O governo de Lula da Silva lançou com pompa, circunstância e a presença de ministras, de deputadas, de senadoras e da primeira-dama Janja da Silva, a campanha "Brasil Sem Misoginia", em resposta ao aumento de 251% das denúncias de discurso de ódio na internet contra as mulheres, na manhã do dia 25 de outubro. Uma hora antes, no entanto, o presidente da República havia demitido Rita Serrano, presidente da Caixa Económica Federal, cujo status é equiparável a um ministério. Serrano foi a terceira mulher demitida - e substituída por um homem - em 10 meses de governo..Antes da líder do banco estatal que deu lugar a Carlos Fernandes, caíram Daniela Teixeira, ministra do Turismo substituída por Celso Sabino, e Ana Moser, ministra do Desporto que entregou a pasta a André Fufuca..O nome de Fernandes foi exigência de Arthur Lira, o poderoso presidente da Câmara dos Deputados que vincula o apoio parlamentar dele e dos seus aliados ao governo a indicações para cargos. Principal liderança do chamado Centrão, o grupo de deputados que troca assumidamente apoio a projetos do executivo por nacos na administração pública, Lira quer ainda distribuir todas as 12 vice-presidências do banco por partidários seus..Na rubrica semanal "vencedores e perdedores da semana" da coluna Painel do jornal Folha de S. Paulo, Lira foi citado como vencedor por "finalmente abocanhar a Caixa Económica Federal" e as mulheres do governo Lula citadas como perdedoras por terem sido "novamente sacrificadas em nome da governabilidade"..O género do presidente da Caixa Económica Federal tem ainda um peso simbólico porque Pedro Guimarães, o líder do banco durante o governo de Jair Bolsonaro, é réu por assédio sexual a funcionárias da instituição..A agora ex-presidente Rita Serrano publicou texto no X, ex-Twitter, a dizer que espera ter deixado "como legado a mensagem de que é preciso enfrentar a misoginia"..A troca de Daniela Teixeira por Celso Sabino, por sua vez, deveu-se a questões internas do União Brasil, fusão do partido herdeiro da ditadura militar com a formação política pela qual Bolsonaro se candidatou em 2018, que para aderir ao governo Lula exigiu três ministérios. Teixeira não agrada a alguns setores do União, ao contrário de Sabino, apoiado por todos..E Ana Moser foi uma das sacrificadas por Lula na remodelação governamental de setembro que atribuiu mais peso aos partidos do referido Centrão e diminuiu a presença de independentes de esquerda no executivo. No lugar da ex-ministra entrou Fufuca, que há menos de um ano pedia votos para Bolsonaro na eleição presidencial..Lula atribuiu aos aliados de circunstância a culpa pela diminuição do peso feminino no governo. "Lamento profundamente não poder indicar mais mulheres do que homens no governo, acontece que, quando você estabelece uma aliança com um partido político, nem sempre o partido tem uma mulher para indicar, mas isso não quer dizer que eu não possa tirar homens e colocar mulheres no governo", prometeu em encontro com jornalistas.."Eu ainda posso trocar muita gente, só estou com dez meses de mandato, e eu posso ter uma maioria de mulheres, eu pedi aos partidos para fazer um esforço para indicarem mulheres", prosseguiu. "A mulher veio para fazer política e para ficar", concluiu em encontro com jornalistas..Cida Gonçalves, ministra das Mulheres, corroborou a opinião do presidente, em entrevista ao Broadcast Político. "Nós temos que perguntar por que razão quem pediu o lugar da Caixa não indicou uma outra mulher, não acho que seja uma decisão única, sozinha e individual do presidente Lula". "Então nós vamos perguntar aos partidos: "Vocês não têm mulheres?" (...) nós precisamos responsabilizar quem nós temos que responsabilizar", continuou..No parlamento, entretanto, Lula foi criticado da esquerda à direita, incluindo pelo PT, partido de centro-esquerda do presidente. "Estas demissões demonstram que nós, enquanto parlamentares, devemos estar atentas e entender que as ideologias políticas devem ficar de lado quando o assunto é direitos das mulheres. Elegemos nas urnas os direitos das mulheres, devemos cobrá-los", disse ao portal G1 Camila Jara, do PT.."Partidos que até ontem estavam com Bolsonaro estarão em postos chave do governo, como um banco público, responsável por projetos sociais. Vai na contramão da política que queremos, fortalece o clientelismo e enfraquece a paridade de género na política, pela qual lutamos há tanto tempo", afirmou Fernanda Melchionna, do PSOL, de esquerda, ao portal G1..Para o presidente do Novo, de direita, Lula é "covarde" e "hipócrita" por culpar os partidos aliados pela falta de mulheres. "Lula é um covarde por se eximir da responsabilidade de cumprir suas promessas e de valorizar as mulheres no primeiro escalão e um hipócrita por fingir que realmente se importa com isso", criticou Eduardo Ribeiro..Em março, antes da adesão de partidos do Centrão ao governo e consequentes remodelações para acomodar os indicados do grupo, as mulheres representavam 45% da força de trabalho do executivo mas apenas 33% dos postos de alto escalão, segundo estudo do Observatório de Pessoal, lançado pelo Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos. No governo Bolsonaro a percentagem era de 26%, não muito distante da atual, sob Lula..Além do governo, Lula tem o poder de escolher juízes do Supremo Tribunal Federal (STF), como Cristiano Zanin, o seu ex-advogado pessoal que nomeou para o lugar do reformado Ricardo Lewandowski, em maio. Como, desde outubro, está vaga a posição da também aposentada Rosa Weber, setores de esquerda fazem pressão para que o presidente indique para o STF uma mulher negra. A 25 de setembro, porém, o presidente brasileiro avisou que género e cor da pele não serão critério - três homens são falados para o posto. Ainda na área judicial, Augusto Aras, Procurador Geral da República muito ligado a Bolsonaro, terminou o mandato. Elizeta Ramos assumiu o posto interinamente mas não há indicação de que Lula a efetive.