O Parque das Nações é mais poluído do que a Avenida da Liberdade - diziam os títulos das notícias deste domingo não deixando margem para dúvidas. De acordo com um estudo levado a cabo pela associação ambientalista Zero, que monitorizou o ar em quatro pontos da cidade de Lisboa (Cais do Sodré, Belém, Segunda Circular/Telheiras e Parque das Nações) e comparou os valores obtidos com os valores das estações de qualidade do ar existentes (Avenida da Liberdade, Olivais, Entrecampos e Santa Cruz de Benfica), os lisboetas estão a respirar ar poluído em toda a cidade mas a situação é especialmente preocupante no Parque das Nações, onde os valores referentes ao dióxido de azoto e às partículas inaláveis são preocupantes..Como é que um bairro novo - que nasceu após a Expo'98 -, junto ao rio, com tantos espaços verdes e que é uma zona onde tantas pessoas vão praticar exercício físico, pode ser mais poluído do que a Avenida da Liberdade, no centro de Lisboa, ou do que a Segunda Circular, uma das artérias com mais tráfego automóvel?."Ficámos um bocadinho assustados quando vimos as notícias", admite Carlos Ardisson, da organização de moradores A Cidade Imaginada Parque das Nações (ACIPN). "Estamos agora a tentar perceber melhor os resultados, porque sabemos que, apesar de todos os problemas, este não é um bairro assim tão mau para se viver.".Antes de mais, Paulo Pereira, investigador do Departamento de Ciências e Engenharia do Ambiente da Universidade Nova de Lisboa, parceiro da Zero neste estudo, sublinha que os resultados devem ser lidos com precaução, uma vez que a monitorização foi feita durante um curto período de tempo. "A medição durante uma semana permite-nos ter uma ideia da qualidade do ar na zona mas será necessário um estudo mais aprofundado para ter conclusões mais precisas", avisa. Também Mafalda Sousa, da associação Zero, deixa o mesmo alerta: as conclusões a tirar deste estudo são limitadas e terão de ser confirmadas com novas análises..De qualquer forma, Mafalda Sousa explica que para este estudo escolheram monitorizar o ar em locais que já estavam identificados pelos investigadores como sendo de risco. "Escolhemos o Parque das Nações, o Cais do Sodré, Belém e a Segunda Circular precisamente porque são locais que ficam distantes das Estações de Qualidade do Ar (EQA) existentes e que nos pareceu que poderiam apresentar valores preocupantes", diz..Para além de estas serem análises curtas no tempo (uma semana em cada ponto de monitorização) e de ainda não haver dados comparativos que permitam dizer que estes valores são constantes, existe ainda outra questão que é preciso ter em conta: o local onde a monitorização foi feita. Por exemplo, no Cais do Sodré foi perto da Ribeira das Naus: "Se fosse mais perto da estação, os resultados ainda seriam piores", considera Mafalda Sousa..É isso mesmo que sublinha Carlos Ardisson, que diz que os moradores estão conscientes dos problemas do Parques das Nações mas questiona: "O Parque das Nações tem mais de 300 hectares, será que é justo dizer que todo o bairro tem um problema de qualidade do ar ou estamos a falar só de uma via rodoviária que é de facto muito movimentada?" Afinal, diz, "quando falamos da poluição na Avenida da Liberdade referimos só a avenida, não todas as artérias circundantes". "Acho que há um certo alarmismo na divulgação deste estudo", acusa..Seja como for, estes são os dados que temos. O investigador da Universidade Nova explica que a qualidade do ar está geralmente associada a dois fatores: a intensidade do tráfego automóvel e a geografia da zona..1. Tráfego rodoviário.A monitorização no Parque das Nações foi feita em plena Avenida D. João II, junto ao edifício da Vodafone (perto do Centro Comercial Vasco da Gama), que é uma zona com um intenso tráfego rodoviário. "Estes valores devem-se à poluição causada pelo tráfego automóvel, pois esta é uma zona onde passam muitos