Justiça internacional tem teste decisivo com Karadzic
É como que um capítulo que se fecha: com a captura de Radovan Karadzic a comunidade internacional pode dar por praticamente encerrada a gestão dos conflitos balcânicos. Os juízes de Haia podem celebrar o êxito como a prova provada de que a impunidade dos tiranos é coisa do passado - e como uma oportunidade de recobrar uma credibilidade seriamente abalada nos últimos tempos.
O julgamento de Karadzic não deixará ainda assim de representar uma dura prova para os juízes de Haia. O tempo escasseia - o mandato do Tribunal Penal Internacional para a ex- Jugoslávia (TPIJ) expira em 2010, e os cinco anos do processo de Slobodan Milosevic, interrompido em Maio de 2006, ao cabo de cinco anos de julgamento, pela morte do ex-líder sérvio, serve de alerta para a complexidade do caso.
Tal como Milosevic e o líder radical Vojislav Seselj, Karadzic reivindica o direito de se defender a ele próprio. Propõe-se assim, tudo o indica, transformar o seu num processo político e assumir - tal como fez Milosevic -, o papel de acusador da comunidade internacional e do próprio TPIJ nos conflitos balcânicos. Por outro lado, o julgamento vai iniciar-se num momento em que a credibilidade do Tribunal de Haia se vê abalada por alguns juízos polémicos, absolvendo figuras cruciais nos conflitos da Bósnia e do Kosovo.
Naser Oric, antigo líder muçulmano de Srebrenica, era acusado de ser o grande responsável pelo massacre da população de várias aldeias sérvias no leste da Bósnia. Uma acção que muito terá pesado na sangrenta vingança dos sérvios ao tomarem de assalto aquele enclave muçulmano em Julho de 1995. Recorde-se que o massacre de soldados muçulmanos em Srebrenica constitui uma peça crucial no processo contra Karadzic. Ramush Haradinaj, líder político e militar dos albaneses do Kosovo, era apontado como um dos grandes responsáveis pela limpeza étnica que chacinou ou expulsou grande parte da população sérvia do Kosovo depois da ocupação do território pela NATO, em 1999, e de envolvimento directo em casos de assassinato, rapto e tortura, rapto de civis sérvios. Em ambos os casos os testemunhos eram esmagadores. Mas Oric e Haradinaj foram mandados em paz pelos juízes de Haia com o argumento de que as provas recolhidas eram insuficientes.
Pouco antes da absolvição de Haradinaj, em Março último, a antiga procuradora do TPIJ Carla del Ponte lançou, num livro polémico, revelações segundo as quais as instâncias internacionais no Kosovo teriam ignorado suspeitas que envolviam altos responsáveis albaneses no tráfico de órgãos de prisioneiros sérvios.
O TPIJ foi criado em Março de 1993, com o objectivo de garantir que os responsáveis por crimes de guerra não ficariam impunes. Além da controvérsia que envolveu a sua criação, o TPIJ foi muitas vezes acusado de servir de instrumento político. Os críticos apontaram-lhe a excessiva dependência do apoio financeiro e logístico dos EUA e da NATO, as famosas "acusações secretas" ou a recusa em dar seguimento ao dossiê apresentado em Maio de 1999 por um grupo de juristas ocidentais acusando a NATO de crimes de guerra durante o ataque ao Kosovo.
Uma dezena de acusados morreram nas celas. As circunstâncias da morte do mais célebre prisioneiro de Haia, Milosevic, a 11 de Março de 2006, ainda hoje alimentam acesa polémica. Mas a acusação mais grave lançada contra o Tribunal de Haia é a da falta de transparência. Nenhuma instância reguladora controla o labor dos juízes. E boa parte das revelações dos mais de 300 dias do processo nunca veio a público.