Líderes europeus querem fechar acordo, mas "sem apertos de mão" em salas XL

Primeira cimeira europeia de alto nível em plena crise pandémica tem o desafio de conseguir um acordo para o plano de recuperação económica. António Costa está otimista. E leva presentes na bagagem.
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Os chefes de Estado e de governo da União Europeia reúnem-se a partir desta sexta-feira, em Bruxelas, naquele que é o primeiro encontro mundial de alto nível desde o início da crise. Os líderes vão tentar fechar um acordo sobre o plano de recuperação para a Europa e para o Quadro Financeiro Plurianual, mas as divergências são mais que muitas.

Portugal chega ao encontro com António Costa a dizer-se pronto para dar luz verde a um acordo, e espera agora que os restantes líderes mostrem a vontade política necessária a um consenso.

"As duas questões que ainda estavam em aberto - uma tinha a ver com uma redução nas verbas do segundo pilar da Política Agrícola Comum e cofinanciamento dos programas para as Regiões Autónomas -, ficaram resolvidos durante a tarde. Portanto da nossa parte estamos em condições, aliás, de entrar no Conselho e de aprovar a proposta do presidente Charles Michel", garantiu esta quinta-feira o primeiro-ministro, esperando que "os outros também estejam todos nas mesmas condições".

"Se assim for, o conselho será rápido", assegurou, mantendo o seu já tradicional otimismo, embora admita que há divergências persistentes, nomeadamente a posição holandesa. Esta volta a ser a pedra no sapato de um acordo, com o primeiro-ministro Mark Rutte a exigir controlo europeu sobre a aplicação das verbas, a nível nacional. A maioria, no entanto, não está de acordo com esta proposta.

"Essa é seguramente uma das questões que poderá ainda não estar neste momento resolvida", admite António Costa. Porém, afirma que "em Haia", onde se encontrou no início da semana com Mark Rutte, saiu "convencido de que era possível encontrar um modelo de governação que respeitasse aquilo que é essencial que é a soberania de cada um dos Estados. E, por outro lado, aquilo que é a responsabilidade que todos temos, para com todos, quanto à execução dos fundos comunitários".

Por isso, espera por vontade política, para que os 27 deem um passo rumo à unanimidade, no conselho, já que as divergências estão identificadas e são susceptíveis de serem ultrapassadas. "Não vejo como é que possa não haver vontade política perante aquilo que é a realidade económica e social designadamente o desemprego neste momento, na Europa", acrescentou Costa.

Medidas excepcionais

O encontro segue uma coreografia rigorosa, em matéria sanitária, com a dupla função de "mostrar que a União Europeia está a caminho de trabalhar de uma maneira mais regular", apurou DN, e ocorre nesta altura, com a presença dos líderes, não só porque o presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, "considerou que a evolução da crise chegara a um ponto em que já seria possível organizar uma reunião física".

A reunião vai decorrer sob condições restritas inéditas, que são uma espécie de Rolls Royce dos cuidados anti-contágio, já que "para o presidente é essencial" que o encontro decorra "de uma maneira que proteja a saúde dos líderes, conselheiros, e de toda a equipa que os apoia".

Entre as delegações há a percepção que o tema em discussão é sensível, com pontos de vista ainda bastante distanciados que dificultam um entendimento. E, por essa razão a presença física "daria aos chefes melhores condições para seu trabalho e facilitaria esse acordo".

António Costa faz questão de presentear os restantes líderes com uma caixa focada a cortiça nacional, com um kit de máscaras fabricadas em Portugal, devidamente certificadas para a protecção anti-covid , em que são notórias marcas distintivas das sua origem portuguesa, como uma com o padrão inconfundível do Galo de Barcelos. Algumas máscaras serão personalizadas com o nome dos líderes.

Outras precauções

"Muitas precauções foram tomadas", garantiu fonte oficial ouvida pelo DN, que também assegurou a existência de uma rotina que se criou durante os últimos meses, em que as reuniões regulares, do presidente e da sua entourage, continuaram a ocorrer na sede o Conselho Europeu, com medidas anti-contágio.

