Magalhães e outros 244 homens numa exposição em Sevilha

O Arquivo Geral das Índias de Sevilha mostra pela primeira vez os principais documentos e crónicas que permitiram o estudo da primeira volta ao mundo.
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Quinhentos anos depois da primeira circum-navegação do mundo, documentos originais reunidos numa exposição permitem-nos viajar ao passado e acompanhar os 245 homens que iniciaram há cinco séculos a maior aventura marítima de todos os tempos. "Não há um único herói e os protagonistas, de diferentes nacionalidade, devem partilhar a glória da proeza", afirma Antonio Fernández , historiador e um dos três comissários da exposição A viagem mais longa: a primeira volta ao mundo que foi inaugurada em Sevilha, no Arquivo Geral das Índias, com a presença dos Reis de Espanha, Felipe e Letizia. Uma mostra que além de contar um acontecimento chave da História, destaca o lado humano dos navegantes e "é uma homenagem ao espírito explorador do homem e a sua atitude frente ao desconhecido", acrescenta Fernández.

Um português, Fernão de Magalhães, desenhou o projeto mas seria um espanhol, Juan Sebastián Elcano, quem completaria a viagem que durou três anos e em todo o seu conjunto foi uma epopeia humana. "Com esta mostra queremos mostrar a verdade do que aconteceu, o lado mais escuro e o mais luminoso", sublinha Braulio Vázquez, também comissário da mostra, para quem é importante destacar que "só no momento em que a expedição esteve unida logrou continuar em frente". São 106 peças as que compõem esta mostra que tem também apoio nos suportes audiovisuais e que no caso dos documentos, são quase na sua totalidade os originais. Testemunhos dos protagonistas, crónicas, apontamentos... todo o seu conjunto ordenado cronologicamente dão uma visão completa desta proeza.

A versão portuguesa do Tratado de Tordesilhas, guardado no Arquivo Geral de Sevilha, é o arranque desta exposição que estará aberta até 23 de fevereiro. "Desenhamos com os testemunhos mais significativas os documentos vertebrais da exposição", indica Guillermo Morán, o terceiro comissário. Documentos que pertencem a distintas instituições de outros países europeus, entre eles Portugal, que contribui com a carta de Maximiliano Transilvano e a crónica da viagem de António Pigafetta, guardada na Biblioteca da Universidade de Coimbra. Do Arquivo Nacional da Torre do Combo veio a carta do capitão António de Brito a D. João III de Portugal, a relação de um piloto genovês, as instruções dadas a João de Cartagena e a Real Cédula a Magalhães. "A colaboração com as entidades portuguesas tem sido perfeita, só temos palavras de agradecimento", sublinha Antonio Fernández.

À procura das especiarias

As especiarias foram o motor da viagem num momento em que as Ilhas Molucas (ou Ilhas das Especiarias) causaram um conflito diplomático entre Portugal e Castela. "Castela tem mais poder económico que Portugal e capta o talento de Fernão de Magalhães que apresenta o seu projeto na Corte espanhola e se impõe aos outros pela sua competência", lembram os comissários, e "o sonho de chegar ao Oriente pelo Ocidente". Convencido que as Molucas estavam na parte espanhola da divisão do mundo, Magalhães consegue convencer Carlos I e encontrar o financiamento para a expedição. Tal como se pode ler nas Capitulações de Carlos V com Fernão de Magalhães e Rui Faleiro sobre a viagem às Molucas, também na mostra, "o rei advertiu-o muito para não entrar no território português", afirma Braulio Vázquez. Documentos que detalham todos os preparativos da viagem, a burocracia do momento, "é o que permitiu organizar um projeto desta dimensão e por isso o império do ultramar espanhol foi o maior e o mais duradouro", reflete o comissário Guillermo Morán.

Durante o percurso pela exposição é possível conhecer muitos detalhes de uma viagem longa, difícil e com a tripulação dividida. "Magalhães praticou muito o secretismo e causou muitos problemas, teve muitos adversários. Foi um grande marinheiro e homem de ação mas não foi bom como gestor de recursos humanos. Teve muitos dos homens contra ele", lembra Braulio Vázquez. O motim contra Magalhães, a passagem pelo estreito que viria a ter o seu nome e a sua morte nas Filipinas são momentos igualmente abordados na mostra, que trata também de dar mais detalhes sobre o regresso da nau Vitória com Sebastián Elcano como capitão que completou a primeira circum-navegação. "Pigafetta não dedica uma palavra a Elcano, ele era protegido de Magalhães. Por isso é uma fonte incompleta", lembram os comissários. Mas foi o seu texto que teve uma grande divulgação mundial.

Antonio Fernández destaca em Fernão de Magalhães a liderança: "Com as ideias claras, sabia o que queria, não desistiu e acreditou no seu projeto. Grande navegador com poucos amigos". Entre eles não estava Sebastián Elcano, que ficou do outro lado durante o motim. Mas na passagem pelo estreito que viria a ser de Magalhães não se tiveram em conta os factos passados e essa união foi determinante para cumprir o objetivo.

Os testemunhos dos protagonistas

Entre os documentos mas conhecidos encontra-se a carta de Maximiliano Transilvano, o secretário de Carlos I, "que permitiu que a notícia da primeira volta ao mundo fosse conhecida em todo lado". E outros mais desconhecidos, mas com informação que tem sido essencial no mundo náutico como a Rota de Francisco Albo, "piloto da nau Vitória. As suas anotações são essências para perceber como é o mundo hoje", sublinha Braulio Vázquez. A carta de González de Espinosa, da nau Trindade, tem a sua própria história: escrita na Índia para pedir ajuda ao Rei, entrou por contrabando por Portugal e chegou ao seu destinatário.

No balanço final desta aventura, chegaram a terra 18 homens acompanhados de dois nativos e posteriormente outros 13 homens que tinham sido feitos prisioneiros. Com 5% de rentabilidade económica da viagem, "o custo humano foi terrível" mas teve "uma grande dimensão intelectual, científica, heroica e tecnológica. Foi o trunfo do Renascimento", destaca Guillermo Morán.

A imagem da Virgem da Victoria, quase no fim da mostra, lembra o último capítulo da longa viagem. Os navegadores, um dia depois de voltar à terra, foram em procissão, descalços e com velas, até a Virgem da Vitória, no bairro de Triana, "porque quando estavam à beira da morte se tinham encomendado a ela".

Uma viagem longa, a mais longa, e esta exibição aporta uma nova forma de ver e sentir a proeza que começou na Península Ibérica e mudou a forma de entender o mundo. Financiada pela Unicaja e organizada pela Ação Cultural Espanhola e o Ministério da Cultura e Desporto, a propósito do V centenário da primeira circum-navegação de Magalhães/ Elcano, ficará no Arquivo Geral das Índias até 23 de fevereiro e viajará depois para o Museu São Telmo de São Sebastião. Depois há planos para fazer uma exposição em conjunto com Portugal, "mas ainda é só uma ideia", adiantam os comissários.

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