Na Alemanha ganhou a alcunha de passing machine (máquina de passes) e foi um dos jogadores fetiche na era do treinador Thomas Tuchel no Borussia de Dortmund, que o contratou ao Munique 1860 na temporada 2015-16 e que não teve problemas em lhe entregar a titularidade no meio-campo defensivo com apenas 20 anos. Atualmente, e com metade da época cumprida na liga alemã, mesmo com a concorrência de Witsel e Delaney foi primeira opção em 12 das 17 jornadas da Bundesliga e em quatro dos seis jogos da Liga dos Campeões. Embora tenha perdido influência e atuado fora da sua posição de 6 em vários jogos. E esse foi um dos aspetos que pesou na hora de eleger o Benfica..Julian Weigl, 24 anos, selou esta quinta-feira o contrato de quatro épocas e meia com o Benfica, depois de a SAD dos encarnados já ter chegado a acordo com o Borussia Dortmund numa transferência que custou 20 milhões de euros. Uma contratação algo surpreendente dado que Weigl sempre teve vários clubes de topo europeu interessados, e é um jogador com grande estatuto na poderosa liga alemã, um campeonato de onde os futebolistas de topo só saem para grandes tubarões da Europa - recentemente, o PSG, Inter Milão e o Barcelona foram associados ao médio alemão.."Fiquei surpreendido com o facto de o Benfica ter conseguido assegurar esta contratação, porque estamos a falar de um jogador não de apenas qualidade mundial, mas também porque já tem um estatuto e reconhecimento que lhe permitiria ter opções em ligas de maior visibilidade e em contextos competitivos de dificuldade maior", analisou ao DN Pedro Bouças, coautor do blogue lateral Esquerdo que vai integrar a equipa técnica de Jesualdo Ferreira no Santos, do Brasil..Pedro Bouças considera que "o médio alemão é um jogador de natureza bem diferenciada na realidade nacional". E explica porquê. "A velocidade a que percebe o jogo e a forma eficiente como dá sempre seguimento às bolas que por si passam, sem erro técnico, sem erro de decisão. Weigl, pelo que mais importa no jogo nos dias de hoje (capacidade para ver, analisar e executar com enorme qualidade), é um elemento com uma capacidade ímpar para elevar o jogo 'coletivo' do Benfica para outro tipo de patamar", realçou, acrescentado que se existe de facto um projeto europeu para o clube da Luz, "este terá sempre de passar por encontrar este tipo de jogadores - um médio determinante na boa fluidez do jogo ofensivo pela qualidade da sua tomada de decisão e a ausência de erro técnico".."Não há como ele na liga portuguesa", diz Sérgio Pinto.O Benfica já estava há alguns meses de olho em Weigl e esse interesse foi transmitido ao Dortmund por Rui Costa, administrador da SAD dos encarnados, que também convenceu o futebolista através do projeto. Mas o negócio só foi possível graças à intervenção do próprio jogador, que comunicou aos responsáveis do emblema alemão que pretendia sair e que esta era um possibilidade de o Dortmund encaixar dinheiro com a transferência pois estava a ano e meio de terminar contrato.."Confesso que me surpreendeu um pouco a ida do Weigl para o Benfica, não só pela qualidade do jogador, mas também por trocar a Bundesliga pelo campeonato português. Mas temos de olhar para o atual contexto. Ele atualmente não era titular indiscutível com o Lucien Favre (treinador do Dortmund) e não tem jogado na posição que mais gosta, que é a número 6, como trinco. Creio que isso pesou na sua escolha. Mas o Benfica também é um grande clube onde ele vai ter novamente uma posição de destaque", disse Sérgio Pinto ao DN, antigo jogador português que fez praticamente toda a sua carreira na Alemanha e atualmente é chefe do scouting do SpVgg Greuther Fürth, clube da II liga alemã..Sérgio Pinto não tem dúvidas de que Weigl chega para ser titular: "Posso afirmar isso a 100%. É um jogador inteligente, com visão de jogo e sentido posicional. Não há como ele na liga portuguesa. Sabe ler o jogo de forma quase perfeita, embora na minha opinião lhe falte alguma dinâmica. Não é um jogador para atuar em equipas que privilegiam o contra-ataque, mas sim na construção de jogo. Tem tudo para encaixar como uma luva no meio-campo do Benfica de Bruno Lage.".O ex-jogador