Estas medidas são reforçadas esta sexta-feira, a começar pela redução das delegações. Geralmente, num Conselho Europeu regular, cada chefe é, em média, acompanhado por 19 funcionários. Mas na primeira cimeira presencial da era Covid "serão apenas seis, as pessoas que podem acompanhar o líder", garantiu a mesma fonte.

As negociações de um quadro financeiro, assim como todas as discussões espinhosas de alto nível na União Europeia requerem longas horas de discussões, incluindo fora do formato de cimeira, e em encontros bilaterais. Mas, desta vez, a garantia é que, em qualquer circunstância "as salas de reuniões serão configuradas para permitir pelo menos 1,5 metros entre os participantes".

A "sala 5", onde a cimeira vai decorrer, foi "projectada para acomodar 330 pessoas", mas a sua lotação estará abaixo dos 10%, já que "terá 31" pessoas apenas, com os líderes "bem separados uns dos outros".

Está previsto um conjunto de medidas de higiene anti-contágio, nomeadamente na sala da cimeira em que se "usará apenas ar fresco filtrado, e não ar reciclado. Todas as salas de reunião utilizadas serão profundamente desinfectadas para a cimeira e as salas de reuniões dos chefes de Estado ou de governo serão novamente desinfectadas a cada intervalo".

Cada espaço em que se possam encontrar conselheiros fora da sala "será controlado para garantir que o distanciamento social seja respeitado", garantiu uma fonte oficial, frisando que o uso de máscara "é regra para todos os participantes, se o distanciamento social não puder ser respeitado".

Máscaras, por favor

Charles Michel enviou uma mensagem aos colegas, pedindo-lhes que usem uma máscara no início da reunião, quando o distanciamento social pode ser difícil. E em qualquer outro momento da reunião em que situações possam surgir, onde não é possível respeitar o distanciamento social, "por exemplo, durante interrupções na reunião", apurou o DN.

Para alguns funcionários, a regra é o uso permanente de máscaras, incluindo a segurança de protocolo, técnicos de catering, funcionários de limpeza, recepcionistas, fotógrafos e repórteres de imagem, por "poderem encontrar-se em situações em que o respeito social e o distanciamento social podem ser difíceis".

Os líderes terão ainda elevadores exclusivos "com um máximo de duas pessoas por elevador". Outros serão dedicados apenas a funcionários e colaboradores do Conselho. No caso da imprensa, não poderá acompanhar os trabalhos de forma regular, estando prevista apenas a presença de uma pool oficial, que distribuirá o sinal de áudio e video.

Serão adoptadas outras medidas mais básicas, como a utilização de "gel desinfetante, maçanetas especiais para portas, microfones e fones de ouvido [para a interpretação]". As comitivas serão divididas. As refeições dos líderes serão servidas "numa sala maior do que o habitual e serão utilizadas salas XL".

Um detalhe que não é completamente irrelevante, numa reunião em que se procura fechar um acordo de 1,85 biliões de euros: "não haverá apertos de mão entre as delegações". Mas, não é esse o motivo do impasse, nem é por isso que o acordo é mais difícil.

Divergências

A dificuldade reside nas "divergências sérias" persistentes, que esta semana a chanceler alemã, Angela Merkel, reconheceu ainda não estarem ultrapassadas, apesar da urgência para aprovar quer o quadro financeiro, quer o fundo de recuperação.

"Estamos conscientes da necessidade de se actuar rapidamente", afirmou a chefe do governo alemão, que assume, desde 1 de julho, a presidência rotativa da União Europeia. Merkel falava no final de um encontro com o presidente do governo de Madrid, Pedro Sanchez, num ciclo que audições, de preparação da cimeira que contou também com o primeiro-ministro italiano, Giuseppe Conte, e, na semana anterior, com o chefe do governo holandês, Mark Rutte.

Sanchez considerou que se trata de "um momento histórico" para numa "base de diálogo", a União Europeia "fechar um acordo". Mas, em sentido oposto, o primeiro-ministro holandês tem feito finca-pé, embora concorde que "a gravidade desta crise justifica uma resposta comum e ambiciosa", como notou a Presidente da Comissão Europeia, na primeira vez que se reunião, ainda em frente aos ecrãs de computador, mas há divergências, nomeadamente em relação à proporção entre subsídios e empréstimos.

