Juiz Carlos Alexandre sofre pesada derrota no Supremo

O magistrado alegou estar a ser "julgado na praça pública" sem direito a defesa. Queria travar o processo disciplinar a que está a ser sujeito por causa da entrevista que deu, no ano passado, à RTP, mas o recurso foi indeferido.
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O Supremo Tribunal de Justiça (STJ) indeferiu um recurso do juiz Carlos Alexandre que pretendia travar o processo disciplinar que lhe foi instaurado pelo Conselho Superior de Magistratura (CSM), por causa da entrevista que deu no final do ano passado à RTP.

No recurso ao STJ, o super-juíz invocava que, logo que a decisão do CSM foi divulgado pela comunicação social, foi "julgado na praça pública (...) quando nem sequer lhe havia sido concedida previamente a faculdade de poder exercer devidamente o seu direito de defesa".

Nesta entrevista, recorde-se, o magistrado, que tem decidido alguns dos casos mais mediáticos do Tribunal Central de Instrução Criminal (TCIC), lançou dúvidas sobre a garantia de aleatoriedade da distribuição dos processos: "Há uma aleatoriedade que pode ser maior ou menor consoante o número de processos de diferença que exista entre mais do que um juiz."

As suas palavras foram tanto mais explosivas porque, semanas antes, a instrução da "Operação Marquês", que tem como principal arguido o ex-primeiro-ministro José Sócrates - e de cuja fase de inquérito Carlos Alexandre tinha sido titular, fora distribuída ao seu "arquirrival" do TCIC, Ivo Rosa.

"Dada à gravidade das declarações prestadas" o CSM instaurou logo em outubro um inquérito disciplinar. Um mês depois, o relatório do inspetor judicial era inequívoco: "violou inequivocamente os seus deveres de reserva, prossecução do interesse público e correção, motivo pelo qual urge propor a instauração do respetivo procedimento disciplinar». A proposta foi aprovada por unanimidade pelo Conselho Plenário do CSM.

Os argumentos do juiz

Segundo o acórdão do STJ, datado de 4 de julho mas só divulgado esta terça-feira e a que o DN teve acesso, o juiz do "ticão" entendeu que "a existência do processo disciplinar assume, de facto, uma dimensão negativa que o afeta nos seus direitos ao bom nome, honra, imagem, bem como o prestígio pessoal e profissional".

Mais, sublinha ainda que "prejudica, por si só, muito provavelmente de forma irreversível", os seus interesses. Alegou no seu recurso ser "um Juiz conhecido do público em geral, estando a maioria dos seus actos pessoais e profissionais totalmente expostos ao escrutínio por parte da opinião pública e órgãos de comunicação social, sem que em algum momento tenha contribuído para isso".

Carlos Alexandre dramatizou mesmo: "existe a possibilidade real de os vários intervenientes processuais dos processos em que o requerente é Juiz, sabendo da existência do decurso do processo disciplinar poderem, ainda que por razões infundadas, fomentar e instigar a dúvida quanto à idoneidade do requerente".

O magistrado assinala que "concedeu a entrevista a título pessoal e não enquanto juiz", que "em momento algum quis "levantar dúvidas" sobre o "exercício das suas funções" e que as notícias "foram distorcidas da realidade da entrevista".

Apresentou vários motivos que, na sua opinião, deviam levar à suspensão da decisão do CSM: o inquérito disciplinar teve deficit de instrução (não foram ouvidas as 33 testemunhas que indicou nem a entrevista foi ouvida na íntegra); viola o "princípio de igualdade", pois em casos que alega serem semelhantes o CSM não se pronunciou da mesma forma; houve "falta de imparcialidade do então Exmo. Senhor Vice-Presidente do CSM e do Exmo. Sr. Inspetor Judicial", denunciando "várias ocorrências no processo de inquérito são algo estranhas" - são alguns exemplos da argumentação.

Contactado pelo DN, o juiz conselheiro Mário Morgado, na altura vice-presidente do CSM, não quis comentar a acusação de Carlos Alexandre.

Presunção de inocência

Os juízes da Secção do Contencioso do STJ rebateram um a um os motivos elencados por Carlos Alexandre. Desde logo, porque o que estava em causa era a conversão do inquérito em processo disciplinar, o que "não representa qualquer presunção de culpa, visando antes apurar da eventual responsabilidade disciplinar do visado, que, no exercício pleno do contraditório, se presume inocente até ao trânsito em julgado da decisão".

Assim, assinala o STJ, "os eventuais prejuízos sempre serão suscetíveis de compensação, caso o Requerente obtenha êxito na ação principal, e desde que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito".

Os juízes conselheiros também não vislumbraram que os receios de Carlos Alexandre fossem sólidos e factuais o suficiente para suspender o processo disciplinar.

"Relativamente aos alegados prejuízos não apenas de difícil reparação mas mesmo de natureza irreparável, aos afirmados danos morais de relevo, de natureza irreparável ou de muito difícil reparação, o Requerente não procedeu à respetiva concretização, limitando-se a afirmações abstratas, genéricas e conclusivas, sem especificação (a que estava onerado) dos factos concretos de onde emergem".

Nenhum dos outros argumentos, como o deficit de instrução ou a falta de imparcialidade do ex-vice do CSM foram também aceites pelo STJ - até porque, sublinham, é o processo disciplinar "que envolve e as garantias do arguido (que, no exercício pleno do contraditório, se presume inocente até ao trânsito em julgado da decisão)".

Finda a instrução, assinala o STJ, o instrutor toma uma de duas decisões: "ou conclui pela existência de indícios suficientes dos factos constitutivos da infração disciplinar e deduz acusação; ou considera não existirem indícios suficientes dos factos constitutivos da infração e elabora relatório com proposta de arquivamento do processo, submetendo o relatório a decisão do CSM".

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