Os projetos de lei do PAN e do Partido Ecologista os Verdes (PEV) para acabar com o leite achocolatado e as carnes processadas nas refeições das cantinas escolares, e impedir os produtos prejudiciais à saúde nas máquinas de venda automática nos estabelecimentos de ensino estão à discussão esta quarta-feira, na Assembleia da República. Ao todo são 14 os projetos de lei sobre cantinas e alimentação nas escolas que vão estar em discussão no parlamento..PEV, BE e PCP defendem também o regresso às cantinas públicas, ponto fim à gestão privada..O partido liderado por Catarina Martins considera que a "política de concessão dos refeitórios escolares à iniciativa privada tem-se revelado desastrosa". "Não só a qualidade da alimentação fornecida aos estudantes baixou de forma dramática como o controlo sobre a quantidade e a qualidade dos alimentos se revelou muito difícil se não mesmo impossível de concretizar de forma continuada", lê-se no projeto lei do BE. Nesse sentido defende que "é necessário pôr termo" ao "processo de privatização do serviço de refeições nas escolas públicas". "A presente lei procede à recuperação para a gestão pública das cantinas escolares dos estabelecimentos de educação e ensino públicos e à criação de mecanismos de contratação do pessoal especializado para o efeito", sugere o partido no projeto de lei que se refere às cantinas das escolas públicas do 2º e 3º ciclos do ensino básico, do ensino secundário e do ensino profissional..O projeto de lei do PCP propõe "que o Governo crie um procedimento para reversão da concessão das cantinas escolares para a gestão pública e que simultaneamente assegure os meios humanos e materiais necessários ao bom funcionamento das cantinas escolares e à qualidade das refeições fornecidas". Na proposta do PEV é recomendado ao Governo que "elabore um plano que contemple medidas para se assumir, de modo progressivo, a gestão direta das cantinas escolares nos agrupamentos e nas escolas não agrupadas, cuja responsabilidade é da Administração Central" e que "garanta que é impedida a renovação de contratos de concessão de cantinas escolares quando são identificados casos de falta de qualidade das refeições escolares, por violação dos respetivos cadernos de encargos"..O PEV apresenta também uma proposta que pretende uma alternativa de bebida vegetal ao leite. É a alimentação escolar de novo em debate, quando a obesidade infantil, consequência da alimentação desequilibrada e de estilos de vida sedentários, parece longe de debelada - em Portugal, uma cada três crianças até aos 10 anos tem excesso de peso..Por isso, diz Mário Silva, presidente da APCOI, a Associação Portuguesa Contra a Obesidade Infantil, "o debate é bem-vindo e medidas para travar o problema também". Mas não pode ser tudo proibido.."Não basta proibir"."Estamos cem por cento de acordo que se retire o leite achocolatado das escolas", diz Mário Silva. "Não faz bem à saúde, tem açúcar a mais, e contribui para a obesidade infantil.".O princípio é o mesmo para as carnes processadas, "mas é preciso ver se há alternativas no caso do fiambre, porque se não houver, não basta proibir. Não é mais saudável comer um bolo ou um pão com manteiga, em vez de um pão com fiambre", alerta. Quanto à bebida vegetal alternativa, "se tiver açúcar adicionado, não é mais saudável do que o leite de vaca"..Já a retirada dos produtos prejudiciais à saúde nas máquinas de venda nas escolas é ideal. "Em vez de bolos, chocolates e bolachas, deve haver fruta, saladas e outras opções saudáveis, isso já é assim noutros países e é importante que se se faça o mesmo Portugal", conclui Mário Silva..A escola onde tudo já acontece.Sopa, claro, e uma salada russa toda às cores - o verde das ervilhas, o branco e o amarelo das batatas e do ovo, as cenouras, tudo cortado aos cubinhos, com umas folhas de alface. Depois a fruta, que pode ser ameixa, ou cerejas, morangos, melancia, maçã ou melão. E uma vela acesa de propósito para a ocasião, no centro da enorme mesa retangular. A toda a volta sentam-se os 20 meninos dos quatro aos seis anos do Jardim de Infância São Jorge, em Alfragide, e as educadoras que os acompanham na refeição. A vela, explica a diretora, Paula Martinez, "cria um ambiente bonito, de harmonia". O almoço, diz, "também é um momento importante de sociabilidade e de partilha"..Este seria, mais ou menos, o cenário ideal das escolas todas, se fossem aprovados os projetos de lei que o PAN e o PEV vão levar ao Parlamento esta semana. Este jardim escola leva as coisas mais à letra. Os alimentos são aqui obrigatoriamente de origem biológica: os cereais e os legumes, o grão, o feijão e as lentilhas, a fruta, "que é muito variada", o tofu, e também os ovos e o leite, que se servem aqui com menos frequência..Neste jardim de infância às portas de Lisboa, há 35 anos que a alimentação é assim: saudável, a pensar "no todo harmonioso da criança em formação", mas nem por isso menos saborosa e aromática. "As crianças comem-na muito bem e com muito gosto", garante satisfeita Paula Martinez..A Júlia, de seis anos, acerca-se, curiosa. E ela gosta do almoço na escola? Júlia acena que sim. "É muito bom", diz sem hesitações. E até tem um prato preferido. "É a massinha com molho de tomate, gosto muito, muito, muito", diz cheia de entusiasmo. Margarida, da mesma idade, concorda. Já o feijão... Júlia faz uma careta..Ovolactovegetariana, esta alimentação, assim pensada e cuidada, é um dos pilares em que assenta a visão pedagógica da escola Waldorf, que é a deste jardim de infância. O menu está estabelecido para cada dia da semana, sempre a começar com a sopa "de legumes tradicional", explica a diretora. Depois, à segunda-feira há tofu, à terça são as leguminosas, como o feijão, o grão ou as lentilhas, à quarta come-se massinha integral com molho de tomate e queijo, um dos pratos mais populares entre as crianças, como já viu; quinta é dia tarte, "feita com farinha integral", e à sexta-feira, a refeição pode variar entre a salada russa ou outras saladas de verão. A finalizar, como a meio da manhã, a fruta é obrigatória..Aqui não entram carne nem fiambres, salsichas com batatas fritas, ou leite achocolatado e refrigerantes, nem mesmo leites vegetais que tenham açúcar adicionado. Tudo isso é processado e contém aditivos, açúcares e sal a mais, e conservantes de vários tipos - tudo nos antípodas da alimentação biológica que há muito é a escolha desta escola..As crianças são habituadas desde pequenas - o jardim-de-infância de São Jorge recebe a partir do ano e meio - a este tipo de alimentos e de paladares, e isso "tem muitos benefícios para a saúde a longo prazo", sublinha Paula Martinez. "Promove a consciência sobre as escolhas alimentares e, mesmo que, depois, na adolescência os miúdos passem por uma fase de menor critério, voltam mais tarde a comer de forma mais saudável"..Para muitos pais, esta foi, aliás, uma questão decisiva na escolha. Ana Conceição, que tem ali as duas filhas, Violeta, de quatro anos, e Concha, de dois, não podia estar mais satisfeita. "É uma questão decisiva e eu fico supertranquila por saber que as minhas filhas têm este privilégio de uma alimentação saudável", diz. Por causa disso, Ana até já mudou muito a forma como a família come em casa. Faz mais pratos vegetarianos, embora às vezes as filhas se queixem "de que na escola é melhor", como diz a sorrir. Decisiva é a questão da saúde. "O meu pai tem diabetes tipo 2, por causa da alimentação, e isso revolta-me". Ana preferiu esta escolha, e acredita nela.