Lisboa e o logradouro da minha rua

Uma lisboeta insatisfeita mais com os seus vizinhos que com o presidente da câmara, a gripe A e 40 minutos à espera de uma consulta no centro de saúde<br />
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A minha rua é nas Avenidas Novas, em Lisboa. Um lugar a meio caminho entre a total terciarização - muitos prédios ocupados por escritórios - e um bairro de classe média. A planta geométrica abre espaços para jardins como o que fica entre a Igreja de Fátima e a Avenida Elias Garcia, com parque infantil e um espaço para as pessoas porem os seus cães a fazer as necessidades. Pois nenhum dono põe nenhum cão a passear onde devia, fazem--no na relva circundante, onde também nenhum pai já brinca com nenhum filho. Quando o jardim esteve quase abandonado e a junta de freguesia distribuiu folhetos a dizer que não tinha verbas para jardineiros, ninguém se mexeu para encontrar uma solução local. Nós, os que, de facto, usufruímos do jardim. Ficou assim mesmo até que a câmara fornecesse as tais verbas. Não saindo dos meus 500 metros quadrados de espaço vital tenho outra história urbana para contar: atrás do meu prédio havia um logradouro, com árvores, plantas e o que mais apetecesse aos moradores. Pois bem, desde há dois anos cresceu nos ex-quintais dos meus vizinhos de uma dezena de prédios um enorme barracão com telhado de zinco. Dizem-me que os moradores abdicaram do direito ao logradouro. E automutilaram a sua vista por uns trocos... A mim restou-me uma árvore e um cantinho de que um lar de idosos não abdicou. Eu penso nestas realidades do meu dia-a-dia de lisboeta, olho para os dois candidatos à Câmara de Lisboa e, além de ter pena deles, percebo que só queiram falar de números, orçamentos, dívidas... Essa linguagem os meus vizinhos percebem. E devem-se estar nas tintas se há projectos ou não para a cidade. 

40 minutos no centro de saúde

Depois de ter de lá saído, disseram-se que tive muita sorte. Pode ser, mas num país onde a produtividade anda pelas ruas da amargura, custa-me baixar os braços. Estive ontem 40 minutos à espera de uma médica no Centro de Saúde de Benfica. Esta minha incursão pelo SNS teve bons motivos: tinham-me a dizer que eu já tinha médica de família. Achei um serviço eficientíssimo, com perguntas sobre a minha saúde, vacinas, exames. Marquei consulta. A primeira impressão foi boa e a segunda também: o atendimento impecável. Paguei dois euros e 15 cêntimos. O esforço orçamental - nem quero saber quanto custa uma consulta destas ao estado - compensava, até aí, o serviço. Depois começou a espera. Desci para perguntar à recepcionista se havia problema. "Não, é a primeira. A doutora é que está um bocadinho atrasada." Um atraso à portuguesa, 5, 10 minutos, aguenta-se sem bufar. 40, já dói. Sobretudo a quem está habituado a não desrespeitar os outros sob pena de perder notícias, contactos, fontes… enfim, negócios. Então ela chegou. E não me pediu desculpa. Não arranjou um álibi que explicasse o atraso. Acabei por não dizer nada. Fui cobarde, mas qualquer paciente sabe que está numa posição de inferioridade. Esperei para ver como seria a consulta. Nem me auscultou. Disse que estava saudável e mediu-me a tensão. Deve ter acabado aqui a minha relação com o SNS. Não por causa dele, coitado, mas por causa dos que não o servem em condições profissionais que me satisfaçam. Tenho sorte, sei. Posso escolher. A consulta a seguir, que estava marcada para as 09.20 na ficha da "doutora" e nem às dez e dez se realizaria, era para um evidente reformado que chegou com o seu saquinho de plástico cheio de medicamentos. E todo o tempo do mundo.

A gripe A numa garrafa de água

Ontem o DN dava conta de um estudo que está a ser feito aos portugueses pela Escola Nacional de Saúde Pública e que indicia que há pouca sensibilização para a gripe A. A minha experiência empírica diz-me o mesmo. As pessoas podem andar assustadas, mas não fazem nada. No centro de saúde onde estive não havia um único dispensador de desinfectante - sendo que as portas se abriam segurando nas maçanetas. A minha médica cumprimentou-me com um aperto de mão e não acredito que vá lavar as mãos a cantar os parabéns a você duas vezes, como mandam as regras, entre cada doente. Não a vi a sair da sala a seguir à minha consulta. No restaurante da praia onde estive, o sabonete havia acabado há muito. E, no areal, nas colónias de férias tardias, os miúdos eram alimentados com a mesma colher que percorria iogurtes uns atrás dos outros. Para já não falar da única garrafa de água que ia de boca em boca. Gripe A, vem depressa, estamos mesmo bem preparados para te receber!

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