Dois acontecimentos sem relação: três montanhistas perderam ontem a vida na sequência de uma avalanche no pico mais elevado do Reino Unido, Ben Nevis; e os deputados britânicos voltaram a rejeitar o acordo de saída da União Europeia, aumentando as probabilidades de um desastre político - e até de que a própria montanha, situada na Escócia, deixe de ser "britânica"..De nada valeu o drama na véspera protagonizado em Estrasburgo pela primeira-ministra Theresa May e que contou com o beneplácito do presidente da Comissão Europeia Jean-Claude Juncker. Na moção apresentada pela governante adicionou três documentos com o objetivo de dar mais garantias de que o Reino Unido não fica preso pelo mecanismo de salvaguarda, uma forma de prevenir o regresso de uma fronteira entre a República da Irlanda e a Irlanda do Norte caso as futuras conversações entre Londres e Bruxelas sobre a relação comercial futura caiam por terra..Mas se May contava com o documento trazido de França para convencer os deputados, o procurador-geral Geoffrey Cox terá acabado com as esperanças. Tribuno dotado de voz de barítono, Cox instou os parlamentares a aprovarem o acordo, pouco depois de ter publicado o seu parecer legal. Para o procurador-geral, Theresa May conseguiu obter a garantia de que o Reino Unido pode abandonar o backstop na hipótese de má-fé de Bruxelas nas negociações. No entanto, "o risco jurídico permanece inalterado uma vez que, caso não haja nenhuma falha demonstrável de uma das partes, mas simplesmente diferenças intransigentes, o Reino Unido não teria, pelo menos enquanto as circunstâncias fundamentais permanecessem as mesmas, meios legais para sair das disposições do Protocolo, salvo por mútuo acordo"..Em consequência os unionistas irlandeses (DUP) e a ala ultra dos conservadores (European Research Group) anunciaram que não iriam estar do lado do governo no momento da votação..No final das contas, após o presidente do Parlamento ter gritado "Division!", a palavra de ordem para os deputados saírem da Câmara e dirigirem-se para as salas do sim e do não, Theresa May sofreu mais uma derrota, mas evitou os números da humilhação de 15 de janeiro, quando 432 deputados votaram contra - a maior derrota parlamentar..Desta vez foram 391 deputados a votar não e 242 sim, uma diferença de 149 votos. Apenas três trabalhistas e quatro independentes votaram do lado conservador. E este teve 75 parlamentares a votar contra o próprio governo, como se pode ver na página do Parlamento..Um membro do governo não identificado havia calculado horas antes à editora de política da BBC Laura Kuenssberg que a diferença seria cerca de 150 votos..E agora?.Perante o resultado, Theresa May, quase sem voz, insistiu que o melhor para o Reino Unido é sair da UE de forma ordeira, e confirmou que nesta quarta-feira realiza-se como previsto um voto sobre a saída sem acordo. E no dia seguinte, caso este não seja aprovado, como é de esperar, uma vez que apenas a fação conservadora de Boris Johnson e Jacob Rees-Mogg é adepta dessa solução, votar-se-á pela extensão do Artigo 50.º do Tratado de Lisboa. Ou seja, no adiamento do Brexit. "Votar a extensão não resolve os problemas que o governo enfrenta. A UE quer saber se o Reino Unido quer revogar o artigo 50.º ou se quer um segundo referendo", disse May, ao que muitos deputados responderam afirmativamente..Jean-Claude Juncker afirmou no dia anterior que o Reino Unido teve uma segunda oportunidade mas que não iria haver terceira oportunidade. "Não haverá mais interpretações das interpretações; não haverá mais garantias de garantias (...) Sejamos muito claros quanto à escolha: é este acordo ou o Brexit pode não acontecer de todo.".Antes da votação, o negociador-chefe da UE para o Brexit Michel Barnier advertiu que sem um acordo de saída não haverá período de transição..Esta mensagem foi uma resposta à ideia de Boris Johnson em aprovar um período de transição sem o backstop. Um plano que foi apresentado por alguns conservadores como emenda a votar nesta quarta-feira..Logo após a votação, Barnier voltou a esclarecer os britânicos de que não há mais margem para negociações: "O impasse só pode ser resolvido no Reino Unido.".Em declarações proferidas pelo porta-voz do presidente do Conselho Europeu, Donald Tusk, Bruxelas releva que o voto de terça-feira "aumentou significativamente a possibilidade de um Brexit sem acordo", pelo que as instituições europeias "continuam as preparações para um não acordo" e assegurar que estão prontas caso esse cenário se confirme..Também o primeiro-ministro holandês Mark Rutte escreveu uma série de mensagens no Twitter a tentar trazer os britânicos à realidade. Ou seja, a extensão do artigo 50.º deve ter uma "justificação credível e convincente"..Mensagem mais dura passou o candidato do Partido Popular Europeu a presidente da Comissão Europeia. Manfred Weber disse não ser aceitável uma extensão se o governo britânico não for capaz de criar uma maioria para o caminho que quer escolher..Referendo ao Brexit ou referendo à independência.No plano interno, os nacionalistas escoceses voltaram à carga com a hipótese da independência do Reino Unido caso o Brexit se confirme. A chefe do governo escocês Nicola Sturgeon reafirmou que há que rejeitar a hipótese de uma saída desordenada e estender o artigo 50.º de forma a convocar um novo referendo. "Apoiaremos qualquer referendo desde que a opção de permanecer na União Europeia esteja no papel de voto", declarou..Sturgeon criticou o governo britânico por "um punhado de deputados do DUP [os unionistas irlandeses] terem mais influência no futuro da Escócia do que o Parlamento escocês, o que demonstra mais claramente que sempre que os argumentos a favor de a Escócia se tornar um país independente nunca foram tão fortes".