Juhani Pallasmaa: "A arquitetura precisa de autonomia. Essa é a importância de Álvaro Siza"

Juhani Pallasmaa e Álvaro Siza encontram-se para uma conversa sobre a arquitetura do norte e a do sul, esta quarta-feira, na Gulbenkian. Na véspera, o DN falou com o finlandês que escreve 10 horas por dia desde que fechou o seu estúdio
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Juhani Pallasmaa, 81 anos, fechou as portas do seu estúdio de arquitetura há seis anos. Conta que foi depois de ter aberto a última obra, uma sala de concertos para orquestra. "Nessa semana eu tive muito que fazer e não tive oportunidade de ouvir os músicos. No dia da inauguração quando ouvi o solo de violino composto especialmente para o dia da inauguração, soava exatamente como eu tinha pensado. No dia seguinte, fechei o estúdio", conta. Desde então dedica-se à escrita. Editou 50 livros desde então. Desde 1996, altura em que foi lançado Eyes of Skin (Os Olhos da Pele, na tradução portuguesa, da Bookman) já escreveu outros 64. "E tenho seis em preparação", conta. Austrália, Espanha, Finlândia, China são alguns dos países com que está a trabalhar. "Escrevo 10 horas por dias, incluindo sábados e domingos. Aprendi que o truque é ter várias bolas no ar".

Está de visita a Lisboa pela segunda vez em três semanas. Primeiro para ser júri de um prémio, esta quarta-feira o pretexto é uma conferência da plataforma Docomomo International, que o junta a Álvaro Siza. O tema é o Diálogo entre Norte e Sul.

O seu apelido soa latino, portanto do sul, e a conversa começa aí.

- O apelido Pallasmaa tornou-se popular na Finlândia nos anos 30 quando eu nasci. Entre as famílias que tinham nomes suecos ou alemães ou latinos. Foi uma invenção do meu pai. Tem um significado. Pallas é um grande peixe no Ártico e Maa é país. Estou grato pelo nome, gosto realmente dele. O apelido da minha mulher quer dizer Eu vejo. Por isso, os nomes são Vejo grande peixe do Ártico. É muito apropriado (risos).

- Vão falar sobre Norte e Sul...

- O tema foi o Álvaro que escolheu. Estou contente, é um assunto importante. Estas conversas entre os opostos, este-oeste, norte-sul, sempre foram tão importantes na cultura. Em parte, o sul tem um significado mitológico para quem é do norte, e vice-versa. É parte de outra coisa. Nós, os seres humanos, precisamos do que não temos, um lugar onde não estamos, precisamos de imaginar uma alternativa.

- O que há de mitológico no sul?

- A cultura europeia naturalmente é mediterrânica, e é disso que vou falar amanhã. Como esta ideia do Mediterrâneo e da cultura influenciou os arquitetos do século XIX e XX, principalmente no início do modernismo.

- Ainda se pode falar numa arquitetura mediterrânica?

- Tudo é tão confuso e misturado hoje em dia, mas a arquitetura espanhola tem uma identidade. Na minha opinião, e não apenas na minha, a arquitetura espanhola tem liderado o mundo nos últimos 30 anos. E Portugal a seguir. Esta Península tem sido um ponto de foco da arquitetura de muitas formas nos últimos 30 anos.

- Porquê?

- Diria que tem que ver com a liberalização política. Em períodos de supressão cultural tende a haver um lançar de energia. Aconteceu na Finlândia, na viragem do século XIX, por exemplo. São coisas complexas e profundas. Assuntos psicológicos, sociológicos. Por exemplo, temos tendência a achar que a arquitetura atinge maior nível quando há mais riqueza e segurança, mas não acredito. Penso que é ao contrário. Pelo menos, no meu país. A arquitetura tornou-se muito boa em alturas em que a economia não estava bem, quando havia instabilidade política. Tendemos a tomar a arquitetura por garantida e é apenas em momentos de dúvida e incerteza que nos tornamos subtis de novo e percebes o que a arquitetura defende. E no mundo de hoje, com a globalização, a arquitetura está em grande perigo.

