"Lapsus calami?"

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Apesar da acumulação de erros e as imprecisões no processo Influencer e das consequências dramáticas deste, desde a demissão do primeiro-ministro à convocação de eleições, coloca-se cada vez mais a pergunta: o que poderá acontecer aos responsáveis por esses erros, tanto na má transcrição da gravação de escutas como na interpretação factual errada do que foi dito pelos escutados.

A resposta é que praticamente nada poderá acontecer aos procuradores responsáveis pela investigação, a menos que se prove que tenha havido "erros clamorosos" ou "erros grosseiros" na análise da prova que levou à instauração dos processos, à constituição de arguidos e a medidas de coacção determinadas sobre estes pelo juiz de instrução do processo. E, relembre-se, à queda do Governo e ao fim - ou pelo menos interrupção por um largo período -da vida política de vários protagonistas, a começar pelo primeiro-ministro.

Nada destes erros iliba quem no exercício do seu poder governamental ou burocrático tenha fechado os olhos ou praticado essa ancestral e terna tradição nacional de "dar uma palavrinha" para acelerar processos, ultrapassar burocracias e dar a volta a impedimentos legais. Nenhum dos erros dos investigadores justifica maços de notas escondidos no gabinete do primeiro-ministro e muito menos a clamorosa e patente incapacidade deste na avaliação e escolha dos seus mais próximos.

Entre outros casos de políticos falsamente acusados, o ex-ministro socialista Paulo Pedroso, que esteve detido meses por ter sido falsamente acusado no caso Casa Pia, apresentou queixa contra o Estado português e conseguiu, ao fim de muitos anos, ser indemnizado. Mas não há dinheiro que pague o fim da sua, tida como promissora, carreira política.

No caso actual acumulam-se os erros na transcrição das escutas ou na interpretação do que é dito. Confundir António Costa com António Costa Silva é tão idiota, ou pueril, como confundir a beira da estrada com a estrada da Beira. Ou interpretar que quando alguém diz que está a passar pelo Largo do Rato é o mesmo que dizer que está na sede do PS.

Na melhor das hipóteses, para limpar a imagem de descuido e desleixo, poderá haver consequências disciplinares sobre quem foi tão desleixado. Mas terá de haver inquéritos dos conselhos superiores do Ministério Público e da Magistratura que cheguem à conclusão, contrária ao corporativismo habitual, que os magistrados e investigadores que provocaram a maior crise política e moral da democracia foram descuidados na transcrição das escutas. Mas será esperar de mais. Na pior das hipóteses, e o pior não só é possível como é o provável, será o que em juridiquês se pode designar por lapsus calami. Foi um erro de transcrição do dactilógrafo. A culpa, como sempre, é do mexilhão.

Diretor do Diário de Notícias

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