Leão defende que reposição de regras orçamentais em 2023 deve ser "repensada"

O ministro das Finanças afirma que "a reposição das regras deve ser equacionada e repensada porque estamos num contexto que é diferente do que era antecipado por causa do ataque [da Rússia] à Ucrânia"
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O ministro das Finanças, João Leão, defendeu esta segunda-feira em Bruxelas que a reposição das regras europeias de disciplina orçamental, prevista para 2023, deve ser "equacionada e repensada", face ao "impacto económico muito significativo" da guerra na Ucrânia.

"Neste contexto em que esta situação tem um impacto tão significativo em termos económicos, é muito importante manter a política orçamental ágil e flexível para ajudar os países a enfrentar esta situação. A Comissão Europeia e os ministros das Finanças já tinham decidido repor as regras orçamentais em 2023, depois de três anos de suspensão por causa da pandemia, mas Portugal entende [...] que a reposição das regras deve ser equacionada e repensada, com uma decisão final em maio, porque estamos num contexto que é diferente do que era antecipado por causa do ataque [da Rússia] à Ucrânia", declarou.

João Leão falava à entrada para uma reunião de ministros das Finanças da zona euro (Eurogrupo), que será seguida, na terça-feira, do Conselho de ministros das Finanças da União Europeia (Ecofin), em encontros onde vão ser discutidas "as implicações económicas do ataque militar [da Rússia] à Ucrânia, a orientação da política orçamental para 2023 e a coordenação de políticas neste contexto".

Lembrando que "já tem sido feita ao nível europeu revisão em baixa das perspetivas de crescimento que existiam", o ministro observou que "nesta fase, ainda se está a assumir que vai haver um crescimento económico significativo em 2022, mas mais baixo do que se previa há dois meses atrás" e realçou que "isso vai acontecer na Europa e, naturalmente, também acontecerá em Portugal".

Na mesma linha, Leão apontou que a recente orientação de política orçamental da Comissão "dá nota de que é importante que os países do sul com dividas mais elevadas devem iniciar o processo de redução de dívida pública", mas, também face ao "contexto exigente e incerto como o atual", Portugal entende igualmente que, "sendo certo que é importante iniciar esse processo, que Portugal já retomou aliás em 2021, essa redução tem que se feita de forma gradual e tem que ser compatível com a ajuda à recuperação económica".

"Também defendemos que se deve avançar rapidamente para a revisão das regras orçamentais ao nível europeu -- esperemos que durante a presidência francesa neste semestre ainda se deem passos significativos -, porque a pandemia teve um impacto muito elevado nas dívidas públicas em toda a Europa e é importante que as regras não sejam cegas e impliquem reduções da dívida pública de tal forma acentuadas que pudessem colocar em causa a recuperação económica europeia", prosseguiu.

No início de março, por ocasião da apresentação das orientações de política orçamental para o próximo ano, a Comissão Europeia admitiu que a invasão militar da Ucrânia pela Rússia terá consequências económicas na Europa difíceis de quantificar nesta fase e poderá colocar em questão o anunciado regresso às regras de disciplina orçamental em 2023.

Depois de, ao longo dos últimos meses, o executivo comunitário ter afastado a possibilidade de prolongar além de 2022 a suspensão temporária das regras do Pacto de Estabilidade e Crescimento (PEC), ativada há dois anos devido à pandemia da covid-19, em 02 de março admitiu pela primeira vez que, "face à atual incerteza" provocada pela guerra na Ucrânia, será necessário "reavaliar a esperada desativação da cláusula de escape" no próximo ano.

Bruxelas admite designadamente que a guerra e possíveis retaliações da Rússia às sanções impostas pela UE, assim como o efeito 'ricochete' destas, tenham "um impacto negativo no crescimento, com repercussões nos mercados financeiros, novas pressões sobre os preços da energia, estrangulamentos mais persistentes da cadeia de abastecimento e efeitos na confiança".

