1. Este título não pretende ser irónico porque é completamente objetivo. Portugal começou a desenhar uma via férrea há quase 200 anos mas só colocou a primeira pedra para o arranque do Lisboa-Carregado em 1852. Inaugurou a ligação Lisboa-Porto (Linha do Norte) apenas em 1877. E daí até hoje, a mesma via, sujeita a várias reparações e sistemáticas interrupções para quem viaja, continua a obrigar a perto de três horas para uma deslocação entre as duas cidades mais importantes do país - uma velocidade média bizarra face a qualquer país desenvolvido..Quando esta semana a Comissária Europeia da Política Regional anunciou 119 milhões de euros para modernização do troço mais decrépito da Linha do Norte (Ovar-Porto), ficou por esmiuçar o que isto significa exatamente. Ou melhor, estão escritas quatro generalidades: "Reforço da competitividade do setor ferroviário; prevenir riscos de segurança; aumentar o conforto; diminuir o ruído". Está à vista que isto é quase nada. A única solução passaria por quadruplicar as vias entre Ovar e Porto, tal como foi feito no troço entre Azambuja e Lisboa, o que obviamente custaria muitíssimo mais que 119 milhões. Sem isso não poderá haver uma velocidade próxima dos 200 km/hora naqueles quilómetros - nem uma ligação regular para os suburbanos entre Aveiro e Porto..2. É extraordinário pensarmos como chegamos aqui. Não foi por falta de exemplos, ou tecnologia, ou dinheiro... Em 1992, Espanha inaugurou o AVE (Alta Velocidade Espanhola) entre Madrid e Sevilha durante a Expo 92. Recebeu abundantes fundos comunitários, já lá vão quase 30 anos. Depois seguiu-se Barcelona, Galiza e hoje quase toda a Espanha tem alta velocidade..O que aconteceu por cá? Quase 17 anos depois de Sevilha, andávamos nós a debater eleitoralmente o "TGV". Sócrates a favor, Manuela Ferreira Leite e Paulo Portas contra. O que discutíamos? Não a modernização da linha e a nova bitola europeia. A questão nunca passou do custo do "Ferrari" ferroviário..A verdade é que a Política Europeia (de Coesão e Transportes) nos pagava 80 por cento do investimento nas linhas Lisboa-Porto e Lisboa-Madrid, e essa oportunidade perdeu-se..Os estudos mostravam potencial rentabilidade no serviço Lisboa-Porto (sete milhões de passageiros por ano) e défice claro no Lisboa-Madrid (inferior a quatro milhões de passageiros)..Estas contas poderiam ter levado a refletir sobre a mais-valia de construir duas linhas ou apenas a que mais tráfego apresentava (Lisboa-Porto). Sócrates fez exatamente o contrário e decidiu privilegiar o Lisboa-Madrid. Em simultâneo, já na altura parecia sensato abdicarmos dos 300 km/hora do "TGV". Máquinas como os atuais Alfas chegavam. Mas não, o dinheiro parecia infinito. Infelizmente acabamos sem uma coisa nem outra. Fizemos zero para modernizar as vias e os fundos comunitários não chegaram a vir..3. Aqui chegados, estamos num ponto sem recuo: a viagem entre Lisboa e Porto é um não-assunto, ainda que seja um pequeno massacre para quem a tem de fazer uma vez por semana em cada sentido - num país em que tudo se decide ou é gerido a partir de Lisboa. (E é melhor não falarmos das outras regiões onde nem sequer há comboios)..Ainda por cima, sendo o serviço prestado por uma empresa com contas calamitosas (a CP), a compra de novas carruagens para o Lisboa-Porto é impossível. Não por acaso, a CP mandou restaurar as carruagens de Alfas, quase com 20 anos, em vez de comprar novas composições. Se o tivesse feito em devido tempo, os atuais Alfas poderiam passar para os serviços Intercidades e estes diminuírem os problemas dramáticos de climatização nas carruagens - como ainda no último Verão se viu. Seria um gesto de consideração pelos clientes das cidades e vilas mais pequenas..Mas não foi assim. Aliás, a CP não tem grande culpa: para quê comprar comboios de nova geração se os atuais só podem andar a 200 km/hora durante breves minutos?.Entretanto, com a falta de comboios (só há 12 Alfas) nos horários mais relevantes, há poucos desdobramentos e os bilhetes esgotam sistematicamente. Ora, o Governo consegue perceber que a linha Lisboa-Porto se está a transformar gradualmente num suburbano de longa distância?.Sobra entretanto uma conclusão: quando em 2003 o Governo de Durão Barroso definiu o mapa da alta velocidade para Portugal - linhas entre Braga e Faro - com extensão Évora e Leiria-, antevimos outro país. Porto e Lisboa estavam à distância de 1h15. Braga e Faro a três horas de distância. Évora a 30m de Lisboa. Era outro país. Teríamos dado um enorme passo de descentralização se tivéssemos gradualmente concretizado esta estratégia. E hoje Portugal teria uma plataforma de transportes idêntica à maioria dos países europeus ou mesmo de Marrocos: linhas novas e comboios rápidos em bitola europeia. Teríamos ainda uma alternativa ferroviária aos camiões TIR para as exportações..4. Perdida esta oportunidade, a tecnologia levar-nos-á para um salto diferente. Daqui a 20 anos (ou menos) o transporte de média distância far-se-á pelo ar em veículos mais ligeiros - tipo silenciosos helicópteros elétricos que aterram nos terraços dos prédios mais altos das cidades e fazem viagens num raio de ação nos 500 a 800 quilómetros. Não é ficção: foi o que a Uber mostrou na Web Summit do ano passado e anunciou ir começar a concretizar em 2020 na Califórnia..Já que falhamos o transporte mais moderno da Europa dos últimos 50 anos, temos agora uma oportunidade de sermos pioneiros nesta nova vaga, com a vantagem de não precisarmos de grandes infraestruturas nem dependermos do investimento público massivo. Alguém quer chamar os senhores da Uber Air para sermos o país-demonstração na Europa desta nova plataforma de transporte (tal como fomos na fibra ótica)? Se João Vasconcelos fosse vivo, ele era o homem certo para isso. Em homenagem a ele devíamos embarcar nesta nova viagem o mais breve possível.