Mais pragas de insetos na Europa. Produção de cereais vai cair
No mundo mais quente que já aí está à porta, as pragas de insetos vão multiplicar-se, e fazer muitos estragos na agricultura - e na alimentação humana. É o que conclui um estudo publicado hoje na revista Science. O trabalho faz pela primeira vez estas contas e mostra que, nas zonas temperadas como a Europa, vamos assistir a um aumento entre 50 e cem por cento de perdas na produção de alguns cereais em meados do século.
Para chegar a estes resultados, um grupo internacional de cientistas, coordenado por Curtis Deutsch, da Universidade de Washington, nos Estados Unidos, avaliou o impacto do aumento da temperatura no metabolismo dos insetos e no seu ciclo de atividade e verificou que a subida das temperatura ao longo das próximas décadas vai permitir que estes se reproduzam mais e se transformem em populações maiores e mais esfomeadas.
Com o aumento da temperatura, os insetos tenderão a constituir-se em pragas que vão colocar em perigo a produtividade dos cereais, sobretudo nas zonas temperadas, que são também das suas maiores produtoras.
O estudo incidiu sobre três espécies de cereais, o trigo, o arroz e o milho, que em conjunto são a base da alimentação a nível mundial e que, só por si, constituem 42% do consumo total de calorias a nível global.
Os cientistas conseguiram quantificar as perdas de produtividade, mostrando que cada grau a mais em relação à média da época pré-industrial, corresponderá a perdas de produtividade naqueles três cereais da ordem dos dos dez a 25%. A Europa, a Rússia, a China e as regiões temperadas na América do Norte serão as regiões do globo mais afetadas.
"Em alguns países das regiões temperadas, o efeito das pragas de insetos na produção cerealífera vai aumentar substancialmente à medida que as temperaturas continuarem a subir", afirma Joshua Tewksbury, investigador da universidade de Boulder, nos Estados Unidos, e um dos coautores do estudo.
Isso ficará a dever-se "a duas razões principais", como explica, por seu turno, Curtis Deutsch. "Por um lado, as temperaturas mais altas aumentam exponencialmente o índice do metabolismo dos insetos. Por outro, à exceção dos trópicos, isso aumentará as suas taxas reprodutivas, e quando há mais insetos eles comem mais".
As consequências na alimentação são inevitáveis, garante Rosamond Naylor, da Universidade de Stanford, Estados Unidos, e outra das coautoras da investigação. "Os efeitos da temperaturas no aumento das pragas agravarão os problemas da insegurança alimentar e os impactos ambientais da agricultura", diz a investigadora. E explica a sua visão: "A aplicação de mais pesticidas, a utilização de sementes geneticamente modificadas e uma maior rotação nas colheitas ajudarão a controlar as perdas relacionadas com as pragas de insetos, mas em todos os cenários climáticos serão estas a ganhar, em particular nas regiões temperadas, provocando o aumento dos preços na alimentação e maior insegurança alimentar".
Além disso, a aplicação de mais pesticidas para controlar as pragas tem um elevado custo ambiental, com maior contaminação dos solos e da água, que por sua vez se repercutirá na saúde humana e dos ecossistemas.
Para um aumento de dois graus Celsius em relação à época pré-industrial - nesta altura já se atingiu mais um grau na temperatura média do planeta, embora ela se distribua de forma diferente consoante as regiões, com o norte da Europa, por exemplo, a atingir mais 2,5 graus -, o trabalho estima que as perdas possam chegar a mais de 31% no milho, a 19% no arroz e a 46% (quase metade da produção) no trigo. Números redondos, serão perdas globais de 62, 92 e 59 milhões de toneladas respetivamente.
"A minha esperança é que estes resultados demonstrem a importância de fazer estudos mais aprofundados sobre o impacto destas pragas num mundo mais quente, uma vez que, coletivamente, a nossa escolha já não é se vamos ou não permitir que aumento da temperatura aconteça, mas quanto mais é que vamos tolerar", diz Curtis Deutsch,
Os autores recomendam, por isso, que se equacionem alterações adequadas nas práticas agrícolas a nível global para fazer face ao problema que está aí, à porta, Uma maior rotatividade nas colheitas ou a seleção de espécies mais resistentes à temperatura e às pragas estão entre as sugestões avançadas.