Macron: do revés nas municipais ao problema chamado Philippe

A segunda volta das municipais, que foi adiada por causa do coronavírus, é este domingo e o presidente não espera bons resultados para o La République en Marche!. Será o ponto de partida para uma remodelação governamental e mais dissidências que já custaram ao partido a maioria parlamentar?
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O presidente francês, Emmanuel Macron, não tem grandes expectativas para a segunda volta das eleições municipais, que devem confirmar que o seu partido, o La République en Marche! (LREM), não conseguirá conquistar nenhuma localidade com mais de dez mil habitantes. E Paris, a joia da coroa, é para esquecer, com a socialista e atual presidente da câmara, Anne Hidalgo, a ser dada como favorita e a sua candidata, a ex-ministra da Saúde, a surgir apenas em terceiro, atrás da conservadora Rachida Dati.

Macron estará já a pensar no dia seguinte, com analistas a dizer que apontará o dedo à elevada abstenção (sondagens dizem que participação será de apenas 38%, depois na primeira volta, antes do confinamento por causa do coronavírus, ter sido de 44%, um recorde pela negativa) e evitará assim tirar conclusões nacionais.

O presidente tem previsto receber, logo na segunda-feira e para pôr para trás as municipais, os 150 membros da Convenção Cidadã para o Clima (criada numa resposta aos protestos dos coletes-amarelos) e viajar até Meseberg, na Alemanha, para discutir questões europeias com a chanceler alemã Angela Merkel, na véspera deste país assumir a presidência rotativa da União Europeia.

Mas, a nível interno, as municipais devem marcar ainda o momento em que Macron avança finalmente com a remodelação governamental de que se fala há muito, que pode incluir ou não o primeiro-ministro, Édouard Philippe. Este goza de uma popularidade recorde, com 50% dos franceses ouvidos numa sondagem para o Le Journal du Dimanche a dizerem estar satisfeitos ou muito satisfeitos com o seu trabalho. Já a de Macron volta a cair, estando agora nos 38%.

Ainda assim, melhor que os seus antecessores a esta altura do mandato, sendo que nenhum deles teve que enfrentar uma pandemia como a do coronavírus, com mais de 161 mil casos confirmados e quase 30 mil mortos. A terceira fase do desconfinamento começou na segunda-feira passada.

O futuro de Philippe

Apesar da popularidade a nível nacional, o próprio Philippe corre o risco de não ser reeleito para a câmara de Havre, o segundo maior porto francês, quando em 2014 tinha vencido logo na primeira volta (deixou o cargo em 2017 para se focar na chefia do governo). O adversário é o comunista Jean Paul-Lecoq e a abstenção arrisca ser um problema para o primeiro-ministro.

Tanto em caso de vitória como de derrota, as municipais são uma oportunidade para Macron fazer a remodelação governamental de que se fala há muito em França. Se esta vai incluir Philippe ou não é a grande dúvida, sendo que em caso de este perder no seu município, é dada como quase certa. Mas, mesmo se vencer, o seu lugar no Matignon está em risco.

"O meu objetivo é ser presidente da câmara de Havre, rapidamente. Isso pode acontecer rapidamente. E se isso acontecer muito rapidamente, está tudo bem", disse Philippe num debate na France 3, parecendo deixar claro que tinha os dias contados como primeiro-ministro. Mas também reiterou que dá prioridade ao seu cargo à frente do governo, se for essa a escolha de Macron, o que levou os apoiantes do adversário a apelidarem-no de "presidente da câmara fantasma".

Apesar de fazer sombra com a sua popularidade a Macron, há contudo quem defenda que Philippe deve continuar à frente do governo. "No lugar do presidente, eu ficaria com ele. Ele está numa autoestrada num Audi A8, que é Edouard Philippe. Desvia-se um pouco, mas não tem nenhum problema de motor", disse um apoiante, sob anonimato, ao L"Obs. "É preciso mudar de carro? Sair da autoestrada e deparar com uma ravina?", acrescentou, com outros a indicar que Philippe não tem ambição para concorrer contra Macron em 2022 e pode ajudar a unir o eleitorado de centro-direita a favor do presidente nessa altura - apesar de ter deixado os Republicanos para assumir a chefia do governo, Philippe não se tornou militante do La Repúblique en Marche.

