Quinze jogos, zero derrotas e o apuramento para o Euro 2020 à vista. É este o cartão-de-visita da jovem seleção do Kosovo, que nesta terça-feira (19.45) tem um duro teste às suas capacidades em Southampton, com a Inglaterra, dias depois de uma histórica vitória diante da República Checa no estádio que tem o nome daquele que é considerado o principal responsável pelo emergir do futebol desta antiga região da Jugoslávia: Fadil Vokrri..A 17 de fevereiro de 2008, o governo provisório da República do Kosovo declarou-se unilateralmente um país independente, contra a Sérvia que ainda hoje reclama aquele território como seu. Mas o reconhecimento por parte dos Estados Unidos, França, Reino Unido, Alemanha e Portugal, entre outros países europeus, fez que os kosovares fossem finalmente vistos como uma nação independente, formada na sua maioria por uma população albanesa e uma minoria (5%) sérvia..À declaração de independência, um conjunto de pessoas lutou para que o futebol também tivesse o seu espaço no contexto internacional, com a admissão à FIFA. Um dos homens que teve um papel importantíssimo neste processo foi precisamente Fadil Vokrri, considerado o melhor futebolista kosovar de sempre, afinal foi o único a representar a seleção da antiga Jugoslávia, e atualmente considerado um herói nacional, razão pela qual após a sua morte (em junho de 2018 devido a um ataque cardíaco) foi dado o seu nome ao estádio nacional, na capital Pristina..Vokrri foi o primeiro presidente da Federação de Futebol do Kosovo, que começou a sua existência num escritório improvisado num apartamento de Pristina, com dois quartos onde estavam instaladas duas secretárias e outros tantos computadores. Dinheiro era coisa que não existia, mas havia paixão pelo futebol e sobretudo o sonho de colocar a seleção kosovar a disputar jogos oficiais sob alçada da FIFA..Fadil Vokrri viveu em França desde 1989, quando decidiu jogar pelo Nîmes em grande medida para fugir com a família de uma guerra na Jugoslávia que já adivinhava ser inevitável, regressou à terra natal cinco anos depois do conflito sangrento nos Balcãs. Quando colocou as mãos à obra para que a federação kosovar fosse reconhecida, fez questão de nunca misturar o futebol com a política, afinal a sua máxima era: "O futebol é maior que tudo." As suas primeiras tentativas junto da FIFA não foram bem-sucedidas, mas isso não impediu que disputassem alguns jogos particulares, que serviram de embrião para o futuro..Admissão à FIFA e festa nas ruas.Em 2014 houve uma primeira vitória do futebol kosovar, quando Vokrri recebeu autorização formal da FIFA para que a sua seleção pudesse jogar particulares, que assim deixavam de ser "clandestinos", embora não fosse autorizado a ser tocado o hino nacional antes de cada partida. A partir daquele momento foi feito um trabalho de descoberta de futebolistas refugiados kosovares um pouco por toda a Europa. A admissão à FIFA acabou por ser aceite em maio de 2016, com 28 votos a favor e 24 contra. O país ficou em festa... terá sido a maior manifestação de alegria do povo desde a declaração de independência, com fogo-de-artifício e milhares de pessoas nas ruas..À admissão juntou-se a declaração da UEFA, que passaria a analisar todas as solicitações de jogadores de origem kosovar que pretendessem deixar o país que representavam na altura para defender as cores da nação onde tinham raízes. Granit Xhaka e Xherdan Shaqiri, os melhores jogadores de origem kosovar, decidiram continuar a representar a Suíça, mas o promissor Valon Berisha optou por deixar a seleção da Noruega e no primeiro jogo oficial do Kosovo entrou para a história ao marcar o golo do empate 1-1 na Finlândia, a contar para o apuramento para o Mundial 2018..Era um início de sonho, embora a equipa tenha perdido os restantes jogos da qualificação, o último dos quais na Islândia, em outubro de 2017. A partir daí não mais o Kosovo foi derrotado, tendo garantido já uma vaga no playoff do Euro 2020 por ter vencido o grupo 3 da Liga D da Liga das Nações. A questão que se coloca atualmente é o que acontecerá se a seleção garantir o apuramento para a fase final do Europeu, que se vai disputar em vários países, alguns dos quais - Azerbaijão, Roménia, Rússia e Espanha - não reconhecem ainda a independência do Kosovo..Para já o povo kosovar saboreia a vitória do último sábado, em Pristina, diante da República Checa. Um feito inolvidável para aqueles que já são apelidados de "filhos de Vokrri". Na verdade, foi Fadil Vokrri que tornou possível a concretização deste sonho e nas cerimónias fúnebres com que foi homenageado, em junho do ano passado, ficou bem evidente que se tratava de uma figura capaz de unir povos que estão de costas voltadas. A prova disso foi a presença no funeral de Tomislav Karadzic, antigo presidente da Federação Sérvia de Futebol, e outras personalidades sérvias. E até o filho mais velho de Vokrri, Gramoz, foi convidado para visitar o Partizan Belgrado, clube onde brilhou o seu pai no final da década de 1980..O próximo sonho a cumprir pela seleção do Kosovo é entrar em campo com um jogador da minoria sérvia... talvez esse seja um passo importante para que a luta de Vokrri tenha feito todo o sentido. Afinal, "o futebol é maior do que tudo", dizia ele..Só nove dos 22 convocados nasceram no Kosovo.Entre os 22 jogadores convocados pelo selecionador kosovar, o suíço Bernard Challandes, que estiveram na vitória histórica frente à República Checa, apenas um joga no campeonato do Kosovo: o guarda-redes suplente Visar Bekaj, que representa o KF Pristina. Este é um dos nove futebolistas nascidos no país, sendo o resto da equipa constituída por cinco naturais da Suíça, cinco que nasceram na Alemanha e três que nasceram na Suécia..No entanto, apenas cinco representaram a seleção do Kosovo, são eles Bernard Berisha, Anel Rashkaj, Florent Hasani, Idriz Voca e Edon Zhegrova. Todos os outros vestiram as camisolas de outros países antes de optarem pela seleção kosovar, sendo que seis representaram as equipas nacionais da Albânia, três jogaram pela Noruega, dois pela Suíça, dois pela Alemanha, havendo ainda ex-internacionais pela Áustria, Montenegro e Suécia..Há, no entanto, o caso curioso de Leart Paqarada, que nasceu na cidade alemã de Bremen, tendo representado as seleções germânicas de sub-16 e sub-17, tendo feito ainda um jogo pelos sub-21 da Albânia, antes de optar pela equipa nacional do país do seu pai, Shukri, um antigo guarda-redes kosovar..É esta jovem seleção que está numa sequência de 15 jogos sem conhecer a derrota e que nesta terça-feira vai ter o tal teste de fogo no Estádio Saint Mary's, em Southampton, frente à poderosa Inglaterra. É mais uma oportunidade de fazer história.