veículos, incluindo autocarros e camiões de mercadorias", explica Paulo Pereira. Como diz Mafalda Sousa, vemos geralmente o Parque das Nações como uma zona residencial mas a verdade é que esta é cada vez mais uma zona comercial e de serviços..E, o que é pior, sublinha Carlos Ardisson, é que todo o trânsito da zona passa naquela Avenida D. João II, que é a única via que permite atravessar todo o Parque das Nações, de norte a sul. "Não há outra maneira de chegar de uma ponta à outra sem ser pela D. João II", queixa-se. "Com a agravante de o sistema de semáforos provocar um constante para-arranca, não permitindo uma fluência de trânsito e causando ainda mais poluição.".O responsável da ACIPN lembra que este problema já tem sido discutido nas assembleias de freguesia e até na assembleia municipal, tendo os moradores proposto um sistema de controlo por radar, com uma velocidade limite, que permitisse uma maior fluência de trânsito mas, até agora, nada mudou..2. Geografia da zona.A acumulação de partículas e de gases tóxicos está muito dependente dos fenómenos meteorológicos - sobretudo a velocidade e a direção do vento que geralmente contribui para a dispersão dos poluentes, explica Paulo Pereira. A geografia natural tem, aqui, bastante influência..No Cais do Sodré e em Belém a proximidade da zona ribeirinha são um fator positivo, uma vez que a circulação do ar contribui para a dispersão, acrescenta Mafalda Sousa. Mas no caso do Parque das Nações a influência do rio é limitada pelos edifícios bastante altos que "fazem uma barreira" e podem levar à concentração de poluentes em determinados pontos. Ou seja, a qualidade do ar pode ser também uma questão de urbanismo..O que fazer?.Antes de mais, é preciso perceber melhor o que se passa. Há que fazer mais análises para confirmar os resultados obtidos, dizem os investigadores. De qualquer forma, a qualidade do ar é um problema na cidade de Lisboa, não só no Parque das Nações mas também em outros locais analisados. Em todos eles há valores que estão acima da média ou mesmo acima dos limites considerados normais. "Temos de estar mais atentos", diz Mafalda Sousa, porque existem de facto riscos para a saúde das pessoas.."Não há outra maneira de melhorar a qualidade do ar a não ser reduzir o tráfego automóvel", diz, taxativamente, Paulo Pereira. Portanto, todas as medidas que possam reduzir o número de veículos na cidade - que podem passar pela criação de zonas pedonais e ciclovias e pela melhoria dos transportes públicos, por exemplo - são bem-vindas..Carlos Ardisson lembra que no bairro já existem inúmeros espaços verdes e ciclovias - motivos, aliás, pelos quais tantas pessoas optaram por morar ali - o que falta agora é regulação do trânsito e fiscalização. "Somos completamente a favor de reduzir o tráfego automóvel mas não reduzindo o número de faixas, que foi o que foi feito até aqui. Isso não resolve nada, só provoca mais estrangulamento do trânsito.".Para além do Centro Comercial Vasco da Gama, da Altice Arena e da FIL - Feira Internacional de Lisboa, a verdade, diz, é que o número de empresas e espaços comerciais na zona tem vindo a aumentar mas não foram consideradas as condições de abastecimento destes locais, pelo que há muito estacionamento em segunda fila, o que leva a um congestionamento do trânsito..Este morador lembrou também a falta de fiscalização dos veículos a diesel, que são os mais poluentes. "A legislação sobre emissão de partículas já existe. O importante agora é não permitir abusos." Ainda no início de junho, a Zero alertou para o facto de oficinas de mecânicos continuarem a oferecer serviços de remoção do filtro de partículas. A prática é ilegal, uma vez que, desde 2009, está em vigor o pacote de medidas Euro 5, que obriga os automóveis a gasóleo a circular com esse filtro por questões ambientais. O filtro de partículas retém cerca de 80% das emissões produzidas pelo escape.