A 9 de maio, se o coronavírus deixar, a Plataforma Consulta Popular Estatal República ou Monarquia (que reúne várias organizações políticas, sindicais e sociais) promete organizar um referendo popular simbólico sobre a forma do Estado em Espanha. "Temos consciência de que esta consulta não poderá ter um carácter vinculativo, mas é uma via de expressão, participação cidadã e um ato democrático com o qual, além disso, exercemos o nosso direito a decidir sobre tudo o que nos interessa", dizem os organizadores. Um gesto simbólico numa altura em que sobem de tom as polémicas e ganham gravidade os escândalos em torno do rei emérito, Juan Carlos, que em junho de 2014 abdicou a favor do filho, Felipe VI, e que em 2019 se afastou da vida pública. Há muito que Espanha já não é juancarlista..Apesar de Felipe VI, de 52 anos, também ser alvo de críticas, a principal mossa à monarquia espanhola continua a ser feita pelo rei emérito, de 82 anos. Segundo a última sondagem Sociométrica para o site El Español, publicada em janeiro, a monarquia é valorizada com 5,4 (numa escala de 0 a 10), uma queda de 0,6 pontos em relação à primeira destas sondagens, feita três anos antes. Em abril de 2015, a última sondagem do Centro de Investigação Sociológica (CIS, público) a questionar os espanhóis sobre a monarquia dava-lhe um valor negativo, de apenas 4,34. Ainda assim superior aos 3,72, registados um ano antes, ainda com Juan Carlos à frente da Casa Real. Na sondagem mais recente, Felipe VI recebe 7,2 de aprovação, enquanto o pai não vai além dos 5,1..O monarca que Franco tinha escolhido para pôr no trono lançou, após a morte do ditador em 1975, as bases para a transição democrática. Juan Carlos conquistou os espanhóis noutro momento, durante a tentativa de golpe de Estado de 23 de fevereiro de 1981, quando num discurso à nação vestido com o uniforme militar defendeu o regresso à Constituição. Durante muitos anos, dizia-se que os espanhóis eram juancarlistas, não monárquicos. Ao assumir as rédeas da Casa Real, Felipe VI teve de lidar com os estilhaços dos escândalos do pai, ao mesmo tempo que enfrentava a crise política em Espanha - já teve em menos de seis anos de reinado mais consultas com os partidos do que Juan Carlos em 38 anos - e os desejos de independência da Catalunha. A reação de Felipe VI ao referendo independentista ilegal de 1 de outubro gerou mais contestação entre os catalães..Ao contrário de outros países europeus onde a monarquia é uma instituição com séculos de continuidade, no caso de Espanha esta viu-se interrompida em 1931, pela II República e pelos anos de franquismo. A última experiência monárquica é por isso recente, mais jovem do que o próprio Felipe VI..As contas na Suíça.Mas além de ter de lidar com os próprios problemas - incluindo alegados desentendimentos entre a rainha Letizia e a sua própria mãe, Sofia - Felipe VI depara-se agora com mais um problema vindo do pai. O mais recente escândalo prende-se com a alegada transferência de 65 milhões de euros de uma conta ligada ao ex-monarca para uma em nome de Corinna zu Sayn-Wittgenstein (Larsen, após o divórcio do aristocrata alemão Casimir zu Sayn-Wittgenstein-Sayn), apontada como amante do pai de Felipe VI. O dinheiro teria alegadamente origem em comissões que teriam sido pagas ao consórcio de empresas espanholas que ganhou a adjudicação da construção da linha de alta velocidade que liga Medina a Meca, na Arábia Saudita. As autoridades anticorrupção espanholas terão pedido informações às autoridades suíças sobre o caso..Segundo o jornal suíço Tribune de Genève, em 2008, o entretanto falecido rei Abdallah da Arábia Saudita teria dado cem milhões de dólares a Juan Carlos. O dinheiro teria sido depositado numa conta do banco suíço Mirabaud, em nome da fundação Lucum, com sede no Panamá e cujo único beneficiário seria o então monarca. Segundo a investigação suíça, este teria retirado o dinheiro aos poucos, sendo a conta fechada após rebentar o escândalo da viagem de Juan Carlos e Corinna ao Botswana para caçar elefantes, em 2012. A viagem acabou