lembra que os melhores anos de Weigl foram as duas primeiras temporadas no Dortmund sob a orientação de Thomas Tuchel, "uma equipa mais de posse onde ele tinha um papel fundamental". "Destacava-se pela sua qualidade de jogo. Não tenho dúvidas que no campeonato português e no Benfica vai fazer a diferença", indicou..Um recorde na Bundesliga.Julian Weig é um médio defensivo polivalente, que pode jogar na posição 6 (onde se sente melhor), a 8 ou mesmo a defesa-central em caso de necessidade, como foi o caso em alguns jogos nesta época no Dortmund. O alemão, de 24 anos, é ainda hoje detentor de um recorde da Bundesliga - o de jogador com mais ações com bola feitas num só jogo, façanha que conseguiu na temporada 2015-16, num jogo diante do Colónia, com 214 contactos com bola.."É um número, um valor estatístico. A minha forma de jogar é assim, com muito contacto com a bola. Gosto de me envolver nos movimentos atacantes e evitar contra ataques das equipas adversárias. Este é um recorde, mas também fico satisfeito se vencermos um jogo e tiver apenas 100 contactos com a bola", explicou..Numa entrevista a uma revista alemã, Weigl foi questionado sobre este número impressionante de contactos com a bola num só jogo, superior por exemplo ao que o seu ex-colega de equipa Pierre-Emerick Aubameyang (avançado) teve em toda a temporada 2016-17: "Isso de certa forma mostra como o contacto com a bola pode não ser assim tão importante. O Aubameyang não precisa de tanto contacto para ter sucesso. Mas reconheço que as estatísticas são um problema no balneário depois dos jogos, porque nos ajudam a fazer uma autoavaliação.".O vídeo motivacional e o 'Pai Nosso'.Julian Weigl não é propriamente um jogador supersticioso. Mas há rituais que não dispensa nos dias dos jogos. "No autocarro, a caminho do estádio onde vou jogar, assisto sempre a um pequeno vídeo com os meus melhores lances dos últimos anos. Foi feito pelo meu empresário e é algo que me faz bem, dá-me confiança. Depois tenho por hábito colocar os phones e ouvir música. O 'Lose Yourself' do Eminem, por exemplo, ou algumas músicas de hip-hop. Funciona como uma espécie de aquecimento. E quando entro em campo toco na relva e rezo sempre um 'Pai Nosso'", contou numa entrevista à revista alemã Footballmgzn..Uma das coisas que mais confusão faz ao reforço benfiquista é a questão do racismo. Seja no futebol ou fora, até porque a namorada de Weigl, Sarah Richmond, é afro-americana. "É algo que está na ordem do dia e podemos observar até através das redes sociais. Pessoalmente, posso dizer que nunca estive num jogo onde tivesse existido algum caso. E por isso não sei como iria reagir se presenciasse algum tipo de racismo. Mas sei que existe e é algo que tem de ser banido de vez. As pessoas são todas iguais. E uma das coisas mais bonitas no futebol é ver tantas nações diferentes representadas numa só equipa, todas a lutar pelos mesmos objetivos. Não importo de onde são originárias.".A lesão que o fez refletir.Weigl sofreu a primeira e única lesão grave da sua carreira no final da temporada 2017/18, uma fratura no tornozelo, num jogo contra o Augsburgo, que o obrigou a uma paragem de quatro meses. O jogador perdeu praticamente toda a pré-temporada, mas considera que a lesão o fez crescer como jogador.."A lesão fortaleceu-me como pessoa. Foi um período onde refleti mais. Tinha tido dois anos completamente alucinantes, as coisas sucederam-se a um ritmo muito rápido e às vezes nem eu conseguia ter noção de como a minha vida tinha evoluído profissionalmente. Estava num clube de topo como Borussia Dortmund, convocado para a seleção alemã para estar no Europeu. Isto quando pouco tempo antes estive quase a cair para a III divisão no Munique 1860. Ou seja, foram contrastes enormes de um momento para o outro que eu nem tinha tempo para pensar com jogos quase de dois em dois dias. A lesão e o tempo que estive parado permitiu-me descer um pouco à terra", referiu à imprensa alemã, reconhecendo que apesar de ser uma pessoa positiva por natureza, "houve momentos em que não queria ver ninguém à frente e só queria estar trancado em casa"..Capitão aos 18 anos mas tramado por