"Sim, eu tenho preocupação", admitiu Lula da Silva, do Partido dos Trabalhadores (PT), quando perguntado sobre se temia um atentado em campanha. Numa entrevista a uma rádio local, o líder das sondagens para a eleição presidencial de 2 de outubro no Brasil aproveitou ainda para associar o presidente Jair Bolsonaro (Partido Liberal), seu principal concorrente, às milícias do Rio de Janeiro. A poucos dias de intensificar comícios país afora, o presidente de 2003 e 2010 aceitou os conselhos dos assessores para reforçar a segurança pessoal..No final de fevereiro, o candidato do PT começou por se mudar da sua residência em São Bernardo do Campo, nos arredores de São Paulo, considerada precária em matéria de segurança, para um apartamento mais protegido na zona oeste da maior cidade brasileira, escreveu o jornal O Globo. Por outro lado, mesmo com direito a quatro guarda-costas, na qualidade de antigo presidente, Lula concordou em duplicar o número de seguranças pessoais. E, finalmente, nunca repete um local de encontro com aliados - se num dia os recebe em casa, noutro dirige-se a um hotel e num terceiro à sede do seu instituto, também em São Paulo..Em recente périplo pelo Paraná, a direção do PT naquele estado discutiu a organização dos atos com o secretário de Segurança Pública paranaense e com as chefias das polícias militar e civil locais, além de contratar empresas de segurança privada, noticiou o jornal Metrópoles. O Paraná é considerado reduto bolsonarista, além de estado natal de Sergio Moro, ex-ministro que também concorre ao Palácio do Planalto..Em finais de abril, ou já no dia 1º de maio, Lula deve participar no primeiro ato público de pré-campanha, em São Paulo, ao lado dos seus candidatos a vice-presidente, Geraldo Alckmin (Partido Socialista Brasileiro), e a governador estadual, Fernando Haddad (PT), mas a organização ainda avalia se o faz num local aberto ou fechado..A preocupação de Lula é pertinente? Ou é estratégia de vitimização? Será paranoia? Para Rafael Alcadipani, professor da Fundação Getúlio Vargas e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, "ela justifica-se".."Infelizmente, não se pode descartar qualquer tipo de atentado ou ação violenta, o Brasil tem um histórico de violência em todas as áreas, inclusivamente na dos atentados políticos, e o Lula encontra uma forte resistência de grupos bolsonaristas que já utilizaram violência no passado, sendo que o próprio Bolsonaro foi vítima de um atentado".."Devem temer-se, sim, casos de violência não só contra os principais candidatos e outros como, lamentavelmente, em brigas entre os seus apoiantes", continua o académico ao DN..O histórico a que Alcadipani se refere inclui exemplos mediáticos. Em dezembro de 1963, os senadores Silveira Péricles e Arnon de Melo, rivais políticos em Alagoas, insultaram-se na câmara alta do Congresso brasileiro ao ponto de o segundo, pai do futuro presidente Collor de Mello, ter disparado na direção do primeiro. José Kairala, parlamentar que se despedia do plenário naquele dia, acabou atingido fatalmente pelo tiro ao tentar apaziguar a discussão. Arnon foi detido e depois solto por o caso ter sido tratado como acidente..Edmundo Pinto, governador do Acre, foi morto a tiro, em 1992, por três homens no quarto 707 do Hotel Della Volpe Garden, em São Paulo, às vésperas de depor numa Comissão Parlamentar de Inquérito sobre corrupção. Os criminosos admitiram, mais tarde, terem sido pagos para executar o crime..Em 1996, a polícia considerou "crime passional", o caso da morte de PC Farias, protagonista em escândalo no governo de Collor de Mello, de quem era assessor financeiro, num quarto de hotel ao lado da namorada, também morta.."Toninho do PT", prefeito de Campinas, foi assassinado com três disparos enquanto guiava o seu carro, em setembro de 2001, num caso fechado pela polícia como discussão de trânsito. A família do político não aceitou o desfecho, assim como, no ano seguinte, os irmãos de Celso Daniel, prefeito de Santo André, também do PT, não se conformaram com a conclusão policial de "crime comum" após o sequestro e homicídio do autarca. O crime, a cumprir 20 anos este ano, tem sido objeto de documentários e usado por Bolsonaro para lançar a suspeita de envolvimento de altos dirigentes do PT no assassinato do seu correligionário..No ano das últimas eleições gerais, 2018, a execução de Marielle Franco, vereadora do Rio de Janeiro, atingida, em março, por disparos no centro da cidade, e o atentado à faca contra Bolsonaro, então candidato presidencial, em Juiz de Fora, em setembro, são notícia desde então - e alvo de especulações, teorias da conspiração e muita indignação, tanto à esquerda como à direita. .Os casos mediáticos, entretanto, são apenas a ponta de um iceberg de crimes - a maioria, impunes - na política do Brasil. De acordo com pesquisa do politólogo Pablo Nunes, coordenador do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania, em novembro de 2020, mês das últimas eleições municipais, foram contabilizadas 25 tentativas de homicídio contra candidatos a prefeito e vice-prefeito - cinco resultaram em morte. Nos meses anteriores, em plena campanha, morreram 12, em setembro, e 14, em outubro..No total, o sangrento 2020 somou 85 óbitos e 100 agressões por motivos políticos - o levantamento considerou apenas homicídios para garantir espaço na máquina pública, vingar a morte de um aliado ou tirar do jogo uma testemunha, excluindo, portanto, mortes de políticos em casos passionais ou na sequência de assaltos. "Longe das grandes cidades, a tensão e a sensação de impunidade são ainda mais elevadas e no Brasil apenas 10% das mortes violentas são resolvidas", concluiu Nunes..As emboscadas em locais públicos são o método mais comum dos assassinos de candidatos. Os autores, quando descobertos, estão sobretudo ligados à ação das milícias, nas periferias das grandes cidades, e a grupos de matadores profissionais, no interior do país..No caso de Lula, houve uma intimidação recente. José Sabatini, um empresário de Arthur Nogueira, cidade no estado de São Paulo, ameaçou de morte o candidato em março de 2021. "Se você não devolver os 84 bilhões [84 mil milhões de reais] que você roubou do fundo de pensão dos trabalhadores, você vai ter problema", acusa em vídeo Sabatini, enquanto dispara, com uma bandeira do Brasil amarrada à cintura, na direção de alvos colocados na trave de uma baliza de futebol. "Não tenta transformar meu país numa Venezuela. Eu vou derramar meu sangue, mas vou lutar pelo meu país. A minha parte eu vou fazer", prosseguiu..A polícia civil investiga o empresário por crime de ameaça, suspeita de incitação ao crime, calúnia, porte ilegal e disparo de arma de fogo. Gleisi Hoffmann, presidente do PT, processou o autor: "São valentes nas redes mas quando têm de responder ao processo ficam mansinhos, com medo, igual ao Bolsonaro".