Madeira pode ser a cruz de Montenegro

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Há algum amadorismo na forma como o PSD teima em lidar com André Ventura, um ex-militante que se fez notar pelo discurso contra os ciganos, que mandou às malvas o partido que primeiro lhe deu palco e que, agora, aposta tudo em reduzi-lo a cinzas. O risco de ter o partido de Sá Carneiro e Francisco Balsemão totalmente dependente de populistas de extrema-direita para poder voltar a governar é real e não se vê que a liderança dos sociais-democratas tenha vontade de começar a lutar contra isso.

É verdade que as sondagens, por esta altura, apontam para um enorme desgaste do PS com a possibilidade de a direita formar uma maioria absoluta. O poder está a cair e quem está em baixo para o apanhar é o PSD, como previa Rio, mas os mesmos estudos de opinião também mostram que a maioria de direita não existe, porque é suposto ir dos liberais aos radicais do Chega, sendo certo que o novo líder da IL, Rui Rocha, recusa qualquer tipo de diálogo com o partido de Ventura. O líder social-democrata, bem pelo contrário, aposta numa certa ambiguidade, convencido de que o PSD será sempre o partido mais votado neste espetro partidário, mas que só formará maioria com os deputados de Ventura.

As eleições de setembro na Madeira são, por isso, o verdadeiro teste à liderança de Luís Montenegro em matéria de alianças. Se os Açores acabaram por ser a pedra no sapato de Rui Rio, que nunca mais se livrou da ideia de que acabaria a capitular perante o Chega, a Madeira tem tudo para se tornar o teste do algodão a Montenegro e ao seu mandatário nacional nas eleições internas, Miguel Albuquerque. Ventura vai avisando, não passa mais cheques em branco e, no arquipélago, o alvo a abater é o PSD, responsável por 47 anos de governação. Se o Chega retirar a maioria absoluta à coligação de Albuquerque, entrando no Parlamento regional, partindo de um resultado mínimo, em 2019 (0,4%), então o PSD saberá que deixou a carraça agarrar-se à perna.

Em 2021, a hesitação do PSD em livrar-se da ameaça acabou por ser essencial para dar a maioria absoluta a António Costa. Nas próximas legislativas, pelo caminho que isto leva, o povo pode estar cansado do Partido Socialista, mas ou o PSD se define sem margem para dúvidas, ou no centro-direita o voto útil passa a ser na Iniciativa Liberal. Para deixar claro que é precisa uma alternativa, mas afirmando que ela não existe se tiver de passar pela extrema-direita retrógrada. Este caminho acabaria por travar um potencial crescimento do PSD e, sendo difícil, não é absurdo pensar que o Chega e a IL acabem a lutar com o PSD pela liderança da oposição.

Luís Montenegro não está sozinho neste empurrão ao Chega. António Costa não perde uma oportunidade para valorizar o partido de Ventura. O que dizer da delegação que Costa mandou ontem a Santarém, liderada pela ministra dos Assuntos Parlamentares, Ana Catarina Mendes? O primeiro-ministro e líder do PS joga tudo no interesse do seu partido, pouco preocupado com o que isso pode significar para o país, quando o que está em causa é o Chega.

Jornalista

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