Operações Especiais. O que o torna diferente?
Fiquei muito surpreendida por ter ficado no Top 5 deste grupo. Quanto ao que o faz diferente é o facto de descrever o papel das mulheres nas Operações Especiais, como o de estarem atrás das linhas inimigas pela primeira vez e terem responsabilidades iguais às dos homens. Eram as primeiras a saltar de paraquedas e muito corajosas, daí que eu quisesse destacar o seu papel neste livro. Não podia ficar mais feliz quando isso foi reconhecido mal o livro foi publicado.
É o seu primeiro livro. Como foi montar uma história destas sem experiência?
Sempre tive interesse na II Guerra Mundial e via imensos programas com o meu pai. Uma vez, estava a ver um deles na BBC e fiquei logo a pensar: e se eu tivesse um personagem assim? Sempre quis escrever um livro, mas nunca tinha surgido a oportunidade, o entanto nesse momento ele começou a aparecer-me e durante os quinze meses seguintes fiz a primeira versão. O meu interesse era o prazer da escrita e a aprendizagem também, o que me levou aos Arquivos Nacionais e a outras instituições para me informar sobre o que desconhecia. Como se salta de um avião, por exemplo.
Citaçãocitacao"Se muitos leitores portugueses conheciam a história, para os da Inglaterra e dos Estados Unidos esta era mais desconhecida e ficaram surpreendidos com o que se passava em Lisboa nessa altura."
É uma versão da história de 39 mulheres que foram destacadas para a França ocupada e das quais só um terço sobrevive?
Sim, as 13 que não regressam foram quase todas capturadas e enviadas para campos de concentração.
Sendo uma estreia, escolhe a II Guerra Mundial e Lisboa. Era a melhor combinação?
Creio que sim, porque existem muitos livros sobre esta temática, mas a maioria passa-se na Alemanha ou em Inglaterra. Eu gostei de Lisboa porque seria um lugar inesperado e essa situação facilitou-me a escrita. Quando me falaram sobre Lisboa e o que lá se tinha passado, fiquei com a certeza de que era o melhor local para situar a minha história. De todos os lugares que podia escolher para o meu livro Lisboa era o melhor.
Visitou Lisboa para se informar?
Sim, fui várias vezes a Lisboa. Queria sentir o ambiente e perceber a cidade para a poder transformar numa parte importante da narrativa. Poderá existir um ou outro erro nas minhas descrições, mas fiz tudo o que foi possível para não falhar.
Tal como Lisboa, também o presidente do Conselho se transformou numa figura presente no livro. Era impossível escapar-lhe?
Eu sabia que Salazar seria uma personagem complexa para retratar, quanto mais não seja pelo que conhecia dele. Creio que terá tentado evitar ao máximo que Portugal entrasse na guerra, mas tinha o problema de conceder aos alemães certas facilidades, como o fornecimento de volfrâmio e até facilitar a sua presença no país, bem como a desilusão por certas atitudes para com os Aliados.
Alguns dos personagens são reais. Eram suficientemente interessantes comparados com os que necessitava inventar?
Todos os personagens verdadeiros que me seduziram foram utilizados porque me informei bastante sobre o que eles representavam a nível histórico e tornavam-se importantes para a narrativa. No entanto, a ficção obriga-nos a inventar ou não se é capaz de escrever o que se pretende.
Como foi mudar a personalidade da protagonista, primeiro Elisabeth em França e depois Solange em Portugal?
Se formos ver bem, a personalidade dela não se altera assim tanto. Era a mesma pessoa, só que numa realidade diferente. Acho que quando se é confrontada com a Gestapo e uma grande presença alemã, é necessário criar uma outra persona, mas como não pode ficar invisível devido às exigências da sua missão, precisava de usar todos os recursos de que era capaz para ser bem sucedida.
Num dos capítulos refere que Salazar tinha uma foto de Mussolini sobre a secretária mas que os portugueses eram mais a favor dos Aliados. Na sua opinião, Portugal estava dividido?
Sim, pelo que me apercebi a maioria das pessoas era mais favorável aos Aliados, no entanto o governo fez tudo para manter esse sentimento contido.
Solange é surpreendida com a variedade de roupas com que não existia em França desde antes da guerra. Surpreendeu-a?
Não, pelo que percebi em Lisboa, devido à presença de tantos exilados, havia outras opções ao nível da roupa para quem tinha dinheiro e isso era bem diferente do que acontecia em França.
Na capa refere que "Na Lisboa de 1943, ninguém é o que parece. E ninguém é quem diz ser". Esta foi uma perceção que teve desde o início?
Sim, e cada vez que sabia mais sobre aqueles tempos compreendia que existia uma profunda falta de confiança entre as pessoas, e no caso de uma agente das Operações especiais ainda era mais difícil confiar nos outros. Aliás, ela foi treinada para desconfiar.
Há muitos volte-faces e tensão no livro. É a melhor forma de dar um murro no estômago do leitor?
Claro. Escrevi muito do livro a pensar no que eu gostaria de ler e acho que dei um murro no meu estômago ainda maior do que no do leitor, de forma a conseguir esse resultado. Se não for desta maneira, o leitor não fica agarrado ao livro.