A proposta da Comissão Europeia prevê um total de 750 mil milhões de euros, entre subvenções a fundo perdido e empréstimos. A proporção sugerida por Bruxelas é para que cerca de 500 mil milhões reforcem as ajudas europeias, e os restantes 250 mil milhões sejam atribuídos em empréstimos voluntários e reembolsáveis.

Esta divisão não é consensual, e é apenas uma das que se juntam ao volumoso novelo da discórdia. Quando esta semana enviou a habitual carta convite aos líderes europeus, o presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, nem perdeu tempo a nomear os pontos sobre os quais é preciso "partir pedra", durante a cimeira.

Por isso mesmo, é uma das mais curtas cartas convite, na qual se limita a alertar para as consequências de uma pandemia que "já ceifou muitas vidas em toda a Europa e causou um rude golpe às nossas economias e sociedades". No segundo, de quatro parágrafos, aponta a necessidade de "construir pontes entre as diferentes posições".

"Encontrar um acordo exigirá muito trabalho e vontade política da parte de todos", reconhece Charles Michel, considerando que "um acordo é essencial [e que] precisamos encontrar soluções viáveis e chegar a um acordo, para maior benefício dos nossos cidadãos".

Pontos de discórdia

Michel passou as últimas semanas em conversações com os diferentes líderes europeus e identificou os pontos de discórdia, dos quais pretende fazer "alicerces" para construir um acordo.

"Em primeiro, a dimensão do Quadro Financeiro. Há diferentes opiniões sobre o nível que é aceitável. O segundo ponto, ligado ao primeiro, é a questão das compensações [aduaneiras], que para certos Estados-Membros são essenciais, e para outros não tem razão de ser, [e] é certamente um dos temas, com que deveremos contar, no quadro de um acordo global", referiu, na mais recente visita ao Parlamento Europeu.

O terceiro ponto é a "dimensão" do Fundo de Recuperação. Charles Michel constata que, apesar da urgência, este também não é um dossier fechado. "Nem todos os Estados-Membros compartilham a convicção de que o montante proposto deve ser aceite", nota o belga, apontando também para a forma como o dinheiro vai ser distribuido, que também suscita inúmeras dúvidas, entra a questão dos subsídios e dos empréstimos.

"O próprio princípio dos subsídios coloca dificuldades a um certo número de Estados-Membros. E a questão de equilibrar empréstimos e subsídios é outro assunto delicado para o qual as decisões devem ser tomadas", aponta.

No Parlamento Europeu, o relator para os recursos próprios da União Europeia, José Manuel Fernandes considera que "não é aceitável que os chamados frugais se aproveitem do Fundo de Recuperação para procurar diminuir programas que são importantes até em termos da sua duração", havendo o perigo de haver uma concentração, nos primeiros anos, "que os Estados não terão tempo de olhar para aquilo que são instrumentos financeiros e se não se preparar já para absorver estes montantes e depois absorvê-los"

Charles Michel notou também que "muitos Estados-Membros, em junho, expressaram sua relutância na medida em que consideram que a proposta da Comissão se baseia em dados pré-crise. Sendo esses dados o nível de desemprego, o critério do PIB invertido e o da população, não são dinâmicos o suficiente e não são adequados para levar em conta qual será a situação real em termos de impacto económico e social, para a população, regiões, países e setores mais afetados", frisou, prometendo "testar a ideia de adotar uma abordagem um pouco mais dinâmica dentro da estrutura dos critérios de alocação em questão".

"A questão do estado de direito, é também uma questão que deve ser objecto de deliberação", referiu no Parlamento Europeu, onde a questão é sensível, e onde pode ser colocados entraves.

"O Parlamento, o que diz é que tem que haver uma grelha de proteção exatamente no sentido daquilo de que em circunstância nenhuma os cidadãos desses país, - as empresas, as organizações não governamentais -, podem ser prejudicadas por uma iniciativa que ponha em causa o Estado de Direito", disse ao DN a relatora do Quadro Financeiro Plurianual, Margarida Marques.

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