Liam Neeson: "Acho que as minhas tentativas como ator estão melhores"
Nesta quinta-feira estreia-se em todo o país Regresso a Itália, do ator James d'Arcy, história de um regresso de pai e filho a uma casa esquecida em Itália. O pai, Liam Neeson, é um pintor recluso e sem muitos dotes de paternidade, enquanto o filho, Micheál Richardson, um galerista de arte, é um jovem à procura de encaixe financeiro para recuperar a sua galeria. A ideia é venderem a casa mas a estada na Toscana serve sobretudo para uma aproximação entre ambos e para evocarem a memória da mãe, falecida há uns anos.
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Tal como a personagem, Liam Neeson ficou viúvo em 2009 e há aqui espelhos explícitos com a sua situação. Nesta conversa ao telefone dos EUA, o ator que se reinventou como estrela de ação, falou com uma lágrima no canto do olho sobre o paralelismo do filme com a vida real mas também do seu spaghetti preferido...
Este filme é uma oportunidade para trabalhar ao lado do seu filho, Micheál Richardson, mas qual foi a grande motivação para querer mesmo ser o seu protagonista?
Diria que foi o argumento. Conto-lhe o seguinte: tenho um teste enquanto leio guiões, chamo-lhe o teste da chávena de chá. Se chego à página 7 e sinto que fico com vontade e me levantar e ir fazer um chá então é sinal de que não está a interessar-me. Com Regresso a Itália cheguei ao fim sem perceber que estava a chegar ao fim! Está tão bem escrito! E sei que algumas partes são mesmo da vida do James d'Arcy, o argumentista e realizador. Ele enfrentou a dor na sua vida, tal como eu e o Micheál - o meu filho perdeu a mãe e eu perdi a minha mulher... Achei que essas cenas emocionais sobre a perda e a partilha do luto estavam escritas com beleza. Fiquei com confiança e a achar que o filme não poderia ser fraco.
O cinema pode ser um processo terapêutico para os atores, para os autores?
Sim, há um potencial para isso, sobretudo quando se tem perdas graves na nossa vida. Há três semanas perdi a minha mãe, tinha 94 anos e viveu uma grande vida. Mas é como tudo, aprendemos a lidar com a morte. Não podemos colocar certas coisas para trás, mas aprendemos a sobreviver e até creio que podemos ficar mais enriquecidos como seres humanos, sobretudo nós os artistas. Sabe, acho que as minhas tentativas como ator estão melhores. Nos últimos dez anos tenho enfrentado o cancro da mama na minha família e ponho essa dor no meu trabalho, mas é preciso seguir em frente. Há que saber apreciar estar vivo e desfrutar de todas as nossas relações.
Mas fica melhor como ator ao ter o máximo prazer da vida, é isso?
Espero mesmo que sim! Vamos ganhando uma camada extra de emoção...
Sente então que esta personagem está muito próxima de si. Ele é pintor, o Liam é ator...
Mas é obrigatório que todas as personagens tenham algo de mim. Nunca me divorcio de mim próprio em nenhum projeto. É o meu corpo, é a minha carne, o meu sangue - tento casar isso com aquilo que há de mais humano na personagem. Mas, paradoxalmente, também tento receber aquilo que está no argumento, ou seja, tento convocar as personagens para o meu... qual a palavra?
Carisma?
Não, talvez...humanidade.
O segredo para se ser bom ator no cinema é convocar essa humanidade em frente a uma câmara?
Bem, sim... mas sou um grande crente no James Cagney, a velha estrela de Hollywood, que respondia sempre que para se ser ator basta aparecer no plateau e falar a verdade. E é apenas isso que tento fazer. Tento essencialmente que as palavras que saem de mim, escritas pelos argumentistas, sejam credíveis. Credíveis para mim e para o espectador. Tento sempre acreditar naquilo que digo, não importa o género.
E já se sentiu sozinho num plateau de cinema?
Nem por isso, gosto das equipas. Por muito que goste de atores, adoro mesmo estar com o pessoal todo das filmagens - faço sempre questão de conhecer os técnicos. Por exemplo, quando estou a fazer uma cena em que sou apenas eu gosto imenso de sentir que os técnicos estão à minha volta. Eles estão lá para me ajudar, estão lá para que eu brilhe. Mas sei perfeitamente que há outros que preferem fingir que a equipa não está lá - respeito isso, na boa! Todos são diferentes. Eu, confesso, gosto de sentir a presença de todos.
Uma questão de camaradagem.
Exato.
Neste filme há um imenso grande plano da sua boca a comer massa italiana. Como é que alguém se prepara para isso?
Peço desculpa aos espectadores que vão ver o filme por ter comido de forma tão lasciva! Essa é uma pequena cena tão gira! Creio que era spaghetti alle oglio, a minha pasta preferida. Foi a cena mais fácil para mim, estou em crer que consumi uns quatro pratalhões daquilo! Mesmo nas pausas não conseguia parar de comer...
Precisamos de um filme como este, que nos dá esperança, sobretudo num momento como o que atravessamos?
Amigo, espero bem que sim! Todos os países no mundo foram tocados por este horror. Se as pessoas puderem ir agora ver este filme ficamos cientes de que somos apenas seres humanos e estamos nisto juntos! Não estou a querer ser um hippie, mas devemos todos tentar amarmo-nos e respeitarmo-nos ao máximo. É tão importante ouvirmo-nos uns aos outros e olhar olhos nos olhos. Isso e ajudar o próximo...Não estou a dizer isto da boca para fora.
Mas não acha que as pessoas que agora estão com medo de ir ao cinema depois podem perder o hábito?
As pessoas vão voltar ao cinemas! Pode levar algum tempo, mas vão voltar. As pessoas continuam a gostar de histórias e continuamos a gostar de entrar num local grande e escuro e ver cinema ao lado de um estranho. Quer dizer, agora, se calhar, com distância...Ir ao cinema é uma forma de fazer parte de uma história que nos toca. Como espécie humana, todos precisam disso. Há milhares de anos que precisamos de histórias, tal não vai mudar.