- A globalização coloca os arquitetos todos no mesmo patamar?

- A globalização tende a fazer a arquitetura parecer negócio. Isso é muito claro para mim e tenho pena que a profissão de arquitetura seja um negócio e não arte. E viajando por todo o mundo, a melhor arquitetura é a que vem de pequenos escritórios. Quando se transforma numa grande companhia a existência humana essencial dilui-se. A arquitetura está totalmente "funcionalizada", virada para os requisitos utilitários. No oposto, está uma arquitetura totalmente esteticizada. A arquitetura precisa de autonomia. Essa é a importância de Álvaro Siza. A sua arquitetura ergue-se da tradição e das preocupações sociais, mas também é autónoma, independente. É essa a sua missão na arquitetura.

- Quando conheceu o trabalho de Álvaro Siza? Recorda-se?

- Nos anos 70, 80. Eu fiquei muito impressionado com a combinação de tradição e qualquer coisa a crescer da História e ao mesmo tempo nova e moderna, no sentido de ter a sua própria mensagem para nós.

- Disse, numa entrevista, que, a arquitetura devia retratar o mundo e não o arquiteto.

- Mais uma vez, não é fácil. A arquitetura é uma arte de fazer, que hoje em dia se tornou demasiado intelectualizada. Transformada num processo por causa dos computadores. No fazer, continua a precisar de um toque importante da mão humana. Esse toque está no trabalho de Álvaro Siza. Como disse, a arquitetura está em apuros porque é preciso equilíbrio entre opostos. A boa arquitetura é anónima. Anónima no sentido de que vem de um claro sentido histórico. Pessoal no sentido em que vem de um fazedor. Álvaro é um bom exemplo.

Eyes of Skin, Os Olhos da Pele, em português, tem um título poético. Foi lançado em 1996 e tornou-se num clássico da arquitetura.

- A razão por que se chama assim foi eu querer ligar, como Aristóteles, o mais importante dos sentidos, a visão, com o menos importante, o tato. Aprendi que a nossa pele tem ainda a capacidade de distinguir cor. Para uma criança no feto, a pele tem toda a mesma função, só depois se começa a especializar. Isso aconteceu-me várias vezes. Lancei um argumento poético e a ciência provou que estava certo (risos).

É muito recente e é o meu primeiro. Saiu quase por acidente. Quase todos os meus livros foram assim. Nunca pensei escrever um livro. Os meus escritos hoje têm mais experiência, mas ainda me surpreende que faça tanto sentido. Não o escreveria de outra maneira.

Tornei-me crítico da hegemonia visual, por oposição a outros sentidos, porque é o mais afastado. Do que o tato, por exemplo. Fiquei interessado nos sentidos e na sua interação. A ideia dos cinco sentidos vem de Aristóteles, mas temos muitos mais sentidos. Um livro recente considera que temos 33 ou 34 sistemas sensoriais pelos quais nos ligamos ao mundo. Afasto-me cada vez mais dos cinco sentidos. Também tendemos a ver a arquitetura como edifícios materiais quando, na verdade, a dimensão artística da arquitetura só resulta da experiência. Estou a escrever sobre isso, a arquitetura como experiência. Hoje em dia, atrevo-me a dizer que a visão não é o mais importante dos sentidos, que o mais importante é o sentido de existir. Encontramos o espaço na arquitetura pela nossa existência.

O encontro entre Álvaro Siza e o finlandês Juhani Pallasmaa acontece esta quarta-feira, às 17.00, na Fundação Calouste Gulbenkian. Ana Tostões, arquiteta, professora do Instituto Superior Técnico e presidente do Docomomo International, a plataforma que se destina a documentar e conservar o movimento moderno e cuja sede está atualmente em Lisboa. A entrada é livre, sujeita à lotação do auditório 2.

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