Macau, o "exílio dourado" do irmão assassinado de Kim Jong-un

Filhos do irmão do atual líder do regime norte-coreano passava grande parte do tempo em Macau, onde os filhos frequentaram até os escuteiros lusófonos
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Macau foi para Kim Jong-nam, irmão do líder da Coreia do Norte, assassinado na segunda-feira, uma "exílio dourado", onde passou parte do seu tempo e onde os dois filhos frequentaram a escola e até os escuteiros lusófonos.

"Dizer que estava à espera disto seria claramente um exagero, mas ele era de facto uma pessoa que estava numa situação de grande risco", disse à Lusa Ricardo Pinto, jornalista em Macau e que, ao longo dos anos, escreveu e acompanhou a passagem do filho mais velho do 'Querido Líder' Kim Jong-il.

O meio-irmão do atual líder Kim Jong-un morreu no aeroporto de Kuala Lumpur, na Malásia, envenenado por duas mulheres. O destino do voo que nunca chegou a apanhar era Macau, uma cidade onde pelo menos desde 2001 viveu e passou temporadas e onde os seus filhos e mulher moraram.

Kim Jong-nam chegou a ser apontado como o sucessor do pai, mas tudo mudou depois de ser apanhado a entrar no Japão, em 2001, com um passaporte falso da República Dominicana.

"Ao que parece, essa tentativa de entrada no Japão não foi dada a conhecer a Kim Jong-il, o que o terá feito cair em desgraça. Para grande parte dos observadores, a sua presença em Macau passou a ser uma espécie de exílio dourado", descreve o dono do jornal Ponto Final.

Como quase tudo o que se sabe sobre a Coreia do Norte, nada é definitivo e os verbos são conjugados no condicional: terá sido desde 2001 que Kim Jong-nam passou a viver em Macau de forma permanente, situação que terá mudado após ter sido alvo, anos depois, de uma tentativa de homicídio na cidade, o que terá feito com que passasse a dividir o seu tempo em Pequim; a mulher e os filhos terão, no entanto, permanecido em Macau até irem para a universidade.

"Grande parte da informação que chegava era veiculada pelos serviços de inteligência [e transmitida pelos media sul-coreanos]. Ao longo de todos estes anos, sempre que noticiávamos sobre a presença do Kim Jong-nam aqui em Macau isso não nos ajudava muito a ter absoluta certeza das informações que cá chegavam, porque vinham muito pouco associadas a fontes", explica.

Segundo Ricardo Pinto, entendia-se que Kim veio para Macau como "uma espécie de representante do regime numa zona exterior, responsável por alguns negócios que o regime teria a fazer aqui".

No entanto, "pelo que sempre foi noticiado, o seu estilo de vida dava conta que, mais do que um homem de negócios, era um 'bon vivant', uma pessoa que estava mais preocupada em viver bem a vida, fazendo aqui uma vida de constante permanência em bons hotéis, bons restaurantes, de jogo".

"Não parecia que fosse uma pessoa que do ponto de vista humano, político, ideológico, tivesse alguma coisa a ver com a imagem associada ao regime da Coreia do Norte", indica.

Apesar de, nas poucas ocasiões em que foi entrevistado - interpelado na rua por jornalistas sul-coreanos e japoneses que vinham à sua procura com frequência -, Kim ter frisado o seu desinteresse pela política do seu país, seria visto "por algumas fontes ligadas a estas questões", incluindo o Governo chinês, como um potencial líder de "mentalidade mais aberta" e reformista.

Isso fez com que, segundo Ricardo Pinto, se mantivesse sempre como "um alvo" e o seu homicídio parece confirmar que o Governo norte-coreano quis "eliminar de uma vez por todas a possibilidade de ser utilizado como futuro dirigente do país".

O jornalista nunca conheceu pessoalmente Kim Jong-nam, mas, num artigo em 2009, descreveu, com o pormenor possível e recorrendo sempre a fontes que pediram anonimato, as rotinas dos dois filhos adolescentes, que frequentavam inclusive os escuteiros lusófonos.

Ricardo Pinto aponta para uma situação "surreal", em que os "netos de Kim Jong-il frequentavam os escuteiros lusófonos, cantavam cânticos alentejanos".

"Só não estiveram nunca no jardim do consulado português no 10 de junho a cantar o hino nacional e a olhar para a bandeira a erguer-se no mastro pela simples circunstância de não ser feriado em Macau e a escola internacional que frequentavam ter aulas. Participavam em todas as cerimónias dos escuteiros lusófonos, desde os passeios, idas à missa. Não eram sequer católicos, mas havia essa preocupação de os pôr em contacto com outros miúdos da mesma idade", resume.

Ao longo dos anos, algumas notícias foram surgindo na imprensa portuguesa sobre Kim Jong-nam, e ainda mais rumores.

Em 2003 a imprensa local noticiava que o então eventual sucessor de Kim Jong-il terá sido filmado num casino de Macau a apostar com notas falsas de 100 dólares, e em 2006 os serviços secretos sul-coreanos acusaram-no de dirigir a difusão de dólares falsos através de um banco instalado em Macau, o Delta Ásia.

Em 2007, chegou a ser noticiado que Kim Jong-nam tinha passaporte português emitido em Macau, o que foi depois desmentido pelo então cônsul-geral e pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros.

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