com o rei a ser transportado de urgência até Espanha, após cair e partir a anca..Foi depois disso que o rei terá transferido, através de outro banco suíço com sede nas Bahamas, 65 milhões de euros para Corinna. Investigada por causa do dinheiro na suíça, a alegada ex-amante disse que o dinheiro foi um "presente não solicitado do rei". Numa declaração ao El País, o seu advogado indicou: "Em 2012, a nossa cliente recebeu um presente não solicitado do rei emérito, que o descreveu como uma espécie de donativo para ela e para o filho, a quem se tinha apegado. Tinha passado vários anos com problemas de saúde, durante os quais a nossa cliente cuidou dele", acrescentando que tudo está de acordo com a lei..Há dois anos tinham vindo a público gravações de Corinna a revelar que o monarca tinha contas na Suíça e que ela era usada como testa-de-ferro por ele. Entretanto, a imprensa cor-de-rosa garante que o filho de Corinna poderá ser filho do monarca. O silêncio da Casa Real sobre mais este escândalo está a gerar novas críticas de parte da sociedade espanhola, que olha para a instituição como algo antigo e antidemocrático, podendo custar mais pontos de popularidade a Felipe VI..O caso com Corinna não terá também sido o único de Juan Carlos. Outrora considerado tema-tabu, a privacidade do rei emérito passou a não ser segredo após o escândalo do Botswana. A outra alegada amante do monarca terá sido a atriz Bárbara Rey, que denunciou em 1997 que a sua casa tinha sido assaltada para lhe tirarem "material sensível" (teria gravado conversas íntimas) que envolvia uma "alta personalidade do Estado".. Inquérito parlamentar rejeitado.A Mesa do Parlamento espanhol, na qual os socialistas e o Partido Popular têm maioria, rejeitou nesta semana abrir uma investigação parlamentar às contas do monarca. A rejeição dos socialistas à proposta do seu parceiro de governo, a aliança Unidas Podemos, prende-se com os relatórios dos serviços jurídicos do Congresso que têm sempre defendido a inviolabilidade da figura do monarca, segundo a Constituição espanhola. O partido de Pablo Iglesias já por três vezes tentou criar uma comissão de inquérito a Juan Carlos, mas a Mesa do Congresso dos Deputados rejeitou sempre as pretensões com base em relatórios dos serviços jurídicos.."Não concordamos com essa decisão. A opacidade que envolve o rei emérito é prejudicial à democracia e não faz mais do que dar-nos motivos para procurar abolir a monarquia", escreveu o deputado Jaume Asens, do Podemos, no Twitter. Ainda antes deste escândalo, o líder do partido, Pablo Iglesias, dizia que apesar de agora fazer parte do governo (é vice-ministro e ministro dos Direitos Sociais e para a Agenda 2030) não renunciava ao seu objetivo de abolir a monarquia e converter Espanha numa "república plurinacional"..Desde que abdicou em 2014 que o monarca perdeu a imunidade de que gozava - podendo ser julgado em Espanha pelo Supremo Tribunal e estando desprotegido de investigações de outros países. O governo espanhol disse que colabora com a justiça suíça.. Lista de escândalos.A lista de escândalos da família real não se limita a Juan Carlos. O caso de corrupção Nóos, que tinha saltado para a esfera pública em finais de 2011, terminou já em 2017 com a condenação de Iñaki Urdangarin, marido da infanta Cristina, a seis anos e três meses de prisão (que em recurso baixou para cinco anos e dez meses). Desde que Felipe VI subiu ao trono, a infanta já não fazia parte da família real espanhola, sendo apenas membro da família do rei - como a irmã, Elena. Não participava por isso em atos oficiais nem recebia dinheiro do Orçamento do Estado, apenas membro da família do rei..No Natal passado, Urdangarin foi autorizado a passar uns dias em casa, tendo feito uma segunda saída precária já em fevereiro. Desde setembro que, duas vezes por semana, faz trabalho de voluntariado na casa religiosa de Pozuelo, tendo sido autorizado em março (antes da crise do coronavírus rebentar) a passar dois fins de semana por mês fora da prisão. Isso foi entretanto cancelado pelo risco de contágio.