José Mota: "Orgulho-me de já ter ganho em todos os estádios do país"
É o treinador desta edição da I Liga com mais jogos realizados no escalão principal do futebol português, 379 no total, ao longo de 15 temporadas. É algo que certamente o deixa orgulhoso...
Evidentemente que é um feito que me enche de orgulho, pois é sinal de que me reconhecem competência e que continuo bem vivo e com toda a motivação para prosseguir o meu trabalho. Mas também lhe digo que não ando no futebol com a intenção de bater recordes. Ando, sim, para dignificar a minha profissão e o meu trabalho, sempre de forma séria.
Começou muito novo como treinador, aos 32 anos. Quando decidiu que queria ser treinador de futebol?
Já tinha decidido ser treinador há muito tempo. De tal forma que durante a minha carreira de jogador fui-me preparando com os graus necessários que me habilitassem a treinar na I Liga. Quando deixei de jogar futebol, aos 32 anos e meio, já tinha o IV nível de treinador, o nível máximo e que me permitia orientar equipas no escalão principal.
Em 15 anos na I Liga orientou apenas Paços de Ferreira, Leixões, Gil Vicente, Belenenses, Vitória de Setúbal e Desportivo das Aves. Um sinal de estabilidade raro nos dias que correm...
Normalmente, assino contratos por uma época e depois sou convidado a renovar, o que é motivo de orgulho. Aliás, tenho de agradecer a todos os clubes que representei até hoje.
É impossível não destacar o Paços de Ferreira, que orientou durante dez épocas e quase sempre no escalão principal.
Obviamente que o Paços de Ferreira será sempre um clube especial para mim. Foram 13 anos como jogador e depois dez como treinador. É a terra onde moro e gosto muito de aqui viver. O Paços de Ferreira vai ficar para sempre no meu coração, mas entretanto tive de seguir o meu trajeto e não poderia ficar no clube para sempre...
Tem 54 anos, pelo que se arrisca a terminar a carreira com um número ainda mais impressionante de jogos na I Liga. Ambiciona vir a ser o treinador da história com mais jogos no campeonato português (o recorde pertence a Fernando Vaz, com 626)?
Espero ter saúde e vontade para ir continuando, mas não faço contas. Só quero continuar a trabalhar com a mesma motivação e alegria.
Sente que consegue deixar uma marca nos clubes que orienta? Ou seja, quando olhamos para uma equipa, conseguimos perceber imediatamente que tem o seu estilo de jogo?
Uma das minhas maiores virtudes é conseguir deixar o meu cunho pessoal. Aliás, a comunicação social costuma dizer "esta é uma equipa à imagem de José Mota". Tem de ser uma equipa competitiva, alegre e capaz de dar tudo durante os 90 minutos. Uma equipa com grande determinação, independentemente de depois ganhar ou perder.
Uma das características das suas equipas é tentarem sempre discutir os jogos, mesmo com equipas de muito maior dimensão?
Quando jogamos com os três grandes existe a tendência de nos remetermos à defesa, mas a verdade é que se o fizermos acabamos por perder na mesma. Orgulho-me de já ter ganho em todos os estádios do país e de já ter vencido umas 15 vezes os três grandes - oito o Sporting, umas quatro o FC Porto e umas três ou quatro o Benfica. E não teria conseguido estas vitórias se as minhas equipas apenas pensassem em defender. São equipas atrevidas, desinibidas e que procuram discutir o jogo. Não gosto de equipas expectantes, que ficam a trocar a bola no espaço defensivo.
O Sporting tem sido um adversário-talismã para si? Além das vitórias que referiu, foi diante dos leões que ganhou o seu único título, a Taça de Portugal da época passada.
