Laborinho Lúcio: "A renovação do mandato da PGR enobrece a Justiça e a Política"

Juiz-conselheiro jubilado do Supremo Tribunal de Justiça, ex-ministro da Justiça, escritor, professor universitário. Laborinho Lúcio é uma voz respeitada na justiça e no direito. Desafiado pelo DN a comentar o processo de nomeação do PGR e a refletir sobre os efeitos da politização, defende Joana Marques Vidal na liderança do MP. "A sua recondução abre uma nova esperança na democracia e no Estado de direito."
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A renovação do mandato da atual procuradora-geral da República (PGR) é abertamente defendido pela direita, cujo governo PSD-CDS indicou o seu nome em 2012. Que consequência tem a politização de uma escolha desta natureza?

A entrada desta questão no espaço público e o debate a que ela aí necessariamente dá lugar são absolutamente naturais, diria mesmo saudáveis em termos democráticos. Da mesma forma, a "politização" do tema e da leitura que assim se faça da decisão a tomar oportunamente não me parece introduzir qualquer patologia. Entendemos, e este não é mais do que um ponto de vista estritamente pessoal, que a avaliação política a fazer deve ser bem diferente.

E o que deve ser tido em conta nessa "avaliação"?

A não haver da parte da Sra. Dra. Joana Marques Vidal uma intenção de dar por finda a sua missão enquanto procuradora-geral da República - e isso ainda está por ser sabido -, cumpre ponderar os prós e os contras de uma renovação. É aí que, aceitando mesmo a posição daqueles que veem a renovação como excecional, temos a convicção de que este é um excelente exemplo de uma ocasião em que ela deve, sem reservas, ter lugar. E por uma razão que se prende, em exclusivo, com o lugar e o papel a reconhecer aqui à dimensão política da questão e da solução para ela encontrada. Após seis anos de mandato, a renovação, ou não, deste comporta leituras cuja gravidade se repercute na própria credibilidade da política aos olhos da comunidade.

Com é que, neste caso, essa credibilidade da política se interliga com a credibilidade da justiça?

A atual procuradora-geral da República, através do seu exercício, levou o Ministério Público a contribuir decisivamente para o aumento do prestígio da justiça, entre nós, e, assim, para o reforço da confiança nela dos cidadãos, confiança que, justa ou injustamente, vinha dando sinais preocupantes de abatimento. Cabe, então, agora, ao político afirmar que a mesma confiança e o mesmo prestígio podem ser dados e reconhecidos à política, ela própria. Diria que a renovação do mandato constituirá a peça que falta para que possamos falar de uma mudança efetiva que, ao enobrecer a justiça e a política, reabre uma nova esperança nas virtualidades da democracia e do Estado de direito tal como continuamos a querer entendê-los. E este não pode deixar de ser, sem exceção, um objetivo indiscutível, seja à direita seja à esquerda. O que está em jogo aqui é a política, não enquanto combate e disputa legítimos pelo poder, mas enquanto espaço de confiança entre representantes e representados. E todos sabemos hoje o significado do valor e do desvalor aqui em presença.

Qual a interpretação que faz sobre o critério jurídico/constitucional do limite do mandato?

De acordo com o texto da Constituição da República, e não esquecendo, na sua interpretação, o argumento histórico no qual se fundou a opção tomada aquando da correspondente revisão, ao mandato previsto para o cargo de procurador-geral da República foi fixado um prazo de seis anos sem qualquer limitação à respetiva renovação. Transformou-se, assim, um mandato vitalício sem limites, mínimo e máximo, num mandato balizado por um mínimo de seis anos e sem limite máximo, ficando este apenas dependente da ocorrência, ou não, da renovação periódica do mandato. É hoje claro que o mandato, nomeadamente o da atual procuradora-geral, pode ser renovado, pelo que fazê-lo ou não depende apenas da vontade política concertada do governo e do Presidente da República, sendo, obviamente, legítima a decisão em qualquer daqueles dois sentidos. Por sua vez, igualmente legítimas são também as diferentes opiniões acerca do que deve ser a previsão constitucional enquanto direito a constituir, embora já assim não pareça dever ser ao pretender entender-se que, no quadro atual, o correto é afastar a hipótese de renovação. Tal constituiria verdadeiramente não apenas uma interpretação restritiva do texto constitucional mas, mais do que isso, uma revogação de parte da sua previsão, levando-o, pela via da sua interpretação, a dizer o que não disse, não quis nem quer dizer. Temos, assim, que, em cada caso, se decidirá politicamente da renovação ou não, mas nunca em nome de um princípio geral abstrato, segundo o qual aquela deve ficar vedada aos decisores políticos. Está, pois, afastada a tese do "mandato único", que a Constituição não prevê nem quis prever.

O Sindicato dos Magistrados do Ministério Público defende o mandato único como forma de evitar "tentações" de cedências que poderiam acontecer com o titular do cargo, com o objetivo de ver renovado o seu mandato. Faz sentido esta ideia? Um magistrado que sabe que só tem mesmo os seis anos é mais livre no seu trabalho?

Compreendo a posição do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público quanto à ideia de que deve haver limitação de mandatos, mas sempre em termos de direito a constituir, isto é, em mera tese. Já o argumento de que um só mandato deixa o magistrado mais livre para o exercício do cargo não me sensibiliza nem me agrada. Esse seria sempre um magistrado que nem um só mandato devia ser chamado a exercer.

Acha que a forma de nomeação do PGR (pelo Presidente da República, sob proposta do governo) é a melhor para garantir a melhor escolha? O que podia melhorar?

Há muito que defendo uma outra forma de designação dos altos cargos do poder judicial e bem assim de previsão dos respetivos mandatos, designadamente o do procurador-geral da República. Isso obriga, porém, a uma revisão constitucional e não creio que este seja o momento mais adequado para abrir um debate de fundo que, todavia, mais tarde ou mais cedo, não poderá deixar de ter lugar.

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