noitada.Weigl deve muito da sua ainda curta carreira ao 1860 Munique, onde fez a sua formação e foi lançado na equipa principal na temporada 2013-14, com apenas 18 anos. Pegou de estaca e meses depois já ostentava a braçadeira de capitão de equipa. "Ele joga como se tivesse 35 anos", disse ao site medium.com um dos seus colegas de equipa da altura. "É uma decisão que tem também como objetivo motivar os jogadores mais jovens", revelou ao mesmo órgão o treinador Riccardo Moniz..No Munique 1860, Weigl viveu um episódio menos positivo. O clube foi escolhido para rodar um documentário behind-the-scenes que mostrava o dia-a-dia de uma equipa de futebol na Alemanha. A equipa perdeu os dois primeiros jogos da temporada e no final desse segundo jogo Weigl foi chamado pela equipa de filmagens para responder a uma simples pergunta: o que ia fazer depois do jogo? Respondeu que ia para casa, jantar com os pais..Um diretor do clube ouviu a resposta, chamou-o à parte, e em frente às câmaras disse-lhe que tinha ouvido falar de uma noitada que Weigl teria feito com outros colegas de equipa até às 4.30 da manhã. E que depois disso os futebolistas em causa teriam apanhado um táxi e feito várias queixas sobre a forma como o clube era gerido. O taxista confirmou a versão e Weigl e os colegas de equipa foram multados e castigados - fizeram alguns jogos pela equipa de reservas. Consequência: Weigl perdeu a braçadeira de capitão nem duas semanas depois de a ter envergado pela primeira vez..Influência no Dortmund levou-o ao Euro 2016.O castigo durou pouco e Weigl regressou à primeira equipa, onde permaneceu mais uma temporada (2014-15), até ser contratado pelo Dortmund, onde chegou em 2015-16, um pedido expresso do treinador Thomas Tuchel, que tinha tirado um ano sabático depois de deixar o Mainz para aprender e estudar os métodos de Pep Guardiola baseado no jogo posicional..E uma das exigências de Tuchel foi a contratação de Weigl (jogador que na ótica do treinador tinha certas semelhanças com Busquets, do Barcelona), que se estreou a titular como uma exibição na altura elogiada por toda a gente, numa vitória (4-0) diante do Borussia Mönchengladbach, onde secou por completo os dois médios da equipa rival (Granit Xhaka e Fabian Johnson).."Sabíamos que ele era capaz de se destacar e deixar logo a sua marca, caso contrário não o tínhamos contratado", disse na altura o treinador Thomas Tuchel. "Ele tem excelentes qualidades. Taticamente é um jogador muito inteligente e tecnicamente bom. É um jogador que ao mesmo tempo consegue fazer passes básicos mas que torna o jogo de equipa rápido", reagiu também na altura Ottmar Hitzfeld, que treinou o Dortmund e o Bayern Munique..As boas atuações de Weigl nessa temporada (realizou 51 jogos pelo Dortmund) não passaram despercebidas ao selecionador alemão Joachim Löw, que de forma surpreendente o incluiu na lista final de convocados para o Europeu 2016 realizado em França. Não realizou qualquer jogo, mas fez parte dos 23..De jogador fetiche e titular indiscutível na era de Thomas Tuchel, Weigl sofreu um pouco com a saída do técnico alemão para o PSG no final da época 2016-17. Continuou a jogar com bastante regularidade, mas sob as ordens de Peter Bosz, Peter Stöger e já nesta época com Lucien Favre não foi o jogador com a mesma dimensão, nem titular absoluto. Foi a consciência da perda desse papel de influência e o facto de no Benfica poder voltar a adquiri-la que o levaram a pedir para sair e aceitar transferir-se para a Luz..Entre os benfiquistas há quem veja nesta contratação uma desvalorização dos ativos do Seixal, sobretudo de Florentino e Gedson Fernandes. Mas o Benfica já veio reagir e responder aos que pensam desta forma."A contratação de Julien Weigl representa todo o salto qualitativo que o Benfica pode dar devido à sua boa saúde financeira em termos de contratações. A aquisição de um internacional alemão a uma das principais equipas europeias era um cenário absolutamente impossível até há pouco tempo. Importa também desconstruir a visão infantil de considerar que este tipo de aquisições coloca em causa a aposta no Seixal", podia ler-se nesta quinta-feira na News Benfica.