Manecas dos Santos detido e libertado 24 horas depois em Bissau
Manecas dos Santos, 74 anos, nome histórico da luta de libertação do PAIGC, foi libertado ontem em Bissau, com termo de identidade e residência, 24 horas depois de a Polícia Judiciária (PJ) o ter ido buscar à clínica onde se encontrava hospitalizado. Este processo acontece na sequência de uma entrevista publicada no Diário de Notícias a 11 de maio, em que o comandante disse que a Guiné-Bissau podia "estar na iminência de um golpe de Estado", referia mal-estar nas Forças Armadas e criticava o atual presidente da República, José Mário Vaz.
Hospitalizado desde 8 de junho, Manecas dos Santos deparou-se com agentes da PJ na segunda-feira, quando saía do quarto. "Foi detido nas instalações da Clínica Madrugada por volta das 10.00", relatou ontem à noite ao DN, a partir de Bissau, o advogado Carlos Pinto Pereira. "O médico que o seguia deu informação prévia ao Ministério Público [MP] que lhe ia dar alta e face a isso posicionaram uma viatura dentro das instalações da clínica, de modo a deterem o comandante mal ele saísse." Conduzido de imediato às instalações da PJ, Manecas dos Santos ficou à espera de ser ouvido. "A PJ comunicou a detenção ao magistrado do Ministério Público, para que ele o pudesse convocar", disse o advogado. "Mas o magistrado alegou que tinha um assunto urgente" e saiu do edifício. O comandante, que há meses tem recebido cuidados médicos, teve de passar o dia e a noite no centro de detenção. "Não ficou numa cela, deram-lhe um espaço contíguo mais confortável", descreveu Carlos Pinto Pereira, que logo às 12.00 de segunda-feira interpôs um habeas corpus e foi ver o seu cliente na PJ. "Ele estava bem, rijo e pronto para outra. Não recuou um milímetro naquilo que disse."
O habeas corpus ficou por apreciar, então ontem de manhã o advogado entrou com "outro pedido, para modificar as condições de detenção, de modo que o comandante pudesse ser mantido em casa". "Não foi apreciado, porque entretanto o delegado do Ministério Público resolveu chamar o comandante". A audição decorreu das 12.00 às 13.00, menos de uma hora de interrogatório.
Logo após a entrevista ao DN, Manecas dos Santos fora convocado para um interrogatório como denunciante de tentativa de golpe. O comandante declarou que apenas dera a sua opinião e o processo foi arquivado. Mas o Ministério Público resolveu abrir segundo processo, por "simulação de crime", e enviou a convocatória para novo interrogatório. Manecas dos Santos apresentou atempadamente o atestado médico para justificar a impossibilidade de comparecer. Ainda assim, agentes da Judiciária foram a sua casa para o deter numa altura em que ele já se encontrava hospitalizado.
O interrogatório de ontem foi, pois, o segundo, e correspondendo a um segundo processo, sempre com a mesma origem. "A audiência foi sobre a entrevista ao Diário de Notícias. Ele manteve o que já dissera, que se tratara de uma opinião." E referiu que outras opiniões semelhantes tinham sido tornadas públicas sem qualquer intervenção do MP. Citou o exemplo do atual ministro da Energia, Florentino Mendes Pereira, que aludiu recentemente à possibilidade de um golpe sem ser alvo de investigação por parte do Ministério Público.
Depois da audiência, o delegado emitiu um mandado de soltura, com termo de identidade e residência. A primeira coisa que Manecas dos Santos fez foi ligar à mulher e depois dirigiu-se à sede do PAIGC para ver os preparativos da convenção do partido, que começa amanhã. Para quem não conhece Bissau, será interessante referir que a sede do PAIGC fica exatamente ao lado do Palácio Presidencial. Ou seja, Manecas dos Santos saiu da Judiciária diretamente para a praça onde também está o presidente, alvo de contestação há meses, incluindo manifestações reprimidas com gás lacrimogéneo e detenções. A Guiné-Bissau vive um impasse político, aguardando há muito a marcação de eleições.
"Estava muita gente na sede", contou ao DN o advogado. "Homenagearam o comandante lá. Depois ele visitou as obras que estão a ser feitas para a convenção na sede." Só então foi para casa, onde se manteve. "O processo está em curso. Agora é aguardar o que o Ministério Público vai fazer, ou acusa ou arquiva. Acredito que podem arquivar, mas se quiserem ir a julgamento cá estamos."
O bastonário dos Advogados da Guiné-Bissau, Basílio Sanca - que visitou Manecas dos Santos enquanto estava detido -, exigiu a demissão do procurador-geral da República guineense dada a atuação da Justiça no caso. O DN não obteve reação da Procuradoria até ao fecho da edição. Figuras guineenses como Carlos Lopes, ex-secretário geral adjunto da ONU, e Iva Cabral, filha de Amílcar Cabral e reitora da universidade lusófona de Cabo Verde, repudiaram a detenção de Manecas dos Santos.