Luanda acolhe hoje e amanhã a XIII cimeira de chefes de Estado e Governo da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP), com Angola a assumir a presidência rotativa desta comunidade de 300 milhões de habitantes. A um ano das eleições gerais, nas quais o presidente João Lourenço é o favorito apesar de a lua-de-mel do primeiro mandato já ter acabado, "é uma Angola em crise, de natureza económica com reflexos políticos", aquela que assume a liderança de deste organismo, disse ao DN o professor Fernando Jorge Cardoso, investigador do ISCTE - Instituto Universitário de Lisboa e do Instituto Marquês de Valle Flor..Quando em setembro de 2017, José Eduardo dos Santos optou por não se candidatar à presidência, depois de mais de quatro décadas no poder, dando lugar a João Lourenço (conhecido como JLo), muitos acreditaram que continuaria a "puxar os cordelinhos", lembrou ao DN o diretor para o Programa de África da Chatham House (think tank londrino), Alex Vines. "Mas em seis meses, a imagem de marioneta deu lugar à do "exterminador". As mudanças foram inicialmente mais rápidas do que o esperado e isso aumentou as expectativas de mudança. Contudo, a lua-de-mel acabou em 2020, visto que a maioria dos angolanos não viu qualquer melhoria nas suas condições de vida e 2021 será o sexto ano de contração económica", acrescentou..Na prática, explicou Fernando Jorge Cardoso, "o atual governo é uma continuidade do regime, com alterações de personalidade de quem está à frente e com algum avanço do ponto de vista do respeito pelo estado de direito". Porém, quando JLo assumiu o poder, "criou uma expectativa completamente fora da realidade", referindo-se ao momento em que ele disse que "Agostinho Neto foi o presidente da independência, José Eduardo dos Santos foi o da paz e eu vou ser o do desenvolvimento"..Para o professor, "quando João Lourenço fez esta afirmação estava a criar uma expectativa absolutamente impraticável" porque "a principal fonte de rendimentos, isto é, o petróleo, já estava em questão". E hoje a situação é pior. Motor da economia angolana durante décadas, esta "é uma indústria que está condenada a prazo", já que novos investimentos não são viáveis - quer por ser mais caro explorar poços offshore de difícil acesso, quer por haver uma mudança de mentalidade a nível mundial em relação aos combustíveis fósseis. "Isto significa uma perspetiva absolutamente dramática para o futuro da economia angolana. E para qualquer governação política", acrescentou Fernando Jorge Cardoso..Por seu lado, Alex Vines, referiu que "a pandemia de covid-19 exacerbou ainda mais as fraquezas económicas subjacentes, reduzindo as oportunidade de emprego tanto no setor formal como no informal, que levarão anos a recuperar. Isto resultou numa onda de protestos em 2020 devido ao aumento da insatisfação com a capacidade do governo em melhorar a qualidade de vida"..O problema que se coloca é como fazer a transição da dependência de petróleo para a produção de outros bens e serviços que sustentem a economia angolana, com os analistas a apontar como solução uma aposta no mercado interno, onde ainda existe uma importante classe média e uma população centrada nos centros urbanos. Ao mesmo tempo, JLo procurou recuperar o dinheiro que foi colocado ilegalmente no exterior, seja com ações no sistema de justiça, seja convencendo os camaradas a recambiarem o dinheiro: "Os que fizeram isso não estão a ser tocados", referiu o português.."A campanha anticorrupção de JLo teve dois objetivos: reforçar o seu controlo sob o poder ao reconstruir o apoio para o MPLA, quando se prepara para as primeiras eleições municipais e para as eleições gerais em 2022, e dar a volta à frágil economia e começar a diversificá-la para lá do petróleo", disse Alex Vines. "Ele espera um segundo mandato e cada vez mais todas as decisões políticas, incluindo as relacionadas com a economia, visam garantir uma maioria do MPLA e um segundo mandato para si", acrescentou o britânico..Para Fernando Jorge Cardoso, o futuro a médio prazo levanta duas importantes questões: "Será que o governo tem a capacidade de perceber que tem que ser o estado angolano a realizar investimentos na produção de bens e serviços sem hostilizar o setor privado que também o queira fazer? E será que existe financiamento para isto?". O professor lembra, por exemplo, que os cofres chineses já estão fechados. "Angola não está a pagar. É o principal devedor da China em África, também porque foi o principal destino dos investimentos e empréstimos em África", referiu..Para Alex Vines, o facto de Angola assumir a presidência em exercício da CPLP (dois anos) a um ano das eleições é algo "prestigioso", questionando se o país fará a reforma institucional urgente que o organismo necessita. Em questão de temas, em cima da mesa da cimeira estará o acordo de mobilidade, com Fernando Jorge Cardoso a alegar que haverá "declarações bonitas", mas na prática Portugal não pode fugir ao acordado no Espaço Schengen e entre os outros países a mobilidade é quase inexistente..O investigador português também é contra a ideia de trazer uma vertente empresarial para a CPLP, defendendo que esta "não é viável e só irá criar expectativas que não são viáveis". Alega que os negócios entre os países-membros já existem e "não têm expressão" dentro das economias. Fernando Jorge Cardoso preferia ver, por parte de Angola, uma iniciativa para um pronunciamento sobre a vacinação contra a covid-19 e o levantar das patentes..susana.f.salvador@dn.pt