Luís Newton: "O PS está a agir como se ainda estivesse a governar Lisboa"
Na última reunião da Câmara de Lisboa, o PSD viabilizou uma moção do PCP a pedir a suspensão das obras da linha circular do metro. Este entendimento pode ser uma solução de governabilidade para a autarquia?
Há assuntos em que é possível convergir de forma muito alargada. Se olharmos para a votação que houve na Assembleia da República, o PS foi o único partido que votou a favor da linha circular. Há uma visão muito alargada de que esta não é a melhor opção.
Mas vê esta convergência a repetir-se neste mandato?
O desafio da governação da cidade de Lisboa nos próximos anos é os vereadores compreenderem que, em determinadas matérias, há interesses que ultrapassam a dimensão individual, ou mesmo partidária. A cidade não pode ficar parada. Houve um resultado eleitoral, há um presidente da câmara. Os lisboetas querem este presidente. Acho que o PS ainda não terá compreendido que os lisboetas quiseram mesmo que o anterior presidente da câmara não continuasse. Lisboa quis um novo presidente, o fim daquele ciclo. Esta questão é muito importante para interpretarmos como é que vamos construir a partir daqui. Tenho visto com alguma preocupação algumas intervenções que, de certa forma, demonstram que o PS não foi capaz ainda de compreender que a governação da cidade agora não está a seu cargo, está a cargo do novo presidente da câmara.
Carlos Moedas, na tomada de posse, exigiu respeito pelo seu mandato. Isso não está a acontecer?
O PS tem, amiúde, às vezes de forma muito envergonhada, procurado transmitir a ideia de que o presidente da câmara acabará por estar lá para cumprir o mandato do PS, fazendo crer que uma maioria - que eles querem que seja uma maioria de esquerda na Assembleia Municipal - irá, de alguma forma, condicionar a implementação do programa que os lisboetas votaram em maioria: votaram mais no programa da coligação Novos Tempos, votaram mais em Carlos Moedas para presidente. E é muito importante que se compreenda que, em autárquicas, há uma diferença substancial relativamente às legislativas. Nas autárquicas as pessoas votam, claramente, no presidente de câmara. Não é uma questão de maiorias na vereação ou na Assembleia Municipal: as pessoas escolhem o presidente de câmara. Julgo que estes primeiros dias de trabalho já têm mostrado a intensidade que Carlos Moedas quer trazer à cidade. Há dois aspetos que destaco. Desde logo, a vontade expressa de Carlos Moedas em recuperar o Hub Criativo do Beato, um projeto que parece ter caído no esquecimento. Outra dimensão importante, que já está a ser trabalhada, é a redução dos passes. Tal como redução das tarifas da EMEL para residentes. São três exemplos de matérias que já estão em grande carburação, que mostram a vontade de aplicação das principais medidas que se querem implementar na cidade. Agora, há uma coisa que não verão Carlos Moedas fazer. Se calhar viam Fernando Medina fazê-lo: antes sequer de estarem planeados centros de saúde já havia cartazes a dizer "vai ser aqui". Carlos Moedas não é um político de show off, é um político de realização, de concretização. Não vai estar a anunciar as coisas, isso é a práxis do PS, vai estar a apresentar resultados. E é aqui que vamos começar a medir as diferenças.
Uma das críticas que o PS faz ao atual executivo é precisamente de inação neste primeiro mês. O que é que responde a isso?
Isso é uma avaliação que o PS faz. O que é importante que os lisboetas compreendam é que esta coligação Novos Tempos, e o presidente Carlos Moedas, não se reveem numa cidade pop up. A coligação está interessada na construção de soluções, não em medidas pop up. Nós planeamos, não anunciamos antes de ter os dados todos, a ideia clara e concreta de como é que o projeto vai evoluir. Claro que para o PS já devia haver fanfarra, outdoors a dizer estamos a fazer isto, aquilo, aqueloutro... Há uma diferença. É um pouco como fábula da cigarra e da formiga: a Lisboa que terminou o ciclo nestas últimas eleições é a Lisboa da cigarra. Esta é a governação da formiga: estamos cá para trabalhar, não andamos a anunciar, apresentamos quando as coisas estão prontas.