De facto, o Sporting tem sido o clube grande que mais tenho vencido e, inclusivamente, já fui ganhar umas três ou quatro vezes a Alvalade. É uma coincidência e o resultado da tal postura ambiciosa que referi. Lembro que até hoje só treinei equipas que lutam pela manutenção e quase sempre com orçamentos baixíssimos. Nunca tive um presidente que no início da época me pedisse para tentar atingir a Europa. No entanto, já cheguei às provas europeias pelo Paços de Ferreira e já terminei em sexto lugar em três ocasiões.
O que lhe falta ainda atingir como treinador?
Não faço muitos planos nem crio ilusões. Felizmente, tenho-me mantido quase sempre na I Liga e, das cinco vezes em que disputei a II Liga, consegui quatro subidas de divisão - duas pelo Paços de Ferreira, uma pelo Feirense e uma pelo Desportivo das Aves. Só não consegui no Belenenses, mas numa altura em que o clube passava por uma crise gravíssima.
Quais foram os jogadores mais talentosos que orientou?
Penso que fui o treinador que mais jovens lançou vindos da formação dos clubes e de divisões secundárias, e isso é algo que me envaidece muito. Vários chegaram a grandes clubes e à seleção A, e fico feliz porque depois me ligam a agradecer o trabalho que realizámos juntos. Posso dar o exemplo do Antunes, que lancei no Paços de Ferreira e chegou à AS Roma, do Rúben Vezo, que começou a jogar comigo no V. Setúbal e foi para o Valência, do André Almeida, que estava no Belenenses e se transferiu para o Benfica. E muitos outros, como o Ricardo Horta, o Mário Sérgio, o Rafael, o Beto [guarda-redes], o outro Beto [médio], o Paulinho, que agora está no Sp. Braga...
Que tipo de relação gosta de cultivar com os jogadores?
A minha relação com os jogadores é de grande proximidade. Sou amigo deles e muitos até me pedem para conhecer os seus familiares. Gosto que os jogadores cheguem ao pé de mim e me digam se estão felizes ou com problemas. Muitas vezes sou convidado para eventos com as respetivas famílias e tento sempre estar presente, com todo o gosto. É devido a esta relação que estabeleço que eles me ligam anos depois de trabalharmos, quando chegam a um grande clube ou são chamados à seleção.
Qual o objetivo do Desportivo das Aves para esta temporada?
Já atingimos o primeiro objetivo, a qualificação para a fase de grupos da Taça da Liga. Mas o grande objetivo é a manutenção, nem poderia ser de outra forma, pois temos de estar conscientes das nossas limitações. Uma coisa garanto: vamos lutar em todos os jogos para sermos competitivos e tentarmos a vitória.
Como antevê a luta pelo título na temporada que agora se inicia?
Vão ser os três candidatos de sempre. Independentemente de tudo o que se possa passar, no final vão ser sempre Benfica, Sporting e FC Porto a lutar pelo título, e não faço distinção entre eles.
Sente que o campeonato português tem evoluído nos últimos anos ou nem por isso?
Acho que não temos favorecido o espetáculo ao colocarmos equipas que pensam quase exclusivamente em defender. Independentemente do baixo orçamento de algumas delas, deveríamos ter maior preocupação em lutar pela vitória, de forma a galvanizarmos as pessoas e a termos estádios cheios.
Na última temporada o clima em torno do futebol português atingiu níveis de agressividade possivelmente nunca vistos. Será para continuar esta época ou tem esperança de que haja uma melhoria?
Infelizmente, vai continuar este péssimo clima. Temos assistido a pessoas que vêm para o futebol para se promoverem e para se darem a conhecer. Depois temos aqueles tristes programas de televisão que nos entram pela casa dentro. Tento evitar assistir a esse tipo de coisas que só prejudicam o futebol.
Que mensagem final gostaria de deixar?
A mensagem é de que me sinto cada vez mais motivado para aqui continuar. Comecei em 1999-2000, mas estou com a mesma determinação e vontade. E tenho a certeza de que quando me faltar a adrenalina deixarei o futebol, com o sentido de dever cumprido.