Põe na boca da personagem o seguinte: "Sinto-me mais segura com uma PPK (pistola) na mão". Também fez a experiência?
Sim, peguei numa arma para a sentir mas nunca disparei. Foi o meu irmão que me aconselhou a fazê-lo para poder descrever com mais realidade essa sensação.
No final tem um roteiro, Uma visita à Cidade de Espiões. É resultado de uma experiência pessoal?
Tive essa ideia de fazer um roteiro para se visitar os lugares em que o livro se passa de modo que os leitores pudessem ver até que ponto o livro é verdadeiro. Estão lá todos os sítios em que a ação se passa e a sua história.
dnot@dn.pt
Mara Timon
Editorial Presença
399 páginas
Confirma-se! Após ter publicado o seu primeiro thriller em 2019, João Tordo regressa com um segundo - Águas Passadas - e fica-se com a certeza de que se está perante um escritor que domina o género e é capaz de manter os leitores inquietos pelo capítulo seguinte, não os deixando sossegar até que se chegue ao fim do livro. Já o anterior, A Noite em que o Verão Acabou, mostrava essa capacidade, que não é habitual no meio literário português, nunca o foi à exceção de raríssimos casos, sempre pontuais e numa escrita descontinuada.
A ação passa-se durante treze dias em que a chuva cai do céu em força na zona de Cascais, tendo por mestre de cerimónias uma subcomissária da PSP, Pilar Benamor, irredutível na solução de dois crimes violentos. A personagem tem uma estrutura complexa e que foge, finalmente, às que povoam outras tentativas, tanto a nível mental como emocional, e é um desafio à compreensão do leitor. A sua determinação, bem como a do autor, permite espalhar a narrativa muito bem montada por três décadas e pôr à vista a radiografia de uma possível sociedade portuguesa, em que se movem personagens credíveis e capazes de atos impensáveis. Com volte-faces inesperados e um culpado bem disfarçado até chegar o momento do ajuste de contas, que, com o leitor já esgotado, ainda há a capacidade de se espalhar a confissão por 47 páginas sem nunca esmorecer.
Num país onde se é surpreendido por tantas situações macabras, este thriller tem tudo para não ser uma fábula literária apenas, mas uma boa confirmação de até onde vão os brandos costumes portugueses. A ler urgentemente.
João Tordo
Companhia das Letras
515 páginas
O argumento de O Agente Americano é o de sempre em livros de espionagem: "A missão de Mitch Rapp é aparentemente simples: instalar-se em Paris, montar uma operação de vigilância ao ministro da Energia da Líbia e eliminar o alvo." Se esta é a intenção do homem destacado para cumprir as ordens da Agência, nada será tão fácil como previsto, sendo a partir desse falhanço que decorre o thriller que, dizem, foi adotado na própria CIA como de leitura obrigatória para os agentes da organização.
O alvo a abater é um terrorista e deve ser uma operação efetuada de forma discreta, mas o que acontecerá no momento em que Rapp faz o "trabalho" é tudo menos isso. Para limpar a confusão, seguem viagem para a capital francesa um grupo de agentes e burocratas norte-americanos que vão enfrentar inesperadas complicações no trato com as autoridades locais. Não faltam assassinos, indivíduos de má índole ou governantes corruptos, pode-se dizer que o catálogo de personagens envolve todos os géneros de maldade humana e dispostos a apagar o erro inicial da operação.
Lê-se com interesse, visita-se Paris, mas, principalmente, percebe-se que a realidade do crime escapa aos olhos dos cidadãos comuns.
Vince Flynn
Editora Lua de Papel
429 páginas
A reputação de Daniel Silva no thriller vem de longe e à custa de sucessivos êxitos mundiais. A Ordem, o seu mais recente livro traduzido para a língua portuguesa, não foge ao habitual. Para tal, recupera o seu personagem talismã, Gabriel Allon, e faz dele um verdadeiro caixeiro-viajante cheio de encomendas para entregar em pouco tempo. O protagonista percorre uma dezena de locais em pouco dias, viajando de um lado para o outro atrás de inimigos e de poderosos, que elimina meticulosamente, tentando passar de forma quase invisível por entre um disparar de balas constante e inúmera intrigas políticas e religiosas.
Tudo se passa aquando da escolha de um novo papa, para que Gabriel Allon é convocado por se suspeitar de um assassinato do anterior Santo Padre. Por trás de todo esse imbróglio está uma organização poderosa e sem escrúpulos que se estende a todo o mundo e tem meios financeiros para alterar a orientação do conclave.
O cenário da religião é, aliás, o grande dono desta narrativa. Principalmente, com o autor a querer esclarecer os leitores sobre a mácula que cai desde há dois milénios sobre os judeus, o de serem corresponsáveis pela morte de Cristo. Talvez, mais do que as páginas de suspense do resto do livro, os capítulos que dedica a este "esclarecimento" sejam as mais interessantes. Mesmo que se pressinta a parcialidade propagandística de um convertido ao judaísmo, como é o caso de Silva.
Daniel Silva
Editora HarperCollins
672 páginas