Do que já disse, acha que o PS não percebeu o que aconteceu nas autárquicas?
Parece-me muito evidente que o PS não compreendeu porque é que se afastou tanto da comunidade e da cidade que quis servir. Isso revela-se nesta ideia de que, em um mês, já devíamos estar aí com grandes obras a acontecer.
Mas a Câmara demorou praticamente um mês a atribuir os pelouros. Não é demasiado tempo?
O que esteve a ser feito foi uma análise muito cuidada de dois aspetos importantes. Primeiro, compreender o estado da arte. A atribuição dos pelouros não é uma questão meramente administrativa, há todo um trabalho de articulação que é preciso fazer. E há um primeiro momento, que o PS agora pretende escamotear, em que o PSD começou por colocar em cima da mesa a possibilidade de existirem mais vereadores com pasta. Houve contactos nesse sentido, não era sério o PSD estar a fechar pastas sem ter feito um esforço verdadeiro...
Esses contactos foram feitos com quem?
Foram feitos pelo Carlos Moedas com as várias forças políticas, não houve discriminação. Aliás, a única força política que, logo desde o início, disse "não queremos nenhuma pasta" foi o Bloco de Esquerda, que deixou evidente que não iria ter qualquer participação no executivo. Falou-se com todas as forças políticas, esperou-se o tempo de resposta e teve-se a honestidade, intelectual e política, de não estar atribuir pelouros à coligação Novos Tempos enquanto não estivessem encerradas as conversas com outros partidos políticos.
As críticas que o PS já vai fazendo a Carlos Moedas não mostram que há um clima pouco propício a entendimentos em Lisboa?
As críticas do PS são sobretudo um sinal de desorientação. Por exemplo, a proposta sobre o alojamento local que apresentaram na câmara: é um sinal claro da desorientação profunda. O PS está claramente desorientado, [dividido] entre a vontade de querer governar e a vontade de fazer oposição barata. Um exemplo concreto, que para mim é um sinal de vício de poder: qual foi a primeira decisão que o PS tomou? Foi colocar o seu gabinete no mesmo edifício, nas instalações da Praça do Município, por cima da SRU [Sociedade de Reabilitação Urbana Lisboa Ocidental, a empresa municipal responsável pelas obras na cidade]. Tantos sítios onde podiam ter colocado o gabinete da oposição do PS, foram colocá-lo por cima da SRU.
Está a dizer que o PS está com dificuldade em sair da Praça do Município [sede da Câmara], é isso?
Está com dificuldade em desligar-se da SRU e da Praça do Município. Estes vários sinais mostram que o PS ainda não compreendeu porque é que não mereceu a confiança dos lisboetas para continuar um mandato que já vinha desde 2007. O PS perdeu quase 40 mil votos desde o resultado de 2013. Isto é substancial. Na cidade de Lisboa representa quase 10% do universo eleitoral. Não compreenderam, não estão a fazer um esforço para compreender, e ao mesmo tempo estão a agir como se ainda estivessem a governar Lisboa.
Mas o PS - com as bancadas mais à esquerda - pode inviabilizar, na prática, a governação. O que é que a coligação Novos Tempos fará perante um cenário desses?
Procurará continuar a servir a comunidade, que demonstrou uma confiança maioritária em Carlos Moedas para exercer o mandato. As matérias de governabilidade ou não governabilidade decidem-se em dois momentos fundamentais. O primeiro é com a aprovação das delegações de competências: aí ficamos com uma ideia clara de quais são as atribuições feitas ao presidente de Câmara para fazer a gestão da cidade. Tivemos esse primeiro momento ultrapassado com sucesso. Vamos ter um segundo momento, que é o da aprovação do orçamento, em que vamos avaliar as condições que a câmara vai ter para governar a cidade no próximo ano. A partir desse momento sabemos duas coisas: que a maioria de esquerda pode aprovar, paralelamente, um conjunto de medidas e propostas, em reunião de câmara, que podem, inclusivamente, perigar os objetivos estratégicos da coligação e do presidente da câmara. E a questão que está em cima da mesa é o que é que acontece quando a maioria de esquerda inviabiliza as ferramentas de gestão camarária e, simultaneamente, propõe medidas de governação que são a antítese do programa que foi sufragado pelos lisboetas. Nessa altura há uma reflexão que deve ser feita sobre o que é mais prejudicial. Agora, há uma questão que é incontornável: há um limite para a desgovernabilidade que o PS pode incutir ao modelo da Câmara. O que o PS pode tentar é manter o mesmo grau de desgovernabilidade que já vinha a ter nos últimos anos e, que do nosso ponto de vista, é parte da razão pela qual perderam a confiança dos lisboetas. O PS não foi capaz de compreender que a cidade não é uma cidade pop up, que as pessoas não aceitam que a governação e gestão da cidade seja feita em cima do joelho, sem planeamento, sem estudos. Esta ideia do "quero, posso, mando e faço", que era o que existia até às autárquicas, ruiu com a quebra da confiança dos lisboetas. Terá que ser o PS a assumir o ónus de continuar a insistir no mesmo modelo que o trouxe à derrota nas autárquicas.