Partido centrado em Macron

Uma das razões que explicam o esperado desaire eleitoral nestas municipais -- que não será o primeiro, já que o LREM também perdeu por curta margem as europeias de 2019 para a extrema-direita de Marine Le Pen -- é o facto de o partido não ter sabido desenvolver uma base local.

Nascido para apoiar o projeto vitorioso de Macron, o La Repúblique en Marche! ganhou as legislativas de 2017 com maioria absoluta, poucos meses depois de o seu líder ter conquistado a presidência. O partido de centro alimentou-se, na prática, de descontentes tanto à esquerda como à direita que se identificavam com o projeto de Macron.

Mas não conseguiu crescer para lá da imagem do presidente, que se identificava como Júpiter - o rei dos deuses na mitologia romana - e que queria centralizar tudo. O resultado é a não existência de grandes nomes além de Macron e a facilidade em "castigar" os candidatos do LREM por causa das políticas do presidente.

À medida que a imagem do presidente foi piorando, a cada reforma polémica que apresentava, e face ao descontentamento dos coletes-amarelos, foram crescendo vozes críticas no LREM. Já este ano, em plena pandemia, um grupo de deputados abandonou as bancadas do partido de Macron, deixando-o em minoria (apesar de contar ainda com apoios de partidos aliados).

Uma derrota nas municipais poderá levar a novas deserções, especialemte depois de os candidatos do LREM terem em várias localidades optado por alianças à direita, com Os Republicanos, contra a esquerda. E isso trará consequências negativas para Macron a dois anos das próximas presidenciais e diante do desafio de recuperar o país após a pandemia de covid-19, quando há quem defenda que a resposta tem que ser mais à esquerda.

Paris, a joia da coroa

No total, quase cinco mil localidades onde a vitória de um dos candidatos não foi possível à primeira volta, a 15 de junho (dois dias antes de ser declarado o confinamento) vão este domingo a votos. São cerca de 16,5 milhões os eleitores chamados às urnas.

Nas eleições municipais, quem ganha a capital tem sempre motivo para festejar, por muito mau que o resultado possa ser a nível nacional. Mas nem aí o LREM parece ter hipótese, numa corrida a três onde a atual presidente da câmara é a grande favorita.

A socialista Hidalgo (29,3% na primeira volta), que conseguiu o apoio dos Verdes (10,8%), concentra os votos da esquerda frente a Rachida Dati (22,7%), a ex-ministra da Justiça de Nicolas Sarkozy, de direita. A candidata oficial de Macron é a ex-ministra da Saúde, Agnès Buzyn (17,3%), que depois de ter sido terceira na primeira volta não hesitou em virar as costas ao presidente, alegando ter avisado desde janeiro do "tsunami" epidemiológico que aí vinha, para mais tarde corrigir e dizer que não tinha provas científicas, apenas um "pressentimento".

Buzyn não era a primeira escolha de Macron, mas foi a candidata de recurso a um mês da primeira volta, depois de Benjamin Griveaux se afastar quando um vídeo onde aparecia a masturbar-se ter corrido as redes sociais. Uma vitória em Paris, onde Macron conseguiu 65% dos votos na segunda volta em 2017 e um em cada três eleitores votaram no LREM nas europeias de 2019, parecia ao alcance, mas as divisões minaram as hipóteses.

Ainda antes do vídeo circular, o LREM surgia dividido, depois de Macron ter apostado em Griveaux e rejeitado a candidatura do deputado Cédric Villani -- que viria a apresentar-se como independente. Foi quinto na primeira volta, com 7,8% das intenções de voto, optando por não declarar o seu apoio a ninguém para a segunda volta.

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