Madagáscar está a causar sensação na Taça das Nações Africanas (CAN). A equipa treinada pelo francês Nicolas Dupuis já tinha feito história ao apurar-se pela primeira vez para a competição e está a viver um autêntico conto de fadas, já com presença assegurada nos quartos-de-final da prova (defronta a Tunísia na quinta-feira), depois de ter eliminado no fim de semana o Congo no desempate por grandes penalidades. Isto depois de na fase de grupos ter ganho (2-0) à favorita Nigéria..Um dos grandes responsáveis pelo êxito da maior ilha do continente africano, que antes do início da CAN apenas tinha ganho 12 jogos em eliminatórias de qualificação para Mundiais, é o selecionador Nicolas Dupuis, 51 anos, que pegou na seleção de Madagáscar em 2017, conciliando este trabalho com o de treinador do FC Fleury 91, clube da IV divisão francesa..O primeiro objetivo de Dupuis foi conseguir a qualificação para o maior torneio de seleções de África. E para isso deu início a um trabalho que passou por uma cuidada escolha de jogadores. Nos 23 convocados para a CAN, por exemplo, estão 12 novos futebolistas que o treinador identificou, e que apesar de terem nascido em França, têm descendência de Madagáscar, entre eles Adrien, Dabo, Fontaine, Mombris, Métanire, Ilaimaharitra, Caloin, Gros e Morel. Este último, que joga no Lyon, seria a grande estrela da companhia, mas acabou por não conseguir estar presente na prova devido a uma lesão num joelho..A este lote de jogadores com experiência em clubes europeus, o selecionador juntou outros amadores que jogam no país, casos de Romario Baggio (Fosa Juniors) e Randrianasolo (CNaPS Sport). E ainda Dabo, Randrianarisoa e Razakanantenaina (JS Saint-Pierroise) da Ilha de Reunião, Rakotoharimalala (Samut Sakhon) que atua na II liga tailandesa e Gros (Vitré), Rambeloson (Arras), Caloin (Les Herbiers) e Adrien (Martigues) que jogam na IV divisão francesa. E assim construiu uma equipa..País pobre e de poucos recursos, a presença na Taça das Nações Africanas só foi possível devido ao financiamento do presidente de Madagáscar, Andry Rajoelina, que pagou 175 mil euros do seu próprio bolso..Em 2012, a população de Madagáscar estava estimada em cerca de 22 milhões, com 90% a viver com menos de dois dólares por dia. Por isso o país surgia na 161ª posição (entre 189 países) no ranking da qualidade de vida, com uma economia que assenta sobretudo na agricultura, criação de gado e pesca, mas também na plantação de arroz e de café.."Somos mais do que um filme", reclamava o capitão da seleção, Faneva Imà Andriatsima, em declarações à BBC, quando Madagáscar conseguiu o apuramento histórico para a CAN, numa crítica explícita ao filme de animação da Disney. "Fico contente que as pessoas conheçam e oiçam falar de Madagáscar, mas é pena que essa imagem seja através de um filme animado de ficção e não pela vida real. Até porque a maioria dos animais que aparecem não existem, no nosso país não há zebras nem leões", atirou..Por entre os nomes de jogadores difíceis de soletrar, há um que salta à vista: Romario Baggio. "O meu pai escolheu este nome. Nasci em 1996 e o meu pai adorava os jogadores Romário e Baggio por causa da atuação deles no Mundial de 1994. Conheço um pouco o Romário, assisti a alguns vídeos dele. Mas não atuamos de forma parecida, até porque não somos das mesmas posições. Ele é um avançado e eu sou médio", explicou Jean Romario Baggio Rakotoharisoa em entrevista ao globoesporte.com..Agora o céu é o limite para a seleção de Madagáscar, que nesta quinta-feira vai defrontar a Tunísia á procura de continuar a fazer história e conseguir um lugar nas meias-finais da Taça das Nações Africanas. "Mesmo que o nosso jogo possa não ser o melhor, carregamos connosco a sede de vitórias e a coragem. Já conseguimos algo de grandioso e vamos marcar a história do nosso país. Trazemos connosco a alegria do povo de Madagáscar. É algo de incrível, é uma loucura", desabafou o treinador após eliminar o Congo no jogo que valeu o apuramento para os quartos-de-final. "É uma proeza que nos enche o coração. Sentimo-nos apoiados, com 25 milhões de pessoas atrás de nós", acrescentou..Como escreveu esta semana o jornal L'Express de Madagascar, este conto de fadas que está a ser escrito pela seleção do país africano, a comunhão entre a equipa e os adeptos contrasta com a triste realidade do país, feita de constantes notícias de sequestros, mortes, pobreza extrema, falta de saneamento, epidemias e corrupção. Ainda recentemente, no dia 27, já com a Taça das Nações Africanas em andamento, morreram 16 pessoas esmagadas e 82 ficaram feridas nas celebrações do 59.º aniversário da independência do país. A tragédia aconteceu quando milhares de pessoas deixavam o estádio municipal de Mahamasina, em Antananarivo, depois de assistirem a um desfile militar com a presença do Presidente Andry Rajoelina.