A Comissão reservará assim para maio, e com base em previsões macroeconómicas atualizadas, uma reavaliação da desativação da cláusula de escape, ou de salvaguarda, que suspende temporariamente as regras do PEC que exigem que a dívida pública dos Estados-membros não supere os 60% do Produto Interno Bruto (PIB) e impõem um défice abaixo da fasquia dos 3%.

Esta cláusula foi ativada há precisamente dois anos, em março de 2020, para permitir aos Estados-membros reagirem rapidamente e adotarem medidas de urgência para mitigar o impacto económico e social sem precedentes da crise da covid-19, e a sua desativação estava prevista para 2023, face à gradual recuperação económica, agora de novo posta em causa pela guerra lançada pela Rússia.

João Leão garantiu também esta segunda-feira que, apesar da "imprevisibilidade" causada pela guerra na Ucrânia devido à invasão russa e aos efeitos na crise energética, a economia portuguesa irá registar um "crescimento bastante significativo" este ano.

"Neste momento, estamos trabalhar num cenário base, que é também ao nível europeu e em Portugal, que ainda assenta numa recuperação significativa [da economia] este ano", garantiu João Leão.

Falando aos jornalistas portugueses em Bruxelas, à entrada para uma reunião dos ministros das Finanças da UE, o responsável pela tutela salientou que, "mesmo que a economia tivesse momentos mais difíceis este ano, em que não houvesse grande crescimento em cadeia, Portugal tem um impulso que vem da forte recuperação do final do ano passado e que permite, mesmo num cenário mais adverso, admitir um crescimento bastante significativo".

Até porque "Portugal destaca-se a nível europeu como um dos países que espera que cresça mais em toda a Europa", segundo as previsões da Comissão Europeia e da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), acrescentou.

"Estamos a trabalhar num cenário que está mais em linha com o que está construído ao nível europeu, de que há uma revisão em baixa, mas que ainda dá uma perspetiva de forte crescimento este ano", insistiu João Leão.

Ainda assim, o governante alertou para a "possibilidade de, se a situação na Ucrânia se agravar e se for um conflito que durar muito tempo e com repercussões sobretudo ao nível da parte energética e no fornecimento de gás, pode ter consequências mais graves ao nível da produção ao nível europeu".

"E, nesse contexto, o cenário pode ser ainda mais adverso e, nesse contexto de cenário mais adverso, ainda se espera um crescimento este ano porque [...] partimos de um nível pós-pandemia e, portanto, há muita margem de recuperação da economia", afincou.

Segundo o ministro, a condicionar esta recuperação está, ainda assim, o "tipo de sanções que foram aplicadas e da forma como a Rússia retaliar com sanções", nomeadamente na área energética.

Já questionado sobre a crise da energia, numa altura de aumentos significativos no preço dos combustíveis em Portugal, João Leão reconheceu que "o impacto tem sido bastante acentuado e há uma grande incerteza sobre a evolução nos próximos tempos".

"O que é importante, neste contexto, é manter a capacidade de os países apoiarem as empresas e as famílias neste processo exigente e o Governo português tem estado a tomar um conjunto de medidas e ainda tem de implementar um [outro] conjunto de medidas importantes para ajudar neste processo", concluiu, recordando ainda a "orientação estratégica de reduzir a dependência do gás russo".

A Comissão Europeia propôs, na semana passada, a eliminação progressiva da dependência de combustíveis fósseis da Rússia antes de 2030, com aposta no GNL e nas energias renováveis, estimando reduzir, até final do ano, dois terços de importações de gás russo.

A comunicação surgiu numa altura de aceso confronto armado na Ucrânia provocado pela invasão russa, tensões geopolíticas essas que têm vindo a afetar o mercado energético europeu, já que a UE importa 90% do gás que consome, sendo a Rússia responsável por cerca de 45% dessas importações, em níveis variáveis entre os Estados-membros.

A Rússia é também responsável por cerca de 25% das importações de petróleo e 45% das importações de carvão da UE.

A Rússia lançou em 24 de fevereiro uma ofensiva militar na Ucrânia, com forças terrestres e bombardeamento de alvos em várias cidades, um ataque que foi condenado pela generalidade da comunidade internacional.

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