"O monolinguismo está, de facto, condenado"
O monolinguismo está condenado a médio prazo?
Ser monolingue é falar/compreender apenas uma língua ou uma variedade, situação cada vez mais rara. Poucos indivíduos conseguem, nos nossos dias, ter uma vivência social exclusivamente monolingue. Todos somos obrigados a ampliar os nossos repertórios linguísticos e a, ativa ou passivamente, desenvolver competências multilingues. O monolinguismo está, de facto, condenado. Realce-se, ainda assim, que por vezes o mesmo tem sido promovido em detrimento do respeito pela diversidade cultural e metodológica. É o caso da publicação científica, em que aniquilam estruturas retóricas e culturas disciplinares e discursivas em prol da suposta internacionalização e do uso exclusivo de uma variedade da língua inglesa.
A aprendizagem de novas línguas, a somar à materna, transforma o indivíduo perante a sociedade e a própria sociedade no seu conjunto?
As línguas são expressões de essências culturais. É por elas, com elas e nelas que construímos a nossa existência cognitiva, social, memorialística e patrimonial que nos situa no tempo e no espaço. Não há conhecimento sem língua, pois este só se consubstancia no ato da construção linguística e comunicativa. As línguas não são meros códigos neutros de estruturação de mensagens e de informação. Aprender línguas permite observar o mundo de outros pontos de vista, permite descentrarmo-nos, o que transcende o valor instrumental e simplista que se atribui às línguas como fatores de competitividade ou de empregabilidade.
O domínio de várias línguas tende a determinar uma hierarquia social?
Conhecer/saber é poder, e o poder é potenciador de hierarquias. Quanto maior a proficiência numa língua maior o poder de interpretação de expressão, mais vasta a possibilidade de exercício de poder e maior a liberdade por não se sucumbir, por exemplo, a propaganda ou a discursos enganadores. O domínio de várias línguas aumenta tudo isto exponencialmente e limita dependências que decorrem do desconhecimento e da fraca proficiência linguística. Há línguas a que se atribui mais poder por terem maior presença na escola, na comunicação social e nos meios digitais ou por se associarem a grupos de falantes mais ricos. Outras são depreciadas e apresentadas como pouco atrativas, pouco potenciadoras de mais-valia económica, é-lhes atribuído apenas valor familiar e etnográfico. Representações utilitaristas que criam esta hierarquia entre línguas e, por extensão, entre os falantes das mesmas. Sendo as línguas elos da estruturação social e das relações políticas entre povos e culturas (incluindo os que habitam o mesmo espaço ou espaços vizinhos), o seu domínio pelos falantes é causa e justificação de relações de poder nem sempre pacíficas. Casos não faltam na história, nem na atualidade, de conflitos causados, entre outros ou sobretudo, por diferendos linguísticos.
A identidade nacional, sendo forte, resiste bem ao plurilinguismo ou é importante ter medidas que protegem a língua oficial?
A identidade nacional não é monolingue - decorre de multilinguismos. Uma certa leitura da história reforça o monolinguismo de jure, o território nacional sempre foi multilingue de facto. Coexistiram/coexistem línguas de diferentes continentes trazidas pelas diferentes mobilidades populacionais (escravos, migrantes, refugiados, turistas, etc.). Da força da identidade nacional não resta dúvida, do valor atribuído à língua portuguesa (um dos fatores de identidade) sobejarão algumas. O português tem força constitucional, mas não existe uma política linguística consentânea com o facto de ser língua oficial. Entidades oficiais e governamentais proferem nos seus discursos catadupas de termos em inglês. É um certo provincianismo e fingimento de excelência e de ser moderno. Encantam-se com task forces, briefings, outfits, benchmarkings, presales, etc. É imprescindível uma política linguística que respeite a constituição em vigor, respeitando as outras línguas aqui coexistentes. A língua de escolarização é o português e, se se deve ensinar português aos que têm outras primeiras línguas, também devemos incentivá-los a que não as percam. A sensibilização linguística e a promoção do multilinguismo são medidas imperiosas.
O Algarve, onde ensina, pode dar ensinamentos ao resto do país sobre a coexistência dos lusofalantes com várias comunidades linguísticas estrangeiras, tanto de turistas como de estrangeiros residentes permanentes?
No Algarve coexistem no quotidiano dezenas de línguas. Não será diferente de outras regiões, sobretudo do litoral. Há escolas em que identificamos mais de 50 línguas. Perto de um quinto dos alunos da Universidade do Algarve são estrangeiros (cerca de oito dezenas de nacionalidades) e nos campi ouvem-se dezenas de línguas e de variedades de proveniências distantes. No Centro Hospitalar Universitário do Algarve (CHUA) ocorrem por ano milhares de consultas programadas e de atendimentos de urgência a utentes estrangeiros, em que se pratica a comunicação multilingue. O que nos diferencia é o peso do turismo e o facto de termos comunidades linguísticas estrangeiras significativas enraizadas há mais anos (de língua inglesa e alemã, primeiro, e, mais recentemente, de língua francesa e italiana). Não direi dar ensinamentos, mas talvez se possa considerar o que por cá acontece e que vai além da propalada (às vezes real) desvalorização do uso da língua portuguesa em favor de outras (em que o dinheiro vale mais). Citem-se: o recurso à mediação linguística no CHUA; a promoção do multilinguismo nos agrupamentos de escolas e na universidade, neste caso sobretudo no ensino de português a estrangeiros; as tarefas promotoras de inclusão de autarquias e de associações. A inclusão linguística não é vivida da mesma forma, há comunidades que pouco esforço fazem por sair da redoma monolingue. Resta-nos continuar a enfatizar que é a diversidade que nos une.
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