Kraftwerk. Aquela máquina!

Estão ligados à corrente há mais de 40 anos e trabalham sobretudo com sintetizadores e computadores. Expoentes da electrónica alemã para o homem-robot, revisitam o catálogo e visitam Portugal
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No princípio, muito mais do que o verbo, era o ambiente. No krautrock - designação originalmente pouco simpática, criada pela imprensa musical britânica para designar uma corrente alemã, a partir da palavra "sauerktraut", que significa chucrute, ou seja "repolho azedo" -, oscilava entre o enquadramento claustrofóbico da repetição e o psicadelismo radical, sempre experimentalista, sempre particular. Os estudiosos detetam contribuições, mais próximas ou mais distantes, dos Pink Floyd iniciais, dos Velvet Underground, de La Monte Young e outros eruditos do século XX (Stockhausen, por exemplo), com temperos variáveis de minimalismo, atonalismo e free jazz. Há uma definição, porventura mais fácil de entender, que cita o "gosto obsessivo por dissonâncias, ruídos, colagens sonoras, improvisação e ritmo, frequentemente preocupando-se mais com o timbre do que com a melodia". Para protagonizar esta escola, muito conceituada na viragem dos anos 60 para os 70 do século passado, é habitual trazer à liça quatro nomes: Tangerine Dream, Faust, Amon Duul II e Can. Sem grandes dúvidas, poderia juntar-se aqui o ciclo inaugural dos Kraftwerk, correspondente aos três primeiros álbuns da banda de Dusseldorf, lançados entre 1970 e 1973.

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Aquilo que agora se recupera, nesta edição que recolhe os sete discos originais de estúdio (publicados de 1974 a 2003) e um álbum de remisturas (The Mix, de 1991), já deve ser visto como um derivado do krautrock. Depois do êxito de Autobahn (1974), os Kraftwerk descobriram e desenvolveram o seu nicho - nem por isso reduzido - de atuação, todo baseado em sintetizadores, programação rítmica ligada aos computadores e canto muitas vezes feito a partir de vocoders ou mesmo gerado a partir dos sintetizadores. A repetição e a justaposição de elementos são essenciais, tal como a ideia de letras lineares (com recurso a frases-chave, refrães fortes) em que conta muito o som das palavras. Daí em diante, entra em campo a inspiração para variar, fazendo uso dos mesmos ingredientes. Como se compreende pela longevidade e pela assídua presença em palco, a vida não correu mal ao grupo fundado por Ralf Hutter (o único músico original que se mantém em cartaz) e Florian Schneider (que, cansado de digressões, tornadas prato forte da banda, se retirou em 2008), ao ponto de ser considerado como o precursor de toda a dance music dos nossos dias, de ter conseguido - num género difícil - duas nomeações para os Grammies e um prémio especial de carreira.

No palco como em estúdio

Mais tarde ou mais cedo, todos nos cruzamos com uma criação dos Kraftwerk, seja ela uma longa sequência, como Autobahn, ou uma canção mais virada às pistas de dança, como The Model ou The Robots, um manifesto, como The Man-Machine, ou uma das muitas piscadelas de olho ao nosso quotidiano tecnológico, casos de Computer World, Metal On Metal, Home Computer, Trans Europe Express, Pocket Calculator, Neon Lights ou Elektro Kardiogramm. No limite, há momentos de exaltação da vida digital, como Techno Pop (aqui na mais cabal das interpretações da expressão), ou uma inteligente construção onomatopaica, como Boing Boom Tschak, ou até delicadas ironias, como Ohm Sweet Ohm. Dentro de um núcleo de regras perfeitamente definidas, os Kraftwerk alcançam um brilhantismo contagiante mesmo que se limitem a esboçar "variações sobre o tema".


Há, em 3-D The Catalogue, um dado absolutamente invulgar: os oito CD resultam de gravações ao vivo que, com ligeiríssimas excepções (por exemplo, há duas faixas a menos em Tour de France e uma que muda de nome em Computer World) e com uma substancial alteração na ordem de chegada dos temas, seguem à risca o conteúdo dos discos originais. A saber: Autobahn (1974), Radio-Activity (1975), Trans Europe Express (1977), The Man Machine (1978), Computer World (1981), Techno Pop (de 1986, recuperando o "título de trabalho", que substitui Electric Café), The Mix (1991) e Tour de France (2003). A nota singular nasce disto: apesar dos registos serem feitos em público, com oscilações quanto à duração original dos temas mas com uma fidelidade "robotizada" a cada tema, as audiências, os seus aplausos e gritos, as interpelações aos músicos, não aparecem uma só vez.

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O que também ajuda a perceber a filosofia dominante nesta banda maquinal e obsessiva, que iniciou estas captações há mais de cinco anos (em Abril de 2012), numa série de espectáculos no MOMA (Museum of Modern Art) de Nova Iorque. Para concluir esta longa empreitada, passaram pela cidade natal, Dusseldorf, por Londres, Tóquio, Sydney, Los Angeles, Viena, Paris, Berlim, Amesterdão, Copenhaga, Oslo e Bilbau. Mas, sejamos honestos, se tivessem optado por fazer o trabalhinho em casa, a diferença seria nula.
Surgem à cabeça de cartaz do festival Neo Pop, em Viana do Castelo. Falta perceber como construirão o alinhamento da noite minhota. Cenicamente, não se esperam grandes surpresas: quatro teclados (simplifiquemos) para quatro músicos, provavelmente todos vestidos de igual, com imagens de fundo a sublinhar uma música que, já se sabe, nos continua a remeter hoje para o futuro. A máquina acordou...

3-D The Catalogue (8 CD)
Kraftwerk
Ed. Klingklang/Parolophone
PVP: euro 56,99

Neo Pop (Viana do Castelo), 5 de Agosto,
Bilhetes a euro 40 (diário) e a euro 75 (passe de três dias)

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