Em Pristina decorrem julgamentos de sérvios por crimes de guerra e em Haia, nos Países Baixos, de kosovares por crimes de guerra contra sérvios. A pandemia paralisou uma economia já de si a braços com a corrupção e o crime organizado, refletindo-se no desemprego, que afeta um em cada quatro pessoas em idade ativa. A política também não passou incólume: o executivo que sair das eleições parlamentares deste domingo será o terceiro desde que o novo coronavírus surgiu. É neste cenário que um dos países mais jovens na cena internacional e na média etária (um pouco mais de 40% da população de 1,9 milhões tem até 24 anos) se encaminha para dar a maioria dos votos ao partido nacionalista de esquerda Vetevendosje! (VV, "Autodeterminação") de Albin Kurti..A campanha eleitoral resumiu-se a dez dias. Porém, os seus efeitos neste país não reconhecido pela ONU mas desde o princípio do mês por Israel, poderão vir a repercutir-se para lá das escolhas políticas. Os partidos e os seus fiéis ignoraram as restrições impostas pela pandemia, com comícios dentro e fora de portas sem distanciamento social nem máscaras obrigatórias. Foi devido à pandemia que a experiência de Albin Kurti enquanto primeiro-ministro só durou quatro meses. Demitiu o ministro do Interior Agim Veliu, do parceiro de coligação Liga Democrática do Kosovo (LDK, centro-direita), porque este defendia a declaração do estado de emergência, o que implicava o reforço de poderes do então presidente Hashim Thaci..Kurti foi o primeiro governante a ser derrubado por uma moção de censura e agora, segundo as sondagens, pode ser o primeiro a regressar ao poder desde que a República do Kosovo se declarou independente da Sérvia em 2008. O mais curioso é que em janeiro Kurti foi impedido de concorrer às eleições como deputado (embora nada impeça que seja designado primeiro-ministro). A comissão eleitoral rejeitou a sua candidatura a deputado, bem como de outros quatro membros do VV, por ter sido condenado por um crime há menos de três anos. Kurti, casado com uma norueguesa especialista em extremismo e autodeterminação, tem um passado radical. Não tanto enquanto estudante, quando se fez notar pelas manifestações contra o regime de Slobodan Milosevic, que lhe valeram dois anos de prisão, mas sobretudo no Kosovo pós-guerra. Já com o seu VV, foi protagonista de protestos contra o plano da ONU que dividia o Kosovo em linhas étnicas e defendeu sempre uma autodeterminação sem concessões, ao ponto de defender a integração na Albânia..Candidato às eleições a partir de 2010, ele e os seus correligionários adotaram táticas de guerrilha parlamentar ao usarem gases - lacrimogéneo e pimenta - para interromper votações de que discordavam, em especial acordos com os vizinhos sérvios e montenegrinos. Graças a estas ações, Kurti foi condenado em 2018 a um ano e meio de prisão, com pena suspensa. Então já ficara em primeiro nas eleições, mas um acordo parlamentar da oposição afastou-o do poder. A sua vez chegou, por fim, no final de 2019, todavia do pouco tempo à frente do país só ficou o corte no seu salário. .As mensagens do nacionalismo albanês e as promessas de reformas e de combate à corrupção continuam a ter forte apelo junto do eleitorado. No entanto, o sistema parlamentar, que reserva 10 lugares para a minoria sérvia e outros tantos para outras minorias, num total de 120, favorece coligações, pelo que Kurti pode estar condenado a entender-se com adversários. Seja com o primeiro-ministro interino Avdullah Hoti, do LDK, que perdeu a presidente do parlamento (e presidente interina do país) Vjosa Osmoni para o VV de Kurti, seja com o Partido Democrático do Kosovo (PDK), que ficou decapitado após as detenções, em Haia, do presidente Hashim Thaci e do ex-presidente do parlamento Kadri Veseli. Em qualquer quadro, o futuro líder conta com o apoio financeiro dos EUA de 830 milhões de euros..A nova geração quer deixar para trás um Kosovo dividido em três zonas, tal como notava em 2005 um relatório da secreta alemã BND: as zonas não eram mais do que territórios mafiosos, dois dos quais atribuídos a políticos: Hashim Thaci e Ramush Haradinaj, ex-PM e candidato à sucessão do presidente preso, numa eleição decidida pelos deputados.