Koike desafia Abe e toda a elite política masculina do Japão

Primeiro-ministro dissolveu Assembleia e convocou eleições antecipadas para 22 de outubro. Partido da Esperança da governadora de Tóquio surge a subir nas sondagens.
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Foi num Clube da Imprensa Nacional Japonesa apinhado de apoiantes que Yuriko Koike se lançou ontem na corrida às eleições antecipadas para 22 de outubro no Japão. A governadora de Tóquio, muitas vezes apontada como candidata a ser a primeira mulher a liderar um executivo nipónico, garantiu que "não estamos a lançar-nos na corrida para acabarmos como partido da oposição. Esta eleição é sobre ganhar poder".

Com o primeiro-ministro Shinzo Abe a dissolver a Assembleia na esperança de reforçar a sua posição numa altura em que o Japão está no centro da tensão com a Coreia do Norte, o Partido da Esperança de Koike parece disposto a estragar-lhe os planos. Sobretudo depois de a liderança do Partido Democrático - oposição tradicional ao Partido Liberal Democrata (PLD) de Abe - se ter afastado da corrida, permitindo aos seus candidatos apresentar-se sob as cores da nova formação, criada oficialmente só na quarta-feira.

A última sondagem Mainichi dá 18% de intenções de voto ao Partido da Esperança, ainda longe dos 29% do PLD, enquanto um estudo do instituto Asahi dá 13% à formação liderada por Koike, ainda mais longe do partido de Abe, com 32%.

"Sou uma pessoa que está sempre pronta para a ação", garantiu Koike em palco, rodeada pelos colaboradores. A antiga ministra da Defesa - no primeiro governo de Abe (2006-07) - explicou que não será ela própria candidata, preferindo dedicar-se ao governo de Tóquio, numa altura em que a capital prepara os Jogos Olímpicos de 2020, evento que Koike acredita ser "benéfico para o Japão como um todo", como explicou ao Japan Times.

Nascida e criada em Ashiya, um subúrbio abastado de Kobe, Koike aprendeu a gostar de política com o pai, um empresário que chegou a ser candidato às eleições de 1969. Foi também ele quem lhe explicou a importância de reforçar as relações com os países árabes, o que a levou a estudar árabe no Cairo. Brevemente casada com um colega da Universidade Americana, Koike divorciou-se e trabalhou como intérprete antes de se tornar jornalista, tendo entrevistado líderes como o líbio Muammar Kadhafi ou o palestiniano Yasser Arafat. Em 1990 recebeu o prémio de melhor apresentadora de notícias do Japão.

Dois anos depois, era eleita para a Câmara alta do Parlamento, antes de, um ano depois, passar para a mais poderosa câmara baixa. Em 2002, aderiu ao PLD, tornando-se ministra do Ambiente, uma década antes de ser a primeira mulher à frente do Ministério da Defesa japonês. A lealdade ao PLD chegou ao fim em 2016, quando desafiou o partido para se candidatar como independente a governadora de Tóquio. Venceu de forma esmagadora. Desde então o seu Partido da Esperança veio ganhando força, atraindo até várias figuras do PD.

Profunda conhecedora das técnicas de comunicação, não só chegou à Câmara de Tóquio numa cadeira de rodas, após ser eleita, para sentir a angústia dos deficientes e ajudar a resolver os seus problemas, como ontem, antes do discurso, posou para os fotógrafos ao lado da imagem de uma cria de panda nascida no zoo de Tóquio.

Em termos políticos, Koike e Abe até nem são assim tão diferentes - ambos conservadores próximos do grande capital e falcões em termos de defesa -, mas há duas áreas em que divergem. Ele prometeu aumentar o imposto sobre o consumo em 2019 para financiar os gastos com educação e cuidados com os idosos, enquanto ela defende o congelamento dos impostos. E enquanto Koike apela ao abandono do nuclear após o acidente de Fukushima em 2011, já Abe apoia reativar os reatores.

Para já, poucos analistas acreditam numa vitória do Partido da Esperança, mas muitos estão convencidos de que pode pelo menos tirar a Abe a maioria de dois terços, essencial para o seu sonho de alterar a Constituição pacifista imposta ao país após a II Guerra Mundial.

E pode ainda não ser desta, mas a verdade é que Koike está cada vez mais perto, num país de elites políticas masculinas, de quebrar a "placa de chumbo", como ela a própria a define, que afasta as mulheres do topo do poder.

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