Quando a bloquista Cecília Honório apresentou a sua candidatura à Câmara Municipal de Cascais no Parque Urbano Quinta de Rana, a Entidade das Contas e Financiamentos Políticos entendeu que o BE não podia ter usado aquele espaço público gratuitamente. Tratava-se, na opinião da entidade, de uma violação da lei porque uma entidade pública não podia ceder um espaço público para atividades partidárias..Este é um entre vários exemplos que levaram os partidos a avançarem com um projeto de lei que promoveu alterações no financiamento dos partidos, do Tribunal Constitucional e da Entidade das Contas e foi votado quase de supetão no dia 21 de dezembro, com os votos a favor do PSD, PS, BE, PCP e PEV e contra do CDS e PAN..Com este projeto deixou de haver um limite global para os donativos dos partidos e as forças partidárias passam a contar com a devolução total do IVA. Mas, sublinhou ao DN o deputado comunista António Filipe, mantêm-se os limites individuais já definidos na lei para os donativos. O bolo deixa de ter limites, mas as fatias continuam do mesmo tamanho.."Os donativos de natureza pecuniária feitos por pessoas singulares identificadas estão sujeitos ao limite anual de 25 vezes o valor do IAS [indexante de apoios sociais] por doador e são obrigatoriamente titulados por cheque ou transferência bancária", estabelece a Lei n.º 19/2003, de 20 de junho. Mantém-se a necessidade destes donativos por cheques e transferências bancárias serem "devidamente identificados"..Uma vez que o IAS mantém-se congelado para o financiamento dos partidos - como definido no Orçamento do Estado para 2018 - em 419,22 euros (nas prestações sociais já foi atualizado para os 428,90), o total que cada pessoa vai passar a poder doar a um partido é de 10 480,50 euros..O novo projeto torna possível que os partidos possam angariar fundos para a construção ou aquisição de sedes, por exemplo, o que até aqui não seria possível, por o limite global ser rapidamente atingido, explicaram fontes partidárias que acompanharam o processo..Norma interpretativa no IVA.No caso da devolução do IVA, a proposta acaba por beneficiar todos os partidos. António Filipe explicou ao DN que a fórmula que está ainda hoje inscrita na lei não tinha intuito de ser restritiva. "A interpretação restritiva foi da Autoridade Tributária", disse. E ironizou: "É próprio da Autoridade Tributária fazer uma leitura desfavorável para os contribuintes." Os deputados acabaram por fazer "mais uma norma interpretativa", apontou o deputado do PCP..Onde antes se lia que a isenção do IVA tinha lugar "na aquisição e transmissão de bens e serviços que visem difundir a sua mensagem política ou identidade própria, através de quaisquer suportes, impressos, audiovisuais ou multimédia, incluindo os usados como material de propaganda e meios de comunicação e transporte"; com a nova lei fica que o IVA é "suportado na totalidade de aquisições de bens e serviços para a sua atividade"..A leitura mais restritiva da Autoridade Tributária, sobre a isenção de IVA, prende-se com a passagem onde se diz que a "aquisição e transmissão de bens e serviços que visem difundir a sua mensagem política ou identidade própria"..Para o CDS, que votou contra, a Festa do Avante! ou a festa laranja do Chão da Lagoa não cabem neste capítulo. O líder parlamentar centrista, Nuno Magalhães, notou que esta norma se aplicaria também à corrida de touros que o partido organizou. "Pode dizer-se que seria um statement político, mas é difícil enquadrar concertos e festas como atividade política", apontou..O CDS esteve desde o início no grupo de trabalho que, em maio, foi constituído para responder a sugestões e propostas do presidente do Tribunal Constitucional, Costa Andrade. Mas no final não acompanhou o projeto de lei, que congregou todos os outros grupos parlamentares (exceto também o deputado único do PAN)..Costa Andrade defendeu que os partidos deviam avançar com alterações normativas e institucionais, para reconfigurar o processo de fiscalização das contas e campanhas eleitorais. Na altura, o presidente do Tribunal Constitucional avançou com duas vias possíveis para resolver esta questão, mas antecipou uma preferida, que foi aquela que os deputados acolheram: "Cometer à Entidade das Contas e Financiamentos Políticos (ECFP) a investigação das irregularidades e ilegalidades e, sendo caso disso, a aplicação de coimas, com a possibilidade de recurso para o Tribunal Constitucional.".Assim foi: como explicou António Filipe esta foi "a alteração profunda" introduzida pelo novo projeto de lei, "na medida em que não havia uma instância de recurso".."A Entidade das Contas enviava relatórios e propostas de decisão e o Tribunal Constitucional assinava e não havia já recurso porque a decisão estava tomada" pelos juízes do Palácio Ratton. Agora, com a alteração à lei, é a Entidade das Contas que aplicará sanções "para poder haver recurso para o Tribunal Constitucional", notou o deputado comunista. "E assim o TC vai ter de apreciar" as queixas..É o próprio projeto que estabelece na sua exposição de motivos que "a Assembleia da República, em reapreciação do regime jurídico relativo à fiscalização das contas dos partidos e das campanhas eleitorais, concluiu que o mesmo carece de alterações de modo a superar dúvidas de inconstitucionalidade dos procedimentos. No essencial, importa assegurar que a entidade responsável pela fase de avaliação de prestação de contas não seja a mesma que julga das eventuais irregularidades"..Os juízes podem ser assim chamados a "apreciar, em sede de recurso, as decisões da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos (ECFP) em matéria de regularidade e legalidade das contas dos partidos políticos e das campanhas eleitorais" e também as decisões sobre "matéria de regularidade e legalidade das contas dos partidos políticos, nelas incluindo as dos grupos parlamentares, de deputado único representante de um partido e de deputados não inscritos em grupo parlamentar ou de deputados independentes, na Assembleia da República e nas Assembleias Legislativas das regiões autónomas, e das campanhas eleitorais, nos termos da lei, incluindo as decisões de aplicação de coimas"..Com a possibilidade de recurso, estas coimas "terão efeitos suspensivos". O Tribunal Constitucional decidirá em plenário. Só falta a luz verde de Belém.