Um duro golpe nas hipóteses de reeleição do presidente Mauricio Macri, ao perder as eleições primárias por 15 pontos percentuais de diferença e um duro golpe dos investidores na moeda e nos títulos argentinos. O peso argentino voltou a fechar em queda na terça-feira após um segundo dia de turbulência no mercado provocada pela vitória surpreendente do candidato da oposição, Alberto Fernández, nas eleições primárias. Macri e Fernández deram o tom do que será o clima eleitoral até outubro, ao acusarem-se mutuamente pela reação dos investidores..A moeda havia atingido a maior queda de todos os tempos na segunda-feira, 65 por dólar (uma queda de 30%), uma resposta mais do que nervosa aos resultados das eleições primárias perante o espectro de que as políticas liberais de Mauricio Macri sejam substituídas por um regresso às políticas económicas intervencionistas. O banco central argentino viu-se na contingência de vender um total de 255 milhões de dólares de reservas desde segunda-feira, num esforço para estabilizar a moeda.."O mercado acha que Fernández provavelmente entrará em incumprimento, irá impor controlos de capital e irá renegociar com o FMI. Em resumo, o mercado acha que Fernández é o retorno do populismo", disse Claudio Irigoyen, do Bank of America Merrill Lynch (BAML). Já o analista do Rabobank Michael Every salientou que "a última coisa que os mercados globais querem ver é outra queda do governo favorável ao mercado para o populismo e/ou geopolítica"..Alberto Fernández, antigo chefe de gabinete de Néstor Kirchner e depois de Cristina Fernández de Kirchner (que concorre para vice-presidente), foi uma surpresa nas primárias, ao terminar com uma vantagem de 15 pontos sobre Macri. As sondagens apontavam, na esmagadora maioria, para uma vitória da oposição, mas apontavam para uma pequena diferença ou um empate técnico. Para Nicolás Solari, politólogo e diretor da empresa de sondagens Real Time Data, "o resultado é praticamente irreversível, tanto em termos matemáticos como em termos sociais". Em entrevista ao chileno La Tercera , explica que Mauricio Macri precisa de conquistar dois milhões e meio de votos "num contexto económico e político adverso". E criticou as eleições primárias, abertas, simultâneas e obrigatórias. "O sistema de primárias obrigatórias demonstrou ser um sistema perverso que deve ser revisto", considerou o politólogo..As PASO, como são conhecidas, foram instituídas há dez anos pelo kirchnerismo depois do aparecimento de vários partidos de esquerda, que enfraqueceram o Partido Justicialista de Kirchner no Parlamento. Este sistema visa incentivar a criação de coligações que não podem ser desfeitas depois das primárias. Mas neste ano os candidatos em cada partido já estavam escolhidos, pelo que as PASO serviram como uma amostra do que deverá acontecer nas presidenciais de 27 de outubro. Uma segunda volta só não existe se um candidato alcançar pelo menos 40% dos votos e uma vantagem de dez pontos sobre o segundo candidato. A dupla Fernández-Fernández Kirchner obteve 47% dos votos, enquanto Mauricio Macri e Miguel Ángel Pichetto, um ex-peronista convertido em conservador, recebeu 32%. E até este se juntou, por momentos, à oposição: "A classe média que antes votou por este governo está a castigá-lo", e disse que Macri tinha de assumir a responsabilidade do resultado..Troca de acusações.Alberto Fernández disse estar disposto a colaborar com o atual governo depois de o seu triunfo nas primárias no domingo ter atirado o peso, as ações e os títulos para níveis historicamente baixos. "O diálogo é aberto, mas não quero mentir aos argentinos. O que posso fazer? Sou apenas um candidato, a minha caneta não assina decretos", disse em entrevista ao canal Net TV. "Os mercados reagem mal quando percebem que foram enganados", disse, para depois acusar o governo de Macri de manter a Argentina numa "economia fictícia"..Macri também rejeitou qualquer responsabilidade pela volatilidade dos mercados. Em conferência de imprensa, disse que a oposição deveria fazer "autocrítica" das suas políticas após a reação do mercado e que o kirchnerismo não tem qualquer credibilidade. Fernández tinha avisado que após as primárias o peso iria desvalorizar-se..Descendente de uma das famílias mais ricas da Argentina, Mauricio Macri chegou ao poder em 2015 com a promessa de transformar a estagnada economia argentina através de políticas liberais. No entanto, as suas políticas redundarem em fracasso. O país está em recessão desde o ano passado, a inflação bateu os 55%, a crise cambial viu o peso desvalorizar e os juros do banco central chegarem aos 40%. Macri recorreu a um empréstimo de 57 mil milhões de dólares do Fundo Monetário Internacional..Alberto Fernández já fez saber que quer renegociar o acordo com o FMI e propôs um pacto económico e social para combater a inflação. No entanto, Fernández quis passar uma imagem de moderação, até porque cada declaração mais aguerrida pode ter consequências. "Cada queda no peso traduz-se em preços mais elevados, o que fará o seu trabalho como presidente muito mais difícil", disse um conselheiro do candidato à The Economist ..A jogada de Cristina.Com estes resultados, não é só Alberto Fernández que se perfila como provável vencedor. É a ex-presidente Cristina Kirchner que sai como a grande arquiteta de um regresso triunfante. A senadora de 66 anos, suspeita de corrupção em vários casos (um deles em julgamento), é uma personalidade polarizadora, atraindo ou repelindo os eleitores. Apesar de ser a candidata mais popular nas sondagens, preferiu remeter-se para um papel secundário, captando os votos dos seus seguidores e, tendo em conta resultado das primárias, não conseguindo mobilizar o voto contra. Macri fica numa posição incómoda ao atacar o kirchnerismo: é que o próprio Alberto Fernández bateu a porta em desacordo com a presidente e não escondeu nunca as críticas ao populismo de Cristina Fernández Kirchner..No domingo, a Frente de Todos reuniu ao lado de Alberto Fernández todos os líderes peronistas regionais. Mas a candidata à vice-presidência manteve-se na sombra e à distância, na Patagónia. Até agora a estratégia está a resultar.