A justiça brasileira determinou ontem que Michel Temer, preso desde quinta-feira passada no Rio de Janeiro após ação da Operação Lava-Jato, deve ser solto. A decisão foi do desembargador Antonio Ivan Athié, do Tribunal Regional Federal da 2.ª Região, de segunda instância, e contraria o entendimento do juiz de primeira instância da sétima vara federal carioca Marcelo Bretas, que se havia decidido pela prisão preventiva..O juiz também determina que o ex-ministro Moreira Franco, braço-direito de Temer, que o operador financeiro do suposto esquema criminoso comandado pelo ex-presidente, João Baptista Lima Filho, conhecido como coronel Lima, e outros cinco alvos da Operação Descontaminação, como foi batizado o desdobramento da Lava-Jato, saiam da cadeia..Athié surpreendeu porque, na sexta-feira, quando os advogados de Temer interpuseram o pedido de habeas corpus, havia informado que só na quarta-feira, em reunião do coletivo de três juízes que compõem o Tribunal Regional Federal, seria tomada uma decisão sobre o tema, porque não queria que o caso fosse analisado apenas por si, mesmo sendo o juiz relator do pedido. Afinal, proferiu uma resolução monocrática, argumentando que aproveitou "o fim de semana para ler todos os documentos". ."Ao examinar o caso, verifiquei que não se justifica aguardar mais dois dias pela decisão, ora proferida e ainda que provisória, uma vez que está em questão a liberdade. Assim, os habeas corpus que foram incluídos na pauta da próxima sessão ficam dela retirados", escreveu..Para justificar a sua decisão, mesmo elogiando a Lava-Jato, aproveitou para condenar a decisão de Bretas de mandar prender os suspeitos. "Ressalto que não sou contra a Lava-Jato, ao contrário, também quero ver o nosso país livre da corrupção que o assola. Todavia, sem observância das garantias constitucionais, asseguradas a todos, inclusivamente aos que a renegam aos outros, com violação de regras não há legitimidade no combate a essa praga." Para Athié, "houve caolha [estrábica, zarolha] interpretação" e a prisão foi "embasada em suposições de factos antigos, apoiadas em afirmações do órgão acusatório, ao qual não se nega - tem feito um trabalho excecional, elogiável, no combate à corrupção em nosso país"..Em suma, "tem-se factos antigos, possivelmente ilícitos, mas nenhuma evidência de reiteração criminosa posterior a 2016, ou qualquer outro fator que justifique prisão preventiva". Sobre o mérito da acusação, Athié não se pronunciou..Para justificar a prisão preventiva de Michel Temer, Moreira Franco e demais investigados, o juiz Marcelo Bretas, por sua vez, considerara "a gravidade da prática criminosa de pessoas com alto padrão social, mormente políticos nos mais altos cargos da República". Segundo o magistrado, aliás, os alvos usariam da influência política para "burlar os trâmites legais" e ocultar provas..Na altura, o mundo jurídico já havia criticado Bretas. "A prisão do ex-presidente Temer é arbitrária e sensacionalista. Não há nenhum requisito que sustente a necessidade da prisão preventiva neste caso", afirmara Sylvia Urquiza, sócia do Urquiza, Pimentel e Fonti Advogados, à revista Época..Por outro lado, foram lembradas pela imprensa declarações controversas de Athié no passado. Em fevereiro de 2017, o desembargador comparara os pagamentos milionários de subornos investigados na Lava-Jato a simples "gorjetas"..Temer, que tem ainda mais nove processos a correr nos tribunais de Brasília e de São Paulo, havia sido detido por conta de uma investigação em que é afirmado que a construtora Engevix, que havia sido subcontratada para obras na central nuclear de Angra 3, no Rio, lhe havia pago, diretamente, 1,1 milhões de reais (cerca de 250 mil euros). A acusação, no entanto, fala em valores acima de 1,8 mil milhões de reais (mais de quatro milhões de euros) desviados ao longo de anos..A prisão de Temer foi desencadeada pela delação premiada de José Antunes Sobrinho, ex-sócio da Engevix. A empreiteira foi subcontratada por um consórcio que venceu o principal contrato da central nuclear. Uma das empresas do consórcio era a Argeplan, do coronel Lima, apontado como operador de Temer..Temer, segundo a acusação, controlava a estatal Eletronuclear, responsável por Angra 3, já que teria indicado o presidente da empresa pública à época, o vice-almirante Othon Pinheiro, já condenado a 43 anos na Lava-Jato..Sobrinho afirmou ter pago as propinas ao grupo de Temer por meio de contrato com empresas de fachada em nome do coronel Lima..Temer, 78 anos, tem uma extensa vida política, tenso sido em três ocasiões presidente da Câmara dos Deputados, além de vice-presidente de Dilma Rousseff. Chegou ao Palácio do Planalto, depois de conspirar a favor da queda da presidente em processo de impeachment, em 2016. A maior parte do núcleo do seu governo, entretanto, está ou passou pela prisão. Como o próprio Temer.