Juízes. Residência alternada deve entrar na lei portuguesa
O Conselho Superior da Magistratura defende que a legislação portuguesa deve prever expressamente a residência alternada dos filhos de pais separados, uma possibilidade que atualmente é omissa na lei.
Num parecer enviado à Assembleia da República, a propósito da petição que defende que as crianças filhas de pais separados devem coabitar com ambos os progenitores, o órgão que supervisiona os magistrados é breve na apreciação: "O princípio de que, salvo motivos ponderosos, a residência dos filhos de pais separados deve ser com ambos os progenitores, de forma alternada e com possível adequação ao caso concreto pelo juiz, é de prever legalmente."
Com esta deliberação, aprovada a 30 de outubro em sessão plenária do CSM, o órgão que supervisiona os juízes junta-se à Procuradoria-Geral da República, que defendeu também que a residência alternada de filhos de pais separados deve ficar expressamente prevista no Código Civil. Mas a PGR vai mais longe, defendendo que a alternância entre a casa de ambos os pais deve ter um estatuto privilegiado relativamente a outras soluções - sendo a mais comum viver com um deles (na maior parte dos casos, a mãe), com visitas ao outro. E, sustenta a Procuradoria, a coabitação deve ser ponderada mesmo quando não haja acordo entre os progenitores.
Embora não proíba a residência alternada dos filhos de pais separados - uma solução que tem vindo, aliás, a ganhar terreno nos tribunais -, a lei nacional é omissa quanto a esta fórmula. O Código Civil fala em guarda partilhada, mas este é um conceito diferente do da residência: o facto de a guarda ser partilhada não significa que a residência também o seja. Quanto a este último ponto, o Código Civil estabelece que "o tribunal determinará a residência do filho e os direitos de visita de acordo com o interesse deste, tendo em atenção todas as circunstâncias relevantes, designadamente o eventual acordo dos pais e a disponibilidade manifestada por cada um deles para promover relações habituais do filho com o outro". O quadro legal aponta sempre para um cenário de residência habitual com um dos pais - "O exercício das responsabilidades parentais relativas aos atos da vida corrente do filho cabe ao progenitor com quem ele reside habitualmente, ou ao progenitor com quem ele se encontra temporariamente".
Mas se a lei não impede esta medida, qual a diferença de colocá-la expressamente no Código Civil? Jorge Pinheiro, professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa e especialista em direito da família deu a resposta, em declarações ao DN, quando deu entrada no Parlamento o parecer da PGR. A previsão legal "dá uma dignidade diferente à residência alternada", disse então, sublinhando que o atual quadro legal admite mais possibilidades, além da guarda atribuída a um dos progenitores, mas nem chega a nomear quais. Jorge Pinheiro sublinha que as possibilidades que estão expressas na lei são aquelas a que vão recorrer pais e tribunais. Ou seja, inscrever a residência alternada no Código Civil corresponderia a uma promoção da sua prática.
O regime de residência alternada prevê que as crianças vivam com os dois pais, se não numa divisão de tempo totalmente igualitária, pelo menos garantindo que, no mínimo, um terço do tempo é passado com um dos dois. Habitualmente, o regime mais posto em prática passa por uma semana em casa de um, outra semana em casa de outro.
A petição, entregue em julho na Assembleia da República, e que reuniu 4169 assinaturas (o que significa que terá de ser discutida em plenário), defende uma alteração legislativa com vista a "estabelecer a presunção jurídica da residência alternada para crianças de pais e mães separados ou divorciados" - ou seja, que a coabitação seja a primeira opção a considerar pelos tribunais, e que só deve ser afastada nos casos em que, comprovadamente, seja contrária ao interesse da criança.
O texto, promovido pela Associação Portuguesa para a Igualdade Parental e Defesa dos Direitos dos Filhos, gerou controvérsia, dando origem a uma carta aberta subscrita por 27 associações e dirigida a todos os grupos parlamentares, defendendo que a Assembleia da República não deve impor a residência alternada como regra, devendo as famílias ter liberdade de escolha. Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV), Associação Portuguesa de Mulheres Juristas, Associação de Mulheres contra a Violência ou a Capazes foram algumas das entidades que se manifestaram contra.