Falou na questão do passe social e nas tarifas da EMEL. Vão ser as primeiras medidas a avançar?
Serão das mais emblemáticas entre as propostas eleitorais que o presidente da câmara tem para a cidade. Esta ideia que às vezes é veiculada de que "agora já ninguém sabe o que é que é feito do programa"... As pessoas sabem muito bem no que é que foram votar. As pessoas não são tontas. Isto de o PS tratar os lisboetas como se fossem tontinhos... as pessoas sabem exatamente as razões pelas quais votaram A, B ou C. As nossas medidas são claras e os objetivos também. Vamos ver é se o PS vai permitir ou vai querer bloquear.
Mas, de facto, o programa da coligação já não está disponível online. Não devia estar?
Não foi uma questão que nos tenha assaltado, ninguém se lembrou "quando deixar de existir o site da candidatura, vai desaparecer o programa". Esta ideia de que há pessoas aí pelas ruas a gritar à janela "queremos o programa de novo online" e que essa é a principal preocupação dos lisboetas...
O PS diz que estão a esconder as vossas propostas porque não as vão conseguir cumprir.
Isso é um fait divers. O que o PS está a querer fazer é, na ausência de temas, forjá-los. Mas quem é que acha que Carlos Moedas haveria de querer esconder alguma coisa do seu programa? Mas se isso é um problema, resolve-se. Vou falar com o presidente da câmara e com as restantes forças políticas para se colocar o programa nos vários sites dos partidos. Essa crítica é só mais um sinal da desorientação do PS.
Voltando às propostas que referiu. Quando é que vão avançar?
Não me vou antecipar ao presidente da Câmara. Mas quero recordar que é uma boa prática fazer aquilo que se chama a avaliação dos 100 dias. E estou convencido que o presidente, quando for a avaliação dos 100 dias, vai querer pôr já um "certo" num conjunto de medidas que serão passíveis de ser implementadas já a partir de 2022.
Carlos Moedas disse que ia acabar com a ciclovia da Almirante Reis. Isso vai avançar?
Em primeiro lugar, não é só a ciclovia da Almirante Reis, há um conjunto de ciclovias na cidade que seguiram esta lógica pop up, que na verdade só demonstra ausência de planeamento, e que têm de ser revertidas. O que é que se pretende dizer com isso? O objetivo não é revertermos o caminho da descarbonização, nem da transição para mecanismos de mobilidade suave. Mas não chegamos lá, como se fazia no passado, e dizemos "agora passa por aqui um traçado". Não. O que está a acontecer é que temos que remover aquela ciclovia dali...
Não há dúvidas? Vai ser retirada?
Não há dúvidas. Mas está a recolher-se um conjunto de pareceres, de entidades relevantes no âmbito da mobilidade. O PSD não faz as coisas ao contrário. Há planeamento, envolvimento da própria cidade. Aquela ciclovia vai ter de ser retirada de onde está. Estão a ser analisadas alternativas que, eventualmente, possam passar por outras zonas, que não tenham aquele impacto. É isto que será apresentado em breve, com uma solução.
Em breve é quando?
Não me vou querer antecipar, mas esta será uma daquelas matérias fulcrais em que os lisboetas estão à espera de respostas o mais rapidamente possível. Mas não nos verão fazer anúncios antes de termos o planeamento bem consolidado.
susete